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Cidade – Patrimônio Cultural: a busca da viabilidade

Chancela que atribui valor cultural, o tombamento nem sempre é bem recebido pelos proprietários de um imóvel antigo. Muito pelo contrário, o interesse histórico e artístico atribuído a essas edificações esbarra em um entrave de ordem prática: a viabilidade econômica de um bem protegido pelo poder público. Para evitar o ônus do tombo e a temida desvalorização comercial, algumas famílias acabam por ceder à especulação imobiliária, vendendo o imóvel para construtoras. Em outros casos, recorre-se à Justiça para impedir o tombamento. Entre a garantia dos direitos dos proprietários e a preservação do patrimônio arquitetônico, seria possível um denominador comum?

Em fevereiro, a herdeira de um casarão da década de 1930, na Rua Sampaio, Eunice Nardelli, obteve autorização do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) para demolir o imóvel, após o próprio órgão ter optado pelo não-tombamento. Porém, antes mesmo da abertura do processo, a proprietária, para resguardar seus direitos, já havia solicitado na Prefeitura a permissão para a demolição.

Segundo o advogado da família de Eunice, Raphael de Oliveira Rodrigues, a proprietária não tem intenção de levar a casa abaixo, mas entrou com o pedido no Comppac por não ter condições de arcar com o ônus do tombamento. “O problema é que não existe amparo ao dono de um imóvel nessas condições. Ele é obrigado a recuperar essa propriedade, o que fica muito caro. Em troca, recebe apenas a isenção de IPTU”, explica, lembrando que há complicadores nesse tipo de obra que elevam consideravelmente o custo final. “Aquela casa tem um piso hidráulico da Pantaleone Arcuri. Não pode ser restaurada com qualquer material, nem por qualquer profissional”, diz. Conforme o advogado, a restauração do casarão chegou a ser orçada em R$ 400 mil.

Caminhos possíveis

Apesar de reconhecer o aspecto financeiro como um dificultador da preservação desse tipo de patrimônio, especialistas apontam soluções possíveis para equacionar os extremos. “O tombamento não é essa coisa medonha. Pelo contrário, é um instrumento de valorização do imóvel”, ressalta a gerente de patrimônio material do Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), Rosana Marques.

“O que viabiliza economicamente o tombamento é um conjunto diversificado de fontes de recursos”, afirma o coordenador do curso de arquitetura da UFJF, Júlio César Sampaio, ressaltando que a isenção de IPTU seria apenas a primeira delas. Na opinião do professor, é importante que os proprietários fiquem atentos ao potencial do próprio imóvel, que pode ter seu valor histórico e simbólico explorado em um empreendimento.

Durante mais de uma década, o destino do Castelinho dos anos 20, na Avenida Rio Branco, preocupou cidadãos e entidades de preservação do patrimônio. A solução, nesse caso, veio há cerca de dois anos, com um empreendimento privado. O imóvel foi restaurado e alugado para uma clínica de radiologia. Apostando na importância simbólica do prédio para a cidade, a empresa decidiu assumir as instalações e transformar o antigo Castelinho da SEG em Castelinho da Ultraimagem.

Para o diretor administrativo da clínica, Alexandre Surerus, a associação do prédio com a SEG, empresa de segurança extinta há 20 anos, é prova de que um imóvel dessa natureza pode perpetuar a imagem de uma empresa. “Quando soubemos que ele estava disponível, foi uma satisfação. Nasci nessa cidade e sei da importância desse prédio”, relata Surerus. O antigo Mercado Municipal, na Avenida dos Andradas, também é apontado como um empreendimento que aproveitou o potencial histórico em benefício do aspecto comercial. No prédio, funcionam quatro lojas e um bar que ocupa o segundo piso.

Júlio Sampaio explica que a junção de interesses na recuperação de um imóvel tombado tem origem no conceito de “conservação integrada”, desenvolvido durante a revitalização do centro histórico de Bologna, na Itália. Nessa concepção, os aspectos físico, econômico e social do patrimônio cultural passam a ser tratados de forma conjugada, como forma de viabilizar a exploração econômica do bem e garantir sua sustentabilidade. Segundo o professor, essa perspectiva guiou as intervenções em determinas áreas do Centro do Rio de Janeiro, como o Corredor Cultural.

Transferência de potencial construtivo

Estabelecida há 11 anos pela Lei Municipal 9.327, a transferência de potencial construtivo é apontada como uma alternativa que pode agradar empresários, defensores do patrimônio cultural e proprietários dos imóveis. De acordo com esse dispositivo, o dono de um imóvel tombado poderia vender a parte ociosa de seu “potencial construtivo” – limitação estabelecida pela Prefeitura em cada região da cidade para controlar o adensamento demográfico – a empreendimentos vizinhos que já atingiram sua cota.

O recurso está sendo analisado por uma instituição de ensino da cidade e pode ser utilizado pela primeira vez em breve, o que tem aguçado as expectativas de especialistas. “É uma espécie de moeda virtual para o proprietário e que pode ser um caminho muito promissor”, explica o diretor de patrimônio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Marcos Olender.

Projetos de incentivo

Apesar de o Governo brasileiro não contar com fundos específicos para a conservação de edifícios históricos particulares, como acontece no Japão e nos Estados Unidos, por exemplo, imóveis tombados também podem concorrer a recursos disponibilizados por programas de entidades públicas e privadas. Rosana Marques, do Iepha, destaca que o Fundo Estadual de Cultura aceita projetos dessa natureza, desde que haja alguma contrapartida para o interesse público. Segundo a gerente de patrimônio, a Caixa Econômica Federal também mantém linhas de crédito com essa finalidade. Petrobras, BNDS e o Banco Itaú engrossam a lista de empresas que contemplam bens arquitetônicos em seus programas de incentivo cultural. A Divisão de Patrimônio Cultural da Funalfa (Dipac) oferece orientação técnica para a formatação de projetos com esses fins.