
Capa da obra Nos limites da neutralidade jurídica: trajetórias e experiências de mulheres profissionais do direito (Foto: Editora UFJF)
No dia 11 de agosto, é celebrado o Dia das Advogadas e dos Advogados, data que homenageia esta profissão essencial para o funcionamento da justiça e da democracia. Apesar de seu compromisso com a defesa dos direitos e a busca por equidade, o campo jurídico ainda reflete desigualdades estruturais da sociedade. A obra Nos limites da neutralidade jurídica: trajetórias e experiências de mulheres profissionais do direito, de Laura Mostaro Pimentel, publicada pela Editora UFJF, propõe uma reflexão crítica sobre como as relações de poder no meio jurídico afetam a inserção e a trajetória profissional das mulheres.
Segundo o 1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira (Perfil ADV) realizado no primeiro semestre de 2024, as mulheres representam a maioria na atuação profissional da advocacia: 50% são mulheres, 49% são homens e 1% pertencem a outras identidades de gênero. No entanto, uma análise mais aprofundada revela desigualdades persistentes. De acordo com um manifesto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 2023, apenas 38% dos cargos do Poder Judiciário eram ocupados por mulheres. Esse percentual é ainda menor nos tribunais superiores, onde a presença feminina, especialmente de mulheres negras, é significativamente reduzida.
Na obra Nos limites da neutralidade jurídica: trajetórias e experiências de mulheres profissionais do direito, a autora Laura Mostaro Pimentel parte de uma perspectiva feminista e do projeto de uma ciência comprometida com as questões de gênero para analisar os desafios enfrentados por mulheres em carreiras públicas. A partir de relatos pessoais de entrevistadas, ela demonstra como desigualdades materiais, sociais, políticas e culturais impactam diretamente suas trajetórias profissionais. Um dos aspectos destacados no livro é a renúncia, muitas vezes involuntária, a cargos hierarquicamente mais altos, influenciada por fatores como a sobrecarga de responsabilidades. Mesmo quando ocorre a delegação das tarefas domésticas a outras mulheres, essas profissionais seguem envolvidas nos cuidados familiares, o que compromete o tempo disponível para se dedicar ao trabalho em igualdade de condições com colegas do gênero masculino.

Laura Mostaro Pimentel (Foto: Acervo pessoal)
Laura Mostaro Pimentel destaca que, muitas vezes, nem mesmo as próprias mulheres reconhecem como forma de resistência as estratégias que desenvolvem para conquistar reconhecimento em comparação aos colegas homens. Essas estratégias exigem um esforço adicional para que possam ocupar espaços e serem levadas a sério dentro do campo jurídico. Para a autora, é necessário compreender o silenciamento não apenas como algo imposto diretamente por outras pessoas, mas como um efeito das dinâmicas sociais que constantemente reproduzem opressões. Ela afirma: “a naturalização das diferenças de gênero e a colocação dessas questões como das mulheres, e apenas das mulheres, pode ser considerada uma forma de silenciamento, ainda que eu não use esse termo no trabalho. Se fala muito na ‘conciliação’ das mulheres no mercado de trabalho formal, mas pouco se questiona por que apenas as mulheres têm que conciliar. Isso é uma naturalização dessa estrutura social que sobrecarrega as mulheres”.
A autora também ressalta que a falta de questionamento sobre essa realidade contribui para a sua permanência. Ela explica: “ao tratar tudo isso como natural, um ‘as coisas são como são’, a busca por repensar as estruturas sociais acaba reduzida ou abafada, o que se pode compreender como uma forma de silenciamento”.
O livro Nos limites da neutralidade jurídica: trajetórias e experiências de mulheres profissionais do direito foi desenvolvido a partir da dissertação de mestrado de Laura Mostaro Pimentel e representa uma importante contribuição para o aprofundamento das discussões sobre desigualdade de gênero no campo jurídico. A autora ressalta a relevância da publicação e o papel da Editora da UFJF na democratização do conhecimento: “a contribuição da Editora da UFJF para a divulgação de trabalhos críticos é essencial. Fiquei muito feliz com a oportunidade de publicação, por diversos motivos, entre eles o alcance que a obra pode ter. Realizei minha pesquisa em uma instituição pública, com o apoio da estrutura da UFJF, e nada mais justo que ela também esteja disponível ao público. Foi um esforço de transformar a dissertação em uma obra acessível a pessoas fora do meio acadêmico, estando disponível gratuitamente em formato digital.”
Matéria: Maria Angélica Costa
Edição: Andréia Sixel e Nathalie Reis