Produção afro-latina
As manifestações artísticas e culturais são as principais ferramentas que salvaguardam a história dos diferentes povos africanos, trazidos como escravizados para a América Latina. Essa preservação exigiu – e exige até hoje – muita resistência e resiliência por parte dos afro-latinos. Além de todo o sofrimento causado pelo período da escravidão, pouco foi feito, principalmente no campo das políticas públicas, de medidas que combatessem as desigualdades provenientes do período.
No mês da Consciência Negra, o Vamos Ler! recorda a produção de escritores e poetas afro-latinos, que de forma consciente e, algumas vezes insurgente, busca nos conscientizar sobre a necessidade de observarmos a pluralidade cultural e as injustiças de nossa América Latina.
A dificuldade encontrada pela equipe do Vamos Ler!, no momento de pesquisar nomes de escritoras e escritores afro-latinos, reforça o esforço desses autores de preservarem a memória dos nossos antepassados. E é muito importante ressaltarmos que, com ênfase em nossa ancestralidade, os artistas dão vida a trabalhos que reforçam a beleza e a capacidade dos povos tradicionais em reconhecerem a estreita conexão entre passado e futuro.
Índice de textos
Fragmentos de Changó, El gran putasDulce tortura
Autobiografia
EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação
ainda corta o grito de minha avó
LEITO de sangue negro
emudecido no espanto
clamor de tragédia não esquecida
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra… escudo… dólar… mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
Abdias do Nascimento nasceu em Franca (São Paulo/Brasil), em 1914. Foi um ator, diretor, dramaturgo, escritor e pintor brasileiro, militante da luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra. Atuou também como deputado federal e senador. No campo artístico, seu trabalho esteve direcionado, principalmente, para a produção teatral. Criou, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN), a primeira companhia a promover a inclusão do artista afrodescendente no panorama teatral brasileiro. Entre 1948 e 1951, Abdias dirigiu o jornal Quilombo, órgão de divulgação do grupo e de notícias de outras entidades do movimento negro. Em 1949 organizou a Conferência Nacional do Negro e,em 1950, o 1º Congresso do Negro Brasileiro. Em 1961 publicou o livro Dramas para Negros e Prólogos para Brancos, uma grande coletânea de peças nacionais que tratam da cultura negra, entre elas as montadas pelo TEN. Em 1968, devido a perseguição política, ele foi para um exílio. No exterior, atuou como conferencista e professor universitário, dedicando-se à pesquisa relacionadas à cultura religiosa afro-brasileira. Neste tempo, publicou uma série de livros denunciando a discriminação racial no Brasil. Faleceu em 2011.
Fontes: Itaú Cultural e UFMG
Me Gritaron Negra
Tenía siete años apenas,
apenas siete años
Qué siete años!
No llegaba a cinco siquiera!
De pronto unas voces en la calle
Me gritaron Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
“”Soy acaso negra?””- me dije
SÍ!
“”Qué cosa es ser negra?””
Negra!
Y yo no sabía la triste verdad que aquello escondía.
Negra!
Y me sentí negra,
Negra!
Como ellos decían
Negra!
Y retrocedí
Negra!
Como ellos querían
Negra!
Y odie mis cabellos y mis labios gruesos
Y mire apenada mi carne tostada
Y retrocedí
Negra!
Y retrocedí . . .
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Y pasaba el tiempo,
Y siempre amargada
Seguía llevando a mi espalda
Mi pesada carga
Y cómo pesaba!…
Me alacié el cabello,
Me polvee la cara
Y entre mis entrañas siempre resonaba la misma palabra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Hasta que un día que retrocedía, retrocedía y qué iba a caer
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
Y qué?
Y qué?
Negra!
Si
Negra!
Soy
Negra!
Negra
Negra!
Negra soy
Negra!
Si
Negra!
Soy
Negra!
Negra
Negra!
Negra soy
De hoy en adelante no quiero
Laciar mi cabello
No quiero
Y voy a reírme de aquellos,
Que por evitar -según ellos-
Que por evitarnos algún sinsabor
Llaman a los negros gente de color
Y de qué color!
Negro
Y qué lindo suena!
Negro
Y qué ritmo tiene!
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro
Al fin
Al fin comprendí
Al fin
Ya no retrocedo
Al fin
Y avanzo segura
Al fin
Avanzo y espero
Al fin
Y bendigo al cielo porque quiso Dios
Que negro azabache fuese mi color
Y ya comprendí
Al fin
Ya tengo la llave!
Al fin
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro
Negra soy
Victoria Santa Cruz nasceu em Lima (capital do Peru), em 1922. Foi uma poeta, coreógrafa, estilista e folclorista afro-peruana. A arte e a cultura afro esteve sempre presente em sua rotina. Seu pai foi dramaturgo e poeta, e sua mãe, bailarina de marinera – dança típica do Peru que une raízes culturais indígenas, africanas e espanholas. Aos 36 anos, Victoria criou o grupo Cumanana, com seu irmão mais novo, também poeta Nicomedes Santa Cruz Gamarra. O grupo foi um dos primeiros grupos teatrais inteiramente integrado por negros no país. Victoria teve oportunidade de estudar em Paris, na Universidade do Teatro das Nações e na Escola Superior de Estudos Coreográficos. Em Lima fundou a companhia Teatro e Danças Negras do Peru, que representou o país nas comemorações dos Jogos Olímpicos do México, em 1968. Foi diretora do Centro de Arte Folclórica, atual Escola de Folclore e do Instituto Nacional de Cultura. A poetisa foi uma das poucas mulheres latino-americanas e negras a lecionar na requisitada Universidade Carnegie Mellon (Pensilvânia / EUA). Seu poema Me Gritaron Negra é um manifesto e uma bandeira na luta contra o racismo, uma vez que relata tudo o que um jovem negro já viveu. Victoria morreu em 2014.
Cartas para a minha mãe
“Mãezinha, encontrei um pedaço de espelho na rua. Agora, passo o tempo todo me olhando. A testa, os olhos, o nariz, a boca… Sabe de uma coisa? Descobri que meus olhos são parecidos com os seus, que não podiam ser mais bonitos, e que minha boca e meu nariz são normais.”
Teresa Cárdenas é uma escritora e contadora de histórias cubana. Atua também como atriz e assistente social. Nasceu em 1970 na cidade de Cárdenas, província de Matanzas (Cuba). É membro da Associação de Escritores da União de Escritores e Artistas de Cuba e já recebeu vários prêmios, entre eles: Prêmio David (1997); Prêmio da Asociación Hermanos Saíz (1997); Prêmio Nacional da Crítica Literária (2000), Prêmio Casa de las Américas (2005); Prêmio de la Crítica Literaria (2006). Teresa tem livros publicados também no Canadá, Estados Unidos, Suécia e no Brasil.
Fonte: Palla Editora
Semblanza
¿De dónde provienes tú
pasionable y exaltada?
Tu sangre vió los ardores
de la Nigeria especiante.
Convada
y de ébano arrogante
el mapa de tu mirada.
Tus axilas aromadas
vegetación de la seiba.
Paso de culebra
tus caderas,
muchacha negra.
Virgínia Brindis de Salas nasceu em Montevideo, em 1908, e faleceu em 1958 na Argentina. No decorrer de sua vida foi muito atuante no movimento negro afro-uruguaio. Conhecida por difundir e propiciar o ativismo político e social do movimento negro e das favelas do Uruguai, Virgínia contribuiu com publicações de poetas negros, bem como nas denúncia das condições miseráveis às quais viviam o povo uruguaio de cor e das classes mais baixas. Ela foi uma líder intelectual, poeta aclamada e grande figura do Círculo de Intelectuais, Artistas, Periodistas e Escritores Negros (CIAPEN), fundação uruguaia criada e organizada pelo movimento negro afro-uruguaio em 1946.
Fonte: Medium
Fragmentos de Changó, El gran putas
“La verdad y la leyenda se confunden em los recurerdos del capitán: los levantamientos de esclavos durante las travesías, las bodegas incendiadas, los negros hambrientos devorándose unos a outros, los tripulantes holandeses de una não negrera ahora esclavos de sus antiguos prisioneros”
Manuel Zapata nasceu em Santa Cruz de Lorica, em 1920, e faleceu em 2004, em Bogotá. Zapata foi antropólogo, escritor e médico. Como escritor, foi o primeiro autor a exaltar a identidade negra colombiana em suas obras. Começou a escrever muito jovem e suas obras tratam sobretudo da opressão e da violência, retratando o realismo e a denúncia social. Ao longo de sua vida fez muitas viagens pela América Central, México e Estados Unidos, onde observou e pesquisou a cultura negra e o tratamento que os negros recebiam nos paises. Durante sua vida, recebeu vários prêmios literários.
Fonte Biografias
Não foi um cruzeiro
meu nome e
minha língua
meus documentos e
minha direção
meu turbante e
minhas rezas
minha memória de
comidas e tambores
esqueci no navio
que me cruzou
o Atlântico.
Lubi Prates nasceu em 1986, em São Paulo/SP. É poeta, tradutora, editora e curadora. Tem quatro livros publicados – Coração na boca (2012), Triz (2016), Um corpo negro (2018), Sin país (2018), sendo o último lançado no Uruguai. O livro “Um corpo negro” foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural (Secretaria de Cultura de São Paulo) com bolsa de criação e publicação de poesia e está em processo de publicação na Argentina, Colômbia, Estados Unidos e Espanha, além de ser finalista do Prêmio Jabuti e do Prêmio Rio de Literatura. Tem diversas publicações em antologias e revistas nacionais e internacionais. Organizou festivais literários para visibilidade de poetas e também participou de outros festivais literários no Brasil e em outros países da América Latina. É sócia-fundadora e editora da Nosotros Editorial, e é editora da revista literária Parênteses. Dedica-se à ações que combatem a invisibilidade de mulheres e negros. Atualmente, é doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento Humano, na Universidade de São Paulo.
Fonte: Revista Crobata