Os encontros do Pint of Science carregaram, como é característico do evento, a ousadia de combinar temas profundos com falas descontraídas – em outras palavras, transformar assuntos científicos sérios em papo de mesa de bar. E foi com maestria que os pesquisadores convidados da edição de 2022 conduziram esses bate-papos em Juiz de Fora, ocupando o Bar do Luiz e o Experimental Bar durante os dias 8 e 9 de novembro. Em sua última noite, o festival abordou a autoimagem corporal e a busca pelo corpo perfeito, bem como os desafios que o Brasil enfrenta para diminuir os impactos das mudanças climáticas.
Considerado o maior festival de divulgação científica do mundo, o Pint of Science acontece simultaneamente em vários continentes e promove a cidadania científica por meio das conversas informais em bares, regadas a aperitivos e bebidas, entre os pesquisadores e o público não especializado, abordando assuntos de interesse público. Em Juiz de Fora, o evento acontece desde 2018, interrompido somente durante o período de isolamento da pandemia, e é sempre realizado em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que viabiliza o contato com a rede de cientistas da instituição e de entidades parceiras.
“Espelho, espelho meu”, existe limite para a estética?
Os pesquisadores Luana Ferreira e Moacir Marocolo, ambos da UFJF, se reuniram no Experimental Bar para conversar sobre a questão da autoimagem e a necessidade que, consciente ou inconscientemente, o ser humano apresenta de se enquadrar em padrões estéticos. Marocolo apontou como o culto ao corpo sempre foi algo presente na história da humanidade, sendo um fator cultural e uma forma de ser aceito por determinados grupos sociais. Doutor em Fisiologia e phD em Ciências do Exercício, o pesquisador falou sobre como lidar com expectativas e frustrações relacionadas aos limites do próprio corpo e, ainda, com o impacto que as mídias, especialmente as digitais, implicam no comportamento das pessoas.
Luana, que é graduada em Nutrição e agora, doutoranda em Psicologia e integrante do Laboratório de Estudos do Corpo, fez coro ao colega e complementou: “A percepção que a gente tem do nosso corpo é construída ao longo da vida. Começa com o modo que os pais ensinam a criança a cuidar da própria imagem e restringir – ou não – a alimentação. Depois, o indivíduo sofre influências dos pares, amigos e conhecidos, que compartilham crenças, padrões e opiniões que vão moldando a imagem que temos de nós mesmos. A mídia também contribui ao propagar a definição do corpo ideal.”
A plateia participou com perguntas sobre a temática. Um dos questionamentos feitos foi sobre o que, exatamente, seria uma “alimentação saudável”. A pesquisadora respondeu que “comer ‘saudável’ é sobre a relação que as pessoas apresentam com os alimentos. A alimentação não é só sobre nutrir. Existe uma diferença entre estar satisfeito e estar saciado”. O diálogo provocou reflexões no público. A estudante de Odontologia, Izabelle Rangel, esteve presente no bar e compartilhou que o encontro a fez lembrar da época que sofria bullying no colégio por ter um corpo diferente das demais crianças. Ela relatou que os colegas a chamavam de gordinha e outros adjetivos que a chateavam. “Hoje eu entendo que esses padrões estéticos são inalcançáveis e eu não preciso deles”, garantiu.
Vamos renovar antes que tudo se acabe
Em outra esfera do encontro, os pesquisadores Marcelo Otênio, da Embrapa, e Adilson Silva, da UFJF, conduziram um diálogo sobre os desafios que o Brasil tem enfrentado nos últimos anos com relação aos gases de efeito estufa emitidos nacionalmente. Além de evidenciar as conquistas alcançadas pelas universidades e cientistas brasileiros, os profissionais explicaram ao público que, em certa medida, esses gases são naturais, porém, quando liberados em excesso tornam-se os vilões, justamente, por agravarem o efeito estufa.
O encontro serviu para reforçar a importância de se falar sobre aquecimento global. Otênio fez questão de mostrar, na prática, como funciona a sua pesquisa. Para isso, levou um equipamento conhecido como biodigestor, que consegue transformar esterco em energia. Ele explicou que o esterco produzido pelo boi vira óxido nitroso, um gás prejudicial. Essa alternativa mostra-se um caminho promissor na luta contra o desequilíbrio climático. Ele assegurou por meio do próprio equipamento que o Brasil possui um grande potencial científico e tecnológico para investir nessa causa. E isso se deve, essencialmente, às universidades.
Empolgado com o diálogo, o público levantou algumas questões. Dentre as perguntas, a que obteve maior destaque foi sobre o empasse do equilíbrio climático em níveis nacional e mundial. O professor Adilson Silva respondeu a dúvida com uma resposta pouco animadora. “Estamos perdendo de goleada”, comentou Silva. Ele complementou a discussão, dizendo que os humanos têm sobrecarregado cada vez mais o planeta.
Ao final do encontro, Clara Slade, que trabalha na Embrapa junto com Marcelo Otênio, comentou que ficou surpresa e animada ao saber que o Pint of Science acontece na cidade de Juiz de Fora – ela também estava presente em uma das primeiras edições do Pint of Science, que aconteceu em Cambridge, na Inglaterra, no início dos anos 2010. Slade frisou a importância do evento para que todos tenham acesso ao conhecimento que é produzido em instituições de pesquisa.
Sobre o “Pint of Science”
O Pint of Science é um dos maiores festivais mundiais de divulgação científica fora do meio acadêmico, que promove encontros entre pesquisadores e comunidade em bares, pubs, cafés ou restaurantes. Ele chegou ao Brasil em 2015, organizado pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP São Carlos. Desde então, 179 cidades de todo o país já sediaram o evento. A rede é formada por milhares de voluntários interessados em levar descobertas às pessoas.