O potencial hídrico da Bacia Amazônica é gigante, do tamanho da própria bacia hidrográfica, a maior do mundo, e que abriga também a maior floresta equatorial e tropical de toda a Terra, a Floresta Amazônica. Diante de toda imensidão, extensão e volume de água, há grande demanda pelo uso desse recurso, especialmente na geração de energia elétrica. No entanto, ainda que seja uma fonte renovável, há custos ambientais que devem ser considerados e que podem trazer algum prejuízo para o ecossistema, seja na biodiversidade, fauna e flora, seja no equilíbrio ambiental e climático.
É com essa perspectiva que um grupo de pesquisadores de instituições de diversos países se reuniu em uma colaboração internacional para apresentar estratégias que visam otimizar a instalação de hidrelétricas na Bacia Amazônica. Intitulado Reducing adverse impacts of Amazon hydropower expansion, o artigo foi publicado na revista Science, um dos periódicos científicos mais prestigiados em todo o mundo e de alto fator de impacto.
O pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Nathan Barros, é um dos autores e destaca que o estudo revela que é possível atingir as metas de produção de energia minimizando os impactos. “Isso só será possível com uma coordenação internacional e fora das fronteiras geopolíticas, mas atentando aos limites da bacia hidrográfica”, observa, em referência à localização territorial da Bacia Amazônica que se estende por oito países da América do Sul, incluindo o Brasil.
A principal contribuição do trabalho reside em sua precisão para estabelecer um planejamento coordenado da expansão hidrelétrica, já que existem 351 propostas de barragens para a região, feitas de modo individualizado sem considerar o impacto em todo o ecossistema. Esse número é ainda mais expressivo se considerar as atuais 158 barragens existentes na bacia do Rio Amazonas.
Ao instalar uma barragem hidrelétrica, a localização, o tamanho e o projeto determinam seus efeitos sobre os serviços ecossistêmicos dos quais as pessoas, sobretudo as comunidades ribeirinhas da região, dependem. “Partindo do cenário que temos hoje, ainda dá para produzirmos mais energia na Amazônia gerando menos impacto”, garante. A pesquisa é inovadora ao utilizar uma tecnologia computacional com base em algoritmos para determinar as compensações necessárias na bacia de modo a equilibrar eficiência na geração de energia hidrelétrica e manutenção das funções ecológicas, orientando um posicionamento sustentável para as barragens.
Sobre o fato de ser coautor desta publicação na Science, o docente, que também é vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza (PPGBiodiversidade) da UFJF, alega que é uma grande realização profissional. “Uma revista como a Science tem um índice de rejeição de trabalhos muito alto, e ter a chance de publicar um trabalho lá é um reconhecimento do impacto da nossa pesquisa. Fico feliz de ter tido a oportunidade de fazer parte desse time internacional e levar o nome da Universidade também”, celebra.
Inteligência Artificial
“A simulação computacional envolvida nesse experimento é inacreditável. Como utilizamos cinco categorias de impactos e centenas de hidrelétricas planejadas, o número de combinações possíveis é fora do normal e a equipe conseguiu resolver esse problema”
Denominado de Amazon EcoVistas, o programa de alto desempenho de inteligência artificial permite identificar portfólios de barragens hidrelétricas que atendem às metas de produção de energia com o menor dano ambiental. A definição de capacidade e de georreferenciamento depende da consideração simultânea de múltiplos critérios. Nesse estudo, a solução proposta leva em conta cinco fatores: vazão do rio, transporte de sedimentos, conectividade fluvial, biodiversidade de peixes e emissões de gases de efeito estufa.
“Essa ferramenta considera múltiplos impactos para apontar conjuntos de usinas e barragens que poderão ser construídas na Amazônia e que simultaneamente minimizam os impactos. A simulação computacional envolvida nesse experimento é inacreditável. Como utilizamos cinco categorias de impactos e centenas de hidrelétricas planejadas, o número de combinações possíveis é fora do normal e a equipe conseguiu resolver esse problema.”
Será possível indicar as barragens que provavelmente serão particularmente prejudiciais e ainda os benefícios ambientais perdidos das 158 barragens hidrelétricas existentes na bacia, originalmente colocadas sem um plano prévio que desse conta de seus efeitos negativos cumulativos ao longo do tempo. “Agora temos o instrumento que poderá ser utilizado para melhor selecionar o conjunto de hidrelétricas planejadas que, se construídas, terão menor impacto entregando energia cada vez mais limpa”, reforça Barros.
O método computacional desenvolvido pelo grupo permite a avaliação de cada compensação especificamente ou de todas simultaneamente e é amplamente aplicável em outras configurações de bacia, podendo ser aplicado ainda a outros projetos de energia renovável, na medida em que as sociedades em todo o mundo procuram se afastar dos combustíveis fósseis.
Os critérios ambientais avaliados também possuem valores sociais agregados, uma vez que as barragens bloqueiam os sedimentos necessários para fertilizar as culturas agrícolas que crescem na planície de inundação. A degradação da pesca ameaça uma importante fonte de alimentos e renda, e a fragmentação dos rios interrompe o transporte náutico de pessoas e bens.
Parceria internacional
Ao todo, 40 pesquisadores de dezenas de instituições de ensino e pesquisa de diversos países participaram da investigação, liderada por Alex Flecker e Carla Gomes, ambos pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. “Alex Flecker é um grande pesquisador, especialista em peixes e na sustentabilidade do bioma amazônico. Carla Gomes, por outro lado, é uma das maiores cientistas de computação dos EUA. Os dois encontraram esse desafio e juntaram um belo time para solucionar o problema”, informa.
Nathan Barros conta que toda a parte computacional foi realizada nos Estados Unidos, mas houve trabalho de campo no Brasil e no Peru, além de várias reuniões científicas na América Latina. “No meu caso, nós fomos responsáveis pela estimativa das emissões de GEE. Alguns anos atrás publicamos um artigo no periódico Nature Communications (Almeida et al. 2019), onde mostramos as simulações para as emissões de GEE. Agora, neste artigo da Science, podemos concluir a simulação para todas as categorias de impactos”, comenta. O ex-aluno da UFJF, da graduação ao doutorado, Rafael Almeida, também contribuiu com a pesquisa; ele cursou pós-doutorado na Universidade de Cornell e atualmente é professor da Universidade do Texas.
De acesso livre, a expectativa dos pesquisadores é que a ferramenta de otimização possa ser útil para o planejamento energético dos países que estão no bioma Amazônico ou para qualquer outra nação que queira utilizar o algoritmo. “Recentemente, esse mesmo grupo se reuniu para estudar um outro grande impacto da Amazônia. Esperamos em um futuro bem próximo trazer outras soluções semelhantes a essa que promova bases para a tomada de decisão e aumente a sustentabilidade da maior floresta tropical do planeta”, complementa o docente.
Selo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Como estratégia de fortalecimento das ações científicas da Universidade, a Coordenação de Divulgação Científica da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), criou um selo para indicar que as pesquisas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. A pesquisa citada nesta matéria está alinhada aos ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima) e 14 (Vida na água).