Pelo nono ano consecutivo, membros do Laboratório de Ecologia Aquática são publicados na revista Nature; a última edição contém os artigos dos pesquisadores Nathan Barros e Raquel Mendonça (Foto: Alexandre Dornelas)

Pelo nono ano consecutivo, membros do Laboratório de Ecologia Aquática são publicados na revista Nature; a última edição contém os artigos dos pesquisadores Nathan Barros e Raquel Mendonça (Foto: Alexandre Dornelas)

Mantendo a série de publicações de impacto que realiza desde 2011, o Laboratório de Ecologia Aquática (LEA) — coordenado pelo professor Fábio Roland — teve dois artigos publicados na mesma edição da Nature Communications. Realizados por diferentes pesquisadores do LEA, os trabalhos tratam de aspectos diversos do ciclo do carbono em ambientes aquáticos.

“Esse é o nono ano consecutivo em que o Laboratório publica ao menos um artigo em periódicos como a Nature”, comenta o professor Nathan Barros, um dos autores dos trabalhos publicados nessa edição. “Isso é fruto da perspectiva do professor Roland sobre o fazer científico no Brasil, sempre incentivando a busca por publicações de impacto, com qualidade e grande alcance. Isso também mostra a relevância do trabalho desenvolvido aqui.”

Nathan Barros publicou artigo sobre aumento transcontinental na ebulição de metano sob mudanças climáticas (Foto: (Foto: Alexandre Dornelas)

Nathan Barros publicou artigo sobre aumento transcontinental na ebulição de metano sob mudanças climáticas (Foto: (Foto: Alexandre Dornelas)

Círculo vicioso
Barros — que já esteve em outras edições da Nature — desenvolveu a pesquisa “Aumento transcontinental na ebulição de metano sob mudanças climáticas” (“Cross continental increase in methane ebullition under climate change”), na qual avaliou a relação entre o aumento de temperatura e a emissão de metano por bolhas em lagos naturais.

“No contexto de efeito estufa, temos como principais gases o gás carbônico (CO2) e o metano (CH4). Este último tem um potencial de aquecimento atmosférico entre 28 a 32 vezes maior do que o CO2, então, todas as formas de emissão de metano são importantes e devem ser observadas.” Realizado durante seu doutorado na Radboud University (Nijmegen, Holanda), o trabalho combinou duas etapas.

Após revisar a literatura sobre o tema — que já apontava para uma relação direta entre aumento da temperatura e crescimento das emissões do gás –, os pesquisadores desenvolveram um experimento para confirmar os dados encontrados. “Nós construímos ambientes artificiais, chamados de mesocosmos — no caso, grandes tanques de mil litros, preenchidos com água e sedimentos — onde controlamos todos os fatores, alterando apenas a temperatura.”

“Durante um ano, nós observamos a emissão em oito desses tanques; quatro deles com temperatura da atmosfera (variando sazonalmente) e, nos outros quatro, com temperatura 4ºC acima da atmosférica.” Conforme o professor, a escolha de 4ºC acompanha os cenários utilizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change) em suas estimativas.

Nos tanques com temperatura acima da atmosférica, a emissão de metano por bolhas cresceu em torno de 50% e, a cada grau aumentado — com a variação natural da temperatura atmosférica –, seus índices de emissão ficavam entre 6% e 20% maiores que os tanques a temperatura ambiente. “Dessa forma, concluímos que o aumento da temperatura faz com que grandes reservatórios naturais emitam mais metano, gerando um círculo vicioso. E isso é um problema, porque sabemos que combater o efeito estufa não é uma tarefa fácil.”

Porém, o professor ressalta que, indiretamente, esses mesmos dados apontam uma perspectiva mais otimista: “Se conseguirmos mecanismos para controlar a temperatura atmosférica, existe uma tendência para que os reservatórios naturais emitam menos gases, criando então um ciclo virtuoso.”

O artigo de Raquel Mendonça aborda sua pesquisa sobre o sequestro de carbono orgânico em lagos e reservatórios globais (Foto: Alexandre Dornelas)

O artigo de Raquel Mendonça aborda sua pesquisa sobre o sequestro de carbono orgânico em lagos e reservatórios globais (Foto: Alexandre Dornelas)

Sequestro do carbono
Outra pesquisadora do LEA que também publicou nessa edição da Nature Communications, a pesquisadora visitante Raquel Mendonça observou o lado positivo (e menos estudado) dos reservatórios: sua capacidade de sequestrar carbono. No trabalho “Sequestro de carbono orgânico em lagos e reservatórios globais” (“Organic carbon burial in global lakes and reservoirs”), Raquel analisou os fatores que influenciam esse fenômeno em áreas alagadas ao redor do mundo.

Conforme a pesquisadora, mesmo ambientes responsáveis pela emissão de CO2 e metano também sequestram esse carbono na forma de sedimentos. Nestes casos, o carbono orgânico — oriundo da vegetação terrestre ou das algas submersas — tende a sedimentar no fundo desses ambientes aquáticos, ficando “preso” ali por milhares de anos e, dessa forma, deixando de ser emitido para a atmosfera na forma de gás.

“O caminho natural do carbono orgânico — matéria orgânica, como folhas e restos de vegetação — é ser decomposto por microorganismos, sendo transformado em CO2. Nos ambientes aquáticos, essa matéria tem dois possíveis destinos: ela pode ser decomposta, produzindo CO2 e metano, ou pode sedimentar no fundo desses reservatórios, ficando preservada. No caso dos oceanos, o carbono orgânico que não é decomposto vira petróleo ou carvão”, explica Raquel.

O trabalho observa esse fenômeno de acordo com as características específicas de cada região, apontando que reservatórios em regiões mais quentes ou mais eutrofizadas (mais afetadas pela atividade humana, como cidades ou áreas de agricultura) tendem a sequestrar mais carbono que aqueles em regiões mais frias ou menos eutrofizadas. Isso ocorre porque, nesses casos, a produção de matéria orgânica a ser sedimentada é maior.

Outra informação encontrada no trabalho da pesquisadora aponta que reservatórios artificiais (como barragens) são responsáveis por 40% do sequestro total realizado pelas áreas alagadas, mesmo ocupando espaços menores que os naturais. “Isso ocorre por três principais motivos: o primeiro é que a sedimentação de matéria orgânica neles é muito mais intensa. Normalmente, construídos pelo barramentos em rios, implicando no carreamento de muita matéria orgânica terrestre nessas áreas.

“O segundo é que esses reservatórios, normalmente, estão em regiões mais eutrofizadas, com muita produção de matéria orgânica. E o terceiro é sua profundidade. Sendo, frequentemente, mais fundos e com menor oxigenação, a eficiência da preservação do carbono é maior.” Conforme a pesquisadora, o pouco oxigênio que alcança o leito desses reservatórios é rapidamente consumido pela decomposição.

Porém, quando esses fatores são observados sob a perspectiva da emissão de CO2 e metano, representam maior geração de gases. “Quando se aumenta a temperatura, se aumenta também a emissão de metano. Concluímos o trabalho justamente ressaltando que esses ambientes quentes e eutrofizados sequestram muito carbono, mas não podemos nos enganar achando que por isso são bons, em termos de efeito estufa.”

Realizado durante o Pós-doutorado de Raquel na Universidade de Uppsala (Suécia), o trabalho consistiu numa extensa revisão bibliográfica, a partir da qual os pesquisadores aplicaram modelos baseados nas principais bacias de cada região, extrapolando os dados encontrados para todo o mundo. “Enquanto as estimativas sobre a emissão de gases por ambientes aquáticos é bastante variada, percebemos que aquelas referentes ao sequestro do carbono eram mais grosseiras, frequentemente baseadas em modelos, e não em dados coletados.”

Nessa estimativa — a primeira em escala global baseada robustamente em dados — o sequestro de carbono por todos os reservatórios do mundo provou-se menor do que o esperado em análises anteriores, apesar de ainda ser bastante significativo. “Nós constatamos que o sequestro global corresponde a 20% do total de emissão. Esse trabalho nos chamou a atenção para a ausência de estudos sobre o tema, especialmente coletando dados em áreas tropicais (talvez 80% dos dados existentes sejam de regiões não tropicais), apesar destas zonas mostrarem as maiores taxas de sequestro de carbono. Isso evidencia, ainda, uma demanda por mais estudos no nosso país e em outros países tropicais.”