“O educador se eterniza em cada ser que educa.” Em sintonia com essa afirmação do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) compartilham, na semana em que é comemorado o centenário do educador, quais são os legados deixados por ele. Reconhecido internacionalmente pela defesa da educação aliada à consciência crítica, Freire foi titulado, em 1995, professor doutor honoris causa da UFJF – o que une a universidade a demais instituições de ensino que condecoraram o trabalho do educador, tanto nacionais quanto internacionais, como Harvard, Cambridge e Oxford.
Compromisso da educação com a justiça social
“Entendo que um dos principais legados de Paulo Freire está no modo como ele reafirma o compromisso da educação com a justiça social, ao pensar uma educação que não seja para os oprimidos e as oprimidas, mas com os oprimidos e as oprimidas”, define o professor Alexandre Cadilhe, da Faculdade de Educação (Faced) da UFJF, e coordenador do grupo de pesquisa “Linguística Aplicada, Educação e Direitos Humanos”.
“A educação proposta por Freire leva em consideração o processo de conscientização e defende a participação ativa dos estudantes. Isso significa uma mudança de paradigma na educação, que sai de um teor conteudista, transmissor, para uma educação dialógica – ou seja, um espaço em que os conteúdos não são colocados de lado, mas sim colocados em relação, para que, dessa forma, ocorra uma mobilização significativa na sala de aula e em outros espaços educativos.” O professor ainda destaca que, em outubro, a Faced realizará uma série de ações em celebração ao centenário de Freire, iniciando o período temático com a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Educação.
A defesa da dignidade humana
“Paulo Freire nos legou uma pedagogia e uma filosofia que, a meu ver, apoiam-se em uma fé: a inabalável fé no ser humano, fé no poder que o ser humano tem para revolucionar as realidades”, determina a professora de Filosofia, Rita de Cassia Pimenta, também vinculada à Faculdade de Educação da UFJF. “Paulo Freire é o educador e filósofo da conscientização. Acredito, fortemente, que esta conscientização exige que nos voltemos de modo sério, curioso e diligente para o ato de estudar, considerado, por ele, um dever revolucionário.” De acordo com a professora, revolucionar, segundo Freire, é o oposto de silenciar. Na educação, por exemplo, seria o equivalente dos estudantes participarem ativamente do seu próprio processo pedagógico, em vez de permanecerem consumidores passivos de conteúdos.
“Paulo Freire é o educador e filósofo da conscientização”
“Freire me emociona profundamente e me faz seguir, porque sua pedagogia e sua filosofia anunciam, em todas as suas defesas, a dignidade humana”, prossegue Rita. “Ele nos legou uma pedagogia e uma filosofia comprometidas em refletir e agir tendo em vista as seguintes perguntas: ‘que tipo de ser humano quero formar e educar?’ e ‘para que tipo de sociedade?’. Responder a estas perguntas requer um ethos inconformado com as injustiças sociais, com a desigualdade, com a miséria, com a fome.”
Não basta entender o mundo; é necessário transformá-lo
“Ainda que Paulo Freire seja mais intensamente associado ao campo da educação, seu legado transcende a essa área específica. Quando o livro ‘Pedagogia do Oprimido’ foi escrito no exílio chileno, também vivíamos um período violento da história brasileira. Mesmo assim, Freire escreveu uma obra que trata da liberdade, da amorosidade, da indignação, da raiva justa, do inédito viável, da fé na humanidade, da colaboração, da humildade, do diálogo, da síntese cultura, da revolução. No tempo presente, é importante, portanto, destacarmos o entendimento freiriano que a história se faz em um processo contínuo de construção”, contextualiza a professora Mariana Cassab, da Faced, coordenadora do Grupo de Pesquisa, Práticas e Estudos da Educação de Jovens e Adultos.
“Como seres inconclusos, Paulo Freire assevera que somos seres históricos e políticos”
“Como seres inconclusos, Paulo Freire assevera que somos seres históricos e políticos, implicados com o mundo no seu perpétuo fazer, afinal, em seus termos, ‘o mundo não é. O mundo está sendo’.” Mariana avalia que conhecer o trabalho de Freire implica em rejeitar leituras “ingênuas, fatalistas ou mágicas da realidade e da história”, bem como em estabelecer um compromisso de transformação das injustiças sociais. “No contexto do trabalho desenvolvido pela universidade, nas suas ações constitutivas de ensino, pesquisa e extensão, a premissa freiriana de que não basta entender o mundo, é igualmente necessário implicar-se em sua transformação, é um legado precioso que não devemos prescindir em nossa práxis universitária.”