Na quinta publicação da série Ações Afirmativas, a entrevistada é a professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Piedade Lino Videira. A pesquisadora  conversou com o Portal da UFJF sobre a importância das comissões de heteroidentificação étnico-racial, cujo objetivo é garantir e preservar os direitos da comunidade negra. Em outros termos, tais comissões são responsáveis por verificar a veracidade das autodeclarações étnico-raciais dos concorrentes cotistas, ou seja, por impedir fraudes e garantir a correta aplicação da Lei 12.711/2012

A professora Piedade Videira, da Unifap, é mestra e doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (Foto: arquivo pessoal)

Piedade Videira é  é mestra e doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), além de graduada em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas pela Unifap e em  Psicopedagogia pela Faculdade de Macapá (Fama). 

“Sugiro a criação de um observatório de Políticas de Ações Afirmativas, que atue em rede, via Associação Nacional de Pesquisadores Negros (ABPN), Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Neabs), Núcleos de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas (Neabis) e grupos correlatos voltados à autoformação, ao monitoramento e à prestação de serviço de assessoria às instituições federais de ensino superior (Ifes)  e demais órgãos e entidades públicas e civis, acerca do papel político da Comissão de Heteroidentifação, como estratégia indispensável de controle acadêmico e civil, de natureza colegiada, no que tange à implementação de Políticas de Ações Afirmativas em nosso país”, ressalta a professora.

Confira abaixo a entrevista completa:

Portal da UFJF – Comente, por favor, a relevância da Lei 12.711/2012, a “Lei de Cotas”, para a democratização do ensino superior público federal.

Piedade Videira – A Lei n. 12.711/2012 é fundamental para  possibilitar o acesso de   cidadãos/ãs negras/os, povos indígenas, de religiões de matriz africana, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, moradores de áreas vulneráveis e insalubres, LGBTQI +, filhos/as de pais analfabetos, de trabalhadores/as que laboram em áreas de menor prestígio social, mulheres, entre outros, às instituições de ensino superior público em nosso país. Antes do advento da Lei, pessoas pertencentes aos grupos humanos ora referidos, nutriam o sonho, muitas vezes irrealizável,  de vislumbrar em seu horizonte acadêmico-científico e profissional condição real para que pudessem modificar sua situação econômica e social, bem como de seus familiares,  caso conseguissem  passar pelo crivo educacional, social e racial. E, finalmente, mesmo tendo de superar todas as situações adversas para concluir os estudos na educação básica, ensino fundamental I e II e ensino médio  e assim conseguir chegar à universidade, depois permanecer e concluir o curso com sucesso, tal feito é reconhecidamente significativo e simbólico para o/a sujeito/a e também às pessoas que o/a cercam, servindo-lhes como uma mensagem altruísta de que os muros da universidade podem ser transponíveis.

“O ingresso desses sujeitos-plurais [cotistas] no ambiente acadêmico, sem sombra de dúvidas, contribui para enriquecer e dinamizar tais espaços, currículos, através de suas corporeidades e trajetórias de vida” 

Até mesmo porque, a partir de um exemplo concreto, a esperança de também conseguir cursar o nível superior em uma universidade pública, para as pessoas dos grupos acima qualificados, apresenta-se como um obstáculo com possibilidade de ser superado. Ademais, considero que o ingresso desses sujeitos-plurais no ambiente acadêmico, sem sombra de dúvidas, contribui para enriquecer e dinamizar tais espaços, currículos e formas de conhecimento, através de suas corporeidades e trajetórias de vida, cultura, identidades racial, de gênero, sexualidade, religiosidade e cabedal de saberes, todos embebidos em experiências de sociabilidades ricas e inspiradoras que são cruciais para democratizar o ambiente e o currículo dos cursos. Antes da chegada desse rizoma de pessoas às universidades, via Lei n. 12.711/12, as Instituições de nível superior público figuravam como uma espécie de ”clubinho da classe dominante e dirigente do país”, que se valia e ainda se valem do dinheiro público destinado às universidades, via investimento de todas as camadas sociais, para benefício praticamente exclusivo. Portanto, sem políticas públicas e privadas que possibilitem o acesso equânime de toda a população brasileira à educação pública em todas as etapas da formação escolar até o ensino superior, não haveremos de ter um país verdadeiramente democrático e menos desigual e, neste sentido, a lei 12.711/2012 figura como mais um instrumento colocado à disposição da população para democratizar o acesso ao ensino superior.

“A Lei 12.711/2012 figura como mais um instrumento colocado à disposição da população para democratizar o acesso ao ensino superior”

Portal da UFJF – Conte-nos, por favor, o que são em linhas gerais as bancas de heteroidentificação. 

Piedade Videira – É o instrumento de controle institucional e social, importante para garantir que as vagas reservadas para o público-sujeito das Políticas de Ações Afirmativas, nas instituições federais de ensino superior e no serviço público, consigam alcançar a quem se destina, sem desvio de finalidade e objetivos.

Portal da UFJF – Na sua avaliação, como as bancas de heteroidentificação podem colaborar para o aprimoramento das ações afirmativas?

Piedade Videira –  As bancas de heteroidentificação como instrumento de controle da política afirmativa são fundamentais porque, dentre outros aspectos, têm a finalidade de garantir que a pessoa que está acessando a vaga reservada seja aquela para quem a política foi concebida. Então, de maneira geral, ela possibilita coibir fraudes e distorções na aplicação da lei. Ademais, ela permite orientar, avaliar e diagnosticar se há efetividade na execução da política, servindo também como instrumento de autoavaliação da própria comissão bem como da IES. 

Portal da UFJF – Há alguma questão a acrescentar?

“Considero fundamental a criação de um observatório de Políticas de Ações Afirmativas, que atue em rede, via Associação Nacional de Pesquisadores Negros, Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, Núcleos de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas e grupos correlatos”

Piedade Videira – Sim, considero fundamental a criação de um observatório de Políticas de Ações Afirmativas, que atue em rede, via Associação Nacional de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Neabs), Núcleos de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas (Neabis) e grupos correlatos voltados à autoformação, monitoramento e prestação de serviço de assessoria às instituições federais de ensino superior  e demais órgãos e entidades públicas e privadas que promovam a política afirmativa. Considero a Comissão de Heteroidentifação como estratégia indispensável de controle institucional e social, de natureza colegiada, no que tange a implementação de Políticas de Ações Afirmativas em nosso país. Com isso, através do observatório proposto, o Movimento Negro, pesquisadores/as negros/as, sociedade civil organizada, entes públicos em geral, teremos condições de produzir os indicadores necessários para avaliar a efetividade, fragilidades e limitações da referida política, bem como apontar caminhos para sua revisão e continuidade.

Saiba mais:

Ações Afirmativas na UFJF

“Gênero e raça nos cursos de graduação e pós-graduação”

“As questões legais e a política de ações afirmativas”

“A democratização do ensino superior promovida pela Lei de Cotas”

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