Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cerca de 60% da energia utilizada no Brasil é produzida em usinas hidrelétricas. Existem 158 barragens instaladas na bacia amazônica, operando ou em construção, e propostas para que mais 351 sejam implementadas. Segundo o Plano Decenal de Energia – PDE (2023), entre 2011 e 2023 deverão entrar em operação 20 novas usinas hidrelétricas na Amazônia. Apesar de normalmente ser uma fonte “limpa” de energia, 10% das usinas hidrelétricas do mundo emitem a mesma quantidade de gás carbônico (CO2) – um dos mais nocivos Gases de Efeito Estufa (GEE) – do que as usinas convencionais de combustíveis fósseis. Algumas usinas hidrelétricas localizadas nas áreas mais baixas da bacia amazônica emitem até dez vezes mais CO2 do que as usinas de combustíveis fósseis.
Com objetivo de estudar a melhor forma de posicionar e gerir usinas hidrelétricas, pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em parceria com a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, desenvolveram uma ferramenta que auxilia no planejamento energético das usinas, para que mais energia seja produzida emitindo menos CO2 possível. A pesquisa foi reconhecida pela revista científica de renome internacional da editora Nature, ao ser publicada no periódico. O autor principal do estudo, Rafael Almeida, é ex-aluno do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFJF e atualmente é pesquisador na Universidade de Cornell nos Estados Unidos. Também envolvido na pesquisa está Nathan Barros, um dos principais especialistas em mudanças climáticas do mundo, atualmente vinculado ao Laboratório de Ecologia Aquática da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Acreditava-se que a energia produzida em hidrelétricas era sempre “limpa”, porque utiliza-se apenas o movimento da água para gerá-la. Porém, ao construir uma usina, é obrigatória a retirada da vegetação da área a ser inundada. A decomposição da matéria orgânica que sobra do corte das árvores e do carbono presente no solo ocasiona a formação de gás carbônico e metano. Além disso, o rio continuará trazendo sedimentos e matéria orgânica para o reservatório. “A produção desses gases torna-se mais intensa na Amazônia devido à presença abundante de matéria orgânica e da alta temperatura, que favorece a decomposição”, afirma Barros. O metano é formado em zonas sem oxigênio, geralmente áreas mais profundas do reservatório, por bactérias produtoras do gás, as chamadas metanogênicas.
Mais energia emitindo menos gases do efeito estufa
A Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou um plano de ação para que 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sejam atingidos até 2030. Dentre eles, está o Objetivo 7 – assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos – e o Objetivo 13 – tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.
“Para atingir as metas de desenvolvimento sustentável em relação à energia e à emissão de gases do efeito estufa, temos que ver qual a melhor combinação que conseguimos para que possamos atingir o máximo de energia possível, produzindo emissões abaixo da meta de sustentabilidade”, aponta. O estudo indica que, se futuras barragens forem selecionadas de forma estratégica, será possível produzir 80% do total proposto de capacidade de geração de energia, criando um portfólio de novas barragens com emissões de carbono abaixo da quantidade nociva em um período de cem anos. Por outro lado, planejamento descoordenado pode resultar em portfólios de novas barragens com emissão de carbono incompatível com as metas de energia sustentável. Para evitar projetos que possibilitem emissão de carbono além do ideal, é necessário planejamento energético estratégico.
Os pesquisadores chegaram a esta conclusão por meio de uma ferramenta desenvolvida em colaboração com a Universidade de Cornell. O sistema consegue contabilizar todas as possibilidades de combinações de emissão de carbono e produção de energia. “Eles desenvolveram essa ferramenta com 10 elevado a 256 combinações possíveis. Esse número é maior do que o número de segundos que tiveram desde de o Big Bang até hoje”, revela Barros. Assim, dentro dessas inúmeras possibilidades, são selecionadas aquelas que produzem a maior quantidade de energia, emitindo menos carbono o possível. (A matéria prossegue após depois o gráfico demonstrado abaixo.)
Usinas posicionadas em áreas mais altas emitem menos CO2
Utilizando a ferramenta desenvolvida, os pesquisadores descobriram que barragens construídas em elevações mais altas e em corpos de água menores emitem menos Gases de Efeito Estufa (GEE). Esse posicionamento geográfico possibilita a existência de usinas hidrelétricas comparáveis a usinas de energia solar e eólica, ao passo que barragens localizadas em áreas mais baixas podem chegar a emitir mais gás carbônico que usinas de combustíveis fósseis. “Quando o reservatório é feito em planícies, ele precisa ser muito grande. É preciso alagar uma área grande e profunda para possibilitar a produção de energia”, explica Nathan Barros. Quanto maior o reservatório, mais matéria orgânica é movimentada e maior é a emissão de GEEs.
Já que a maioria das usinas já existentes estão localizadas em áreas mais baixas, uma das opções é melhorar as turbinas operantes nestas barragens. “Consegue-se melhorar bastante, mas, ainda assim, não é possível chegar na geração de energia que precisamos para os próximos 20 ou 30 anos, por causa das limitações técnicas”, esclarece Barros. Segundo a pesquisa, 25% das propostas de novas barragens em áreas baixas emitirão mais gás carbônico que usinas de combustíveis fósseis.
Apesar do estudo ter tido como foco a bacia amazônica, a ferramenta desenvolvida pode ser adaptada para outras regiões onde o uso de energia hidrelétrica está expandindo rapidamente, como nos Balcãs e na bacia do rio Congo.