O Brasil tem 96,4% das crianças e jovens na escola. O número representa a expansão da educação básica em território nacional, mas não pode ser avaliado sem considerar outros indicadores preocupantes. É o que o sociólogo Cesar Callegari apresentou na palestra de abertura da 5ª Semana da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da 10ª Semana da Educação, na noite dessa quarta-feira, 28.
“Por mais que tenhamos 96,4% das crianças e jovens nas escolas, cerca de 1,5 milhão de pessoas, entre 4 e 17 anos, estão fora delas. Entre estes, 900 mil não estudam e não trabalham por resultado de uma exclusão escolar. É fundamental que a sociedade brasileira garanta a todos o direito ao ensino.”
Callegari é um dos criadores da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Foi secretário Municipal de Educação de São Paulo e secretário de Educação Básica do Ministério da Educação. Com o tema “Desafios, ameaças e perspectivas para a Educação brasileira”, o professor destacou os fatores de exclusão e a desigualdade dentro da formação básica.
A cada cem crianças, apenas nove possuem conhecimentos apropriados em matemática até o 3º ano
Segundo ele, os dados sobre os níveis de aprendizado no país são alarmantes: 60% dos jovens não aprendem o necessário em língua portuguesa até o 9º ano do fundamental. Em matemática, até o 5º ano, mais da metade dos alunos não possui o nível de compreensão adequado. E quando a idade é reduzida, o índice torna-se ainda pior – a cada cem crianças, apenas nove possuem conhecimentos apropriados em matemática até o 3º ano.
Callegari considera a defasagem de aprendizado encontrada nos ensinos médio e superior resultado direto das más condições de formação durante a educação infantil. “Se há um ponto que considero fundamental na educação é darmos o direito de aprendizado para todas as crianças, mas é preciso aprender na idade certa. A escola precisa ser vista como um campo de afeto.”
O levantamento apresentado pelo pesquisador também aponta deficiências no tempo de conclusão das duas etapas do ensino básico: apenas 75,9% terminam o ensino fundamental aos 16 anos; e 64,9% o ensino médio aos 19 anos.
Precisamos investir mais, de uma maneira melhorada e com continuidade. Descontinuidade, neste processo, significa destruição – Cesar Callegari
“Há um processo de desigualdade no aprendizado entre os jovens com situações abastadas e os em vulnerabilidade social e econômica. Nosso dever é estarmos preparados para atender a demanda individual de todos, afinal, criança não é categoria sociológica. Precisamos trabalhar para incidirmos essas desigualdades. É uma tarefa difícil, pois há alunos com carências complexas, mas é para eles que devemos estar empenhados.”
Investimento contínuo
Callegari apontou que, apesar dos atuais retrocessos de cortes orçamentários na educação, envolvendo o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Economia, a pasta teve algumas melhorias mediante a expansão da educação básica em território nacional e o trabalho efetivo da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). Porém, considera a necessidade de mais investimentos para facilitar o acesso à educação infantil. “Precisamos investir mais, de uma maneira melhorada e com continuidade. Descontinuidade, neste processo, significa destruição. É necessário implantar políticas públicas para o desenvolvimento de ensino para jovens, crianças e adultos.”
O pesquisador listou medidas prioritárias a curto prazo. Entre elas, o cumprimento dos objetivos e metas dos planos nacional, estadual e municipal da educação; a garantia de recursos por meio do Fundeb; a elaboração colaborativa de propostas curriculares considerando a BNCC como referência, e não como currículo único ou mínimo; a profissionalização da carreira e formação docente; a primeira infância como uma agenda intersetorial; alfabetização na idade certa em regime de colaboração; e nova proposta de escola de ensino médio. Confira a apresentação completa de Cesar Callegari.
Semanas da Faced e da Educação
Com apresentação da Orquestra Acadêmica da UFJF, a solenidade de abertura da 5ª Semana da Faculdade de Educação (Faced) e da 10ª Semana da Educação foi marcada por discursos de esperança e resistência em relação à educação.
“Neste evento teremos diversidade de olhares para as discussões sobre a educação. Em um momento como este, não posso deixar de falar sobre o bloqueio e corte orçamentário, mas a minha fala é de otimismo. Nossa atividade mostra que não devemos perder a vontade de produzir e construir. Vamos continuar sem tristeza e se for preciso seguraremos uns nas mãos dos outros”, disse o diretor da Faculdade de Educação (Faced), Álvaro Quelhas. “Para enfrentarmos essa situação é importante nos munirmos de conhecimento”, fez coro a representante do Diretório Acadêmico Murilo de Avellar Hingel, Débora da Silva Paulino.
Representando o reitor, Marcus David, o pró-reitor adjunto de Pós-Graduação e Pesquisa, Luis Paulo Gomes, reiterou as dificuldades encontradas na atual situação da educação e das universidades federais. “Temos vivido uma realidade, na qual os cortes têm prejudicado a manutenção das necessidades básicas de muitas instituições, como contas de água, luz e pagamento dos trabalhadores terceirizados.” Ele também citou a ameaça à autonomia universitária, com a nomeação de reitores não escolhidos democraticamente pela comunidade acadêmica. “São ataques contínuos, mas por conta de iniciativas vemos uma resposta afirmativa dizendo que a educação tem futuro.”
A programação do evento estende-se até sexta-feira, dia 30, com palestras, oficinas, cine-debate e comunicações orais. Confira aqui.
Outras informações: (32) 2102-3650 (Faculdade de Educação-UFJF)