Chegar em casa e trocar figurinhas sobre como foi o dia na Universidade é uma realidade para a família Santos e Botega, que reúne três estudantes e dois ex-alunos da instituição, totalizando dez cursos no currículo.
Um dos dez alunos mais idosos do campus, o pai Jonas Nunes dos Santos está na terceira graduação na UFJF aos 65 anos. Cursa agora Ciência da Religião, depois de passar por Psicologia e Engenharia Elétrica. Sua mulher do segundo casamento segue a ideia de não haver limite de idade para o ensino. Com 61 anos, Margareth Botega está prestes a completar o quinto período de Fisioterapia. A companheira de universidade e filha, Fernanda, estuda Ciências Biológicas e se prepara para a seleção de mestrado. Veja o currículo da família no quadro abaixo.
A história de Jonas e Margareth são o foco da terceira e última notícia da série especial “Gerações na UFJF”, e Jonas ganha destaque da nova edição do programa “Vida de Universitário”.
Livros e horizontes
Ter a família envolvida em estudos é uma “situação normal para a família”, conforme Margareth. “A gente se acostumou ao ambiente de livros e de todos estudando. Pais mais velhos não podem estudar? Claro que podem, devem. Estudar, mudar de profissão, mudar de horizontes. Se temos saúde para isso, podemos aproveitar essa oportunidade.”
Margareth aproveitou inclusive o fato de a filha cursar área semelhante à dela. As duas já estudaram juntas, não na Universidade, mas em casa mesmo. Fernanda deu aulas particulares sobre biologia celular à mãe.
O interesse pelos mecanismos do corpo já vinha sendo alimentado há pelo menos 30 anos. A prática de yoga por esse período a fez despertar para a Fisioterapia. “Ao me aposentar, queria também fazer algo diferente do que atuava”. Margareth trabalhou com design de projetos arquitetônicos, escolha que a fez trocar Juiz de Fora pelos computadores de São Paulo, na época, e o curso de Engenharia Civil, que não completou. “Minha netinha acha muito engraçado ao me ver com outros estudantes: ‘olha, minha avó tem coleguinhas’”, conta.
Máquina de manivela
De origem simples, Jonas Santos é natural de Três Rios (RJ) e veio para Juiz de Fora cursar o Ensino Médio ainda nos anos 1960, pois, em sua cidade, não era oferecido ensino superior. Seu objetivo era ingressar na Universidade, mas na época sequer fazia ideia do que cursaria. “Na faculdade, a gente fazia prova de cálculo em máquina de manivela e com régua de cálculo. Fazia todas essas coisas a mão mesmo, inimaginável hoje em dia com essas tecnologias.”
Para ele, ter ingressado em uma universidade pública tem grande importância e um simbolismo muito forte. “Quando você passa no vestibular, você se encontra em outra posição social. Então, depois que formei, a minha vida melhorou muito”, afirma. Com a graduação em Engenharia Elétrica, foi contratado pela antiga Rede Ferroviária Federal, onde trabalhou por 44 anos até se aposentar, em 1996. Seus filhos do primeiro casamento, Karen Helena, Jonas Júnior e Carlos Gustavo exercem a medicina, a advocacia e a odontologia, respectivamente.
Aposentadoria e o “buraco existencial”
A aposentadoria foi um dos fatores que fizeram Jonas buscar outras opções de curso. Segundo ele, era necessário uma “rolha” para tampar o que chamou de “buraco existencial”. “Evidentemente eu não ia ficar deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo com dinheiro no bolso. Eu me aposentei, e minha mulher não, então acordava cedo e a acompanhava para ir trabalhar. E ela brincava: ‘você não vai trabalhar não?’. Precisava buscar alguma coisa para fazer”, afirma.
Em 2002, o estudante retornou à UFJF para cursar Psicologia, concluída em 2007. Com o conhecimento adquirido nesse período, Jonas foi aprovado em concurso público para atuar em sua nova profissão na Prefeitura de Juiz de Fora, onde trabalha atualmente.
Questionamentos
Mas quem pensa que o “buraco existencial” estava preenchido, muito se engana. Agnóstico, Jonas sempre gostou de ler e conversar sobre religião. Como o interesse no assunto era grande e havia vagas disponíveis em novo edital de Vagas Ociosas, iniciou o curso de Ciência da Religião em 2016.
Ainda no início da nova graduação, ele se surpreende com a pluralidade de ideias e religiões apresentadas por professores, colocando em xeque muitas teorias e fomentando a curiosidade dos alunos. “No fundo, é um curso de filosofia. É muito bom, pois não é proselitista, não se está aqui para fazer você católico ou budista, por exemplo. Tenho aulas de várias religiões, para, no fim, continuar sendo ateu.”
Quando perguntado sobre as motivações para prosseguir com estudos depois de certa ideia, Jonas é sincero. “Meu interesse é ser protagonista do tempo que estou vivendo. É essa a minha praia, ser um espectador consciente do meu tempo, se possível com protagonismo e inteligibilidade.”
Saiba como funciona o ingresso de graduados em vagas ociosas.
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