Imagine-se na seguinte situação: você está assistindo a uma aula de Química, mas seus olhos estão vendados. O professor começa a falar sobre a tabela periódica, indicando onde alguns elementos se encontram. “Aqui estão os gases nobres”. Se você não está familiarizado com a disciplina, ou mesmo nunca viu uma tabela periódica, não conseguirá visualizar o que o professor está falando. Esta é apenas uma situação hipotética e, mesmo assim, você poderia tirar a venda dos olhos a qualquer momento.
Agora pense em uma pessoa cega participando da mesma aula. Como fazer com que ela entenda o que o professor quer mostrar?
Pensando nisso, um projeto desenvolvido no Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), coordenado pela professora Ivoní de Freitas Reis, procura desenvolver métodos alternativos para auxiliar na aprendizagem de química para alunos cegos.
A iniciativa de trabalhar com estratégias de ensino para cegos partiu de dois alunos do Ensino Médio do Colégio Militar, Isadora Baesso e Luis Filipe Oliveira. A princípio, os jovens ensinavam, como voluntários, na Associação de Cegos de Juiz de Fora, onde os estudantes notaram uma desmotivação por parte dos atendidos da Instituição. “O fato das pessoas não saberem lidar com o fato de serem cegas desmotiva e faz com que não queiram assistir às aulas. Era muito difícil ter alunos que realmente quisessem e estivessem dispostos a aprender”, conta Luis Filipe.
“A química, que é uma ciência tão abstrata, passa a ser concreta. Passa-se a ver com os dedos, ver com as mãos aquilo que queremos explicar”
Ivoní, que já trabalhava com inclusão para surdos, aderiu à ideia. “Quando eles chegaram com tanta vontade de trabalhar com essa demanda, já fazendo um trabalho sozinhos, conversei com minhas orientandas de mestrado e doutorado e falei da necessidade de darmos apoio a esses meninos. Resolvemos, assim, montar o projeto no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior (PROBIC-Jr), que estava aberto na pró-reitoria de pesquisa”, explica a pesquisadora.
O projeto foi apresentado na 22ª edição do Seminário de Iniciação Científica (Semic) da UFJF, que aconteceu em outubro desse ano, e ficou entre os premiados na área de Ciências Exatas e da Terra.
Métodos alternativos
O trabalho consiste na produção de materiais táteis que representam diferentes elementos da Química, unindo, assim, o ensino à percepção. “A química, que é uma ciência tão abstrata, passa a ser concreta. Passa-se a ver com os dedos, ver com as mãos aquilo que queremos explicar”, diz Ivoní.
Para testar a eficiência dos materiais, o grupo conta com a ajuda de Walace Vieira, primeiro aluno de Luis e Isabela, que colabora com o projeto desde então. A partir das principais dificuldades de Walace em relação à disciplina, a equipe se orienta na elaboração e planejamento dos métodos de ensino. Há uma preocupação também com a textura dos produtos que utilizam para compor os materiais, evitando os que possam causar algum dano físico ou que, por algum outro motivo, não sejam apropriados para o tato.
Inclusão também para surdos
Trabalhando também com educação inclusiva para surdos, Jomara Mendes Fernandes, doutoranda em Química, ressalta que o que produzem no projeto pode conciliar o trabalho com as duas condições. “Com a surdez, você tem que estar sempre colocando visual em primeiro lugar. Mas, para trabalhar com cegos, o que tem que colocar em primeiro lugar? Tem que colocar a leitura daquele conhecimento através das mãos. Fazer a imersão nesse outro lado da deficiência também trouxe contribuições no sentido de pensar que você pode construir um material que seja bom para o cego, no momento em que ele for tatear, e que também seja bom para um surdo, no momento que ele está olhando para aquele material e está vendo o conhecimento representado de uma outra maneira.”
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
Em Julho de 2015, foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Entre os direitos promovidos, está o direito à educação, assegurando “sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida”. Porém, segundo a doutoranda em Química e integrante do projeto, Sandra Franco Patrocínio, ainda há pouca preparação por parte dos professores. Uma das propostas do trabalho que estão desenvolvendo é levar esse conhecimento aos docentes. “Nosso objetivo é conseguir aproximar o professor da educação básica para essa realidade, porque observamos que a formação da licenciatura não permite que o profissional tenha tempo suficiente para estudar todas as formas de incluir esses alunos.”