Anna no concerto Novos Compositores, em dezembro de 2023, no Cine-Theatro Central (Foto: Ian Gabriel)

Atualizada às 11h25 do dia 07/11/2025

“Como o corpo pode se tornar um agente musical, sendo sentido e entendido como cerne da criação sonora?” Essa é a questão central da dissertação de Anna Lamha, que explora o papel do corpo como núcleo da criação sonora e sua integração com tecnologias interativas no campo da música eletroacústica. O trabalho, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens, propõe uma reflexão sobre o corpo como agente sonoro ativo, a partir da experimentação e da escuta consciente, em um processo de composição que alia movimento, percepção e tecnologia.

Segundo Lamha, o corpo é compreendido “como o cerne da criação sonora”. Ela explica que o processo parte da sonorização do movimento corporal, criando um ciclo contínuo de interação entre som e gesto. “Qualquer sonoridade é influenciada pela movimentação do corpo e vice-versa”, afirma.  Essa retroalimentação é mediada por uma ferramenta usada na pesquisa — a Luise (Luva de Integração Sensorial), um projeto pessoal da mestranda, criado em parceria com o engenheiro Mateus Xavier. O dispositivo funciona como um instrumento de ampliação sensório-motora, equipado com sensores que captam eixos de movimentação das mãos, processando-a em tempo real. 

A pesquisadora destaca que uma das maiores dificuldades do estudo é traduzir em palavras a dimensão sensorial e intuitiva desse processo criativo. “Existe uma inefabilidade na presença do corpo no processo composicional, algo tão orgânico e visceral que não pode ser plenamente contemplado pela linguagem verbal”, explica.

Em outubro de 2023, no estúdio Canil Recs, no evento Difluência #6 (foto: Duda Perrucho)

No campo tecnológico, a pesquisa investiga como ferramentas digitais transformam a relação entre corpo e som. Para a artista, a tecnologia “atua como um meio de ampliação da noção de movimento”, sem substituir o protagonismo do corpo. Ela enfatiza que a escuta, quando desenvolvida de forma consciente, “já oferece infinitas possibilidades criativas, mesmo sem o uso de qualquer aparato tecnológico”. A Luise, nesse contexto, funciona como uma mediadora poética e perceptiva, estimulando novas formas de perceber e produzir som.

LuISe (Luva de Integração Sensorial), criada em parceria com o engenheiro Mateus Xavier

Lamha ressalta ainda que o processo não envolve coreografias ou movimentos pré-definidos. O aprendizado ocorre de modo intuitivo, a partir da internalização corporal dos gestos e sons, até que o próprio corpo conduza a criação musical sem mediações racionais. “Ao mesmo tempo em que o som também revela o gesto, de forma retroalimentar: ambos se complementam, se influenciam, e a criação parte desta interação”

Do ponto de vista estético e poético, o trabalho evidencia o potencial do corpo como elo entre experiências sonoras e não sonoras, promovendo uma expansão da percepção e da consciência espacial. Para a pesquisadora, a proposta “demonstra que é possível resgatar a organicidade do corpo dentro da composição eletroacústica improvisada, aliada ao uso de tecnologias”.

A pesquisa, afirma Lamha, não busca opor o humano e o tecnológico, mas aproximá-los. “A tecnologia é utilizada como um utensílio para ampliar a consciência da escuta, do corpo, de si e do entorno”, explica. O resultado é um diálogo entre arte, ciência e sensibilidade, que propõe uma nova maneira de vivenciar o som como corpo e o corpo como som na experiência humana.

Outras informações: https://www2.ufjf.br/ppgacl/