“Aguadeiro”, em cerâmica policromada, de Caruaru (PE) é uma das obras presentes na mostra (Foto: divulgação)

Um menino brinca com barro retirado das margens do Rio Ipojuca. Ele modela pequenas peças, em formatos diversos, que representam animais comuns à região de Pernambuco. Nascia ali um dos maiores patrimônios da cultura popular brasileira: a arte de Mestre Vitalino. O Forum da Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) homenageia este que é considerado o maior ceramista popular do Brasil, com a exposição “A herança de um Mestre”. A mostra segue em cartaz no Museu de Cultura Popular até o dia 26 de julho, com visitações de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h. A entrada é gratuita.

Composta por 52 peças criadas em cerâmica, a exposição tem como proposta apresentar a influência de Mestre Vitalino (1909-1963) na criação de diversos outros artesãos brasileiros, além de celebrar os 115 anos de seu nascimento. As obras em exibição são dos artistas João Vitalino, João Ezequiel, Manuel Antônio, Heleno Manoel, Luiz Antônio, Zé Caboclo, Zezinho, Expedito Antônio e Eliana. Em comum, as peças possuem elementos fundamentais das obras de Vitalino. Com um olhar atento é possível notar características singulares nos bonecos e grupos de boneco como, por exemplo, orelhas aplicadas em formato de interrogação; corte da boca bem definido, mas sutil; narizes com tendência a serem arrebitados; ombros descaídos, mas de contorno suave.

Ao visitar o espaço, o público terá a oportunidade de conferir representações de figuras icônicas como agricultores, lenhadores, retirantes, além de cenas que retratam o Folclore Brasileiro, a exemplo do Bumba meu boi, do Maracatu e das Cirandas. Obras que, inspiradas por Vitalino, expressam o consciente e o inconsciente da região Nordeste e preservam, em um registro estético, momentos particulares da vida sertaneja, principalmente na década de 1940.

Também é retratada a dura realidade do povo nordestino, que enfrentava a seca em busca de vencer a sede e a fome, além dos retirantes, que partiam rumo a novos lugares para recomeçarem a vida. São exemplos peças como “Aguadeiro”, que demonstra a figura de um homem montado em um burro carregando as chamadas moringas de água, e “Mulher no pilão”, que representa a figura feminina fortemente ligada às questões da alimentação da família.

Saulo Machado: a partir do trabalho de Vitalino, bairro em que artista vivia passou a ser um dos mais importantes centros de arte figurativa do continente (Foto: divulgação)

Restaurador e conservador de Bens Culturais do Forum da Cultura, Saulo Machado reforça o papel de Mestre Vitalino na composição de uma identidade nacional. “Ele é conhecido por modelar a realidade pernambucana e seus personagens, conferindo maior profundidade ao folclore nordestino e evocando um forte senso de pertencimento. Ao representar cenas reais em barro, revela um cenário que se torna um dos traços culturais mais marcantes da nossa brasilidade”. Machado explica, ainda, que o trabalho e a trajetória de Mestre Vitalino conferiram um importante reconhecimento ao bairro Alto do Moura, em Caruaru (PE), local em que passou grande parte de sua vida. “Com seu sucesso, famílias inteiras passaram a se ocupar da produção cerâmica na comunidade, o que transformou o povoado em referência nacional na área, considerado pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – , um dos mais importantes centros de arte figurativa das Américas.”

Mais sobre Mestre Vitalino

Vitalino Pereira dos Santos nasceu em 10 de julho de 1909 no Sítio Campos, a cerca de 6 km de Caruaru. Filho do lavrador Marcelino Pereira dos Santos e da louceira Josefa Maria da Conceição, o menino começou cedo a dar vida a suas criações com o barro, aproveitando as sobras dos utensílios domésticos produzidos por sua mãe. Com apenas seis anos de idade, Vitalino passou a exibir boizinhos e outros brinquedos, juntamente com utensílios fabricados pela mãe e vendidos na Feira de Caruaru. Com o passar dos anos, o que começou como brincadeira transformou-se em ofício.

Reconhecimento internacional chega para Mestre Vitalino no década de 1950 (Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional)

Apesar de ter uma vida dedicada ao trabalho com a cerâmica, foi apenas em 1947 que a arte figurativa de Mestre Vitalino ganhou visibilidade para além das feiras em Pernambuco. Algumas de suas peças integraram a 1ª Exposição de Cerâmica Pernambucana, organizada pelo desenhista e educador Augusto Rodrigues, no Rio de Janeiro. Dois anos depois ocorre em São Paulo o evento Arte Popular Pernambucana (1949), no qual todos os ceramistas expostos tiveram, pela primeira vez, seus nomes circulando de modo impresso – entre eles, Vitalino.

No ano de 1955, os trabalhos de Mestre Vitalino recebem reconhecimento a nível mundial, por meio da Exposição de Arte Primitiva e Moderna Brasileiras, realizada em Neuchâtel, na Suíça.
Atualmente, suas peças podem ser vistas em espaços como Museu do Louvre, em Paris; Museu de Arte Popular de Viena, na Áustria; Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro; Museu do Homem do Nordeste, em Recife; Museu do Barro, em Caruaru, entre outros centros culturais.

A residência em que o artista viveu com a família no bairro caruaruense de Alto do Moura foi transformada em “Casa-Museu Mestre Vitalino” e seu entorno é hoje ocupado por oficinas de artesãos.

Museu de Cultura Popular

Com um rico acervo de mais de 3 mil peças, o Museu de Cultura Popular é um importante espaço de preservação, resgate e valorização da arte oriunda de expressões e tradições populares.

Entre estatuárias, artefatos indígenas, brinquedos antigos, peças de crenças religiosas e outros diversos itens, das mais distintas origens, o visitante tem a oportunidade de realizar uma verdadeira viagem a outros tempos e locais, muitas vezes desconhecidos. O museu abriga objetos da cultura nacional e também do exterior.

“Mulher ao pilão”, em cerâmica policromada, de Caruaru (PE) também está em exposição na mostra sobre legado de Vitalino (Foto: divulgação)

As peças, de natureza singular, aguçam a curiosidade e atuam como pontos de contato entre pessoas e culturas diferentes, propiciando, dessa forma, um intercâmbio extremamente importante para a sociedade.

O Museu, criado em 12 de março de 1965 – data que marcou o centenário do folclorista Lindolfo Gomes –, foi transferido para o espaço do Forum da Cultura em 1973, sendo doado à UFJF em 30 de setembro de 1987. Sua origem está no trabalho do professor Wilson de Lima Bastos, que criou o então chamado “Museu do Folclore”, mais tarde renomeado como “Museu de Cultura Popular”.

Forum da Cultura

Instalado em um casarão centenário, na Rua Santo Antônio, 1112, Centro, o Forum da Cultura é o espaço cultural mais antigo da UFJF. Em atividade há mais de cinco décadas, leva à comunidade diversos segmentos de manifestações artísticas, abrindo-se a artistas iniciantes e consagrados para que divulguem seus trabalhos.

Outras informações: (32) 2102-6306 – Forum da Cultura da UFJF

E-mail: forumdacultura@ufjf.br
Instagram: @forumdaculturaufjf