A dermatite atópica é uma doença crônica e hereditária que acomete cerca de 7% da população brasileira, de acordo com levantamento do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec). Ainda hoje, os tratamentos envolvem medicamentos caros ou que acarretam efeitos colaterais severos. Assim, ao buscar uma alternativa mais acessível e menos danosa à saúde, os pesquisadores do Laboratório de Produtos Naturais Bioativos (LPNB), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (PPGCBio), desenvolveram o anti-inflamatório Inflativ. O produto garantiu o primeiro lugar na premiação da sétima rodada do BioStartup Lab, realizado pela Biominas Brasil. Ao todo, mais de 80 empresas participaram da competição.
O pesquisador da UFJF, Nicolas Pinto, sob orientação da professora Elita Scio, iniciou o desenvolvimento do Inflativ em 2010, quando ainda era mestrando na Instituição. Como uma tecnologia pioneira no mercado, o anti-inflamatório natural atua como medicamento de uso tópico e recorrente contra a dermatite atópica, uma alergia cutânea que causa lesões e coceira. Com baixo custo e ações cicatrizantes, antioxidantes e hidratantes, ele combate todos os sintomas da doença.
“A ação cicatrizante se dá por aumento da deposição de colágeno na lesão, uma importante proteína para o processo de cicatrização e aumento da vascularização local, o que é essencial para nutrir esse novo tecido. Sua ação antioxidante se dá por bloquear a ação de moléculas nocivas, e sua ação hidratante se dá por reduzir a perda de água local”, pontua o docente.
Além dos pesquisadores que deram origem ao produto, os estudos em torno do anti-inflamatório se estendem para os pós-graduandos Alisson Lima e Melissa Almeida, que atuam no LPBN. Para Lima, que é orientando de Nicolas Pinto, a conquista do prêmio representa uma oportunidade de ampliar sua formação: “Esse contato direto com empresas e com o próprio empreendedorismo em si, na pós-graduação, foi muito enriquecedor pra mim. E, sem dúvidas, enxergar a possibilidade de ter uma produção intelectual nossa trazendo benefícios para o bem-estar social direto é muito gratificante.”
Mercado de produtos naturais
As expectativas são que o mercado global de produtos naturais para a pele atinja US$17,4 bi em 2028 e que o de dermatite atópica cresça 10% ao ano até 2030, chegando a US$16,8 bi. O Inflativ é 100% natural, o que, para os pesquisadores, representa um diferencial competitivo ainda maior e justifica a vitória na premiação e o sucesso do produto.
Para o mestrando Alisson Lima, o grande diferencial da formulação está no fato do produto ter “o mesmo potencial de substâncias comerciais, como os glicocorticóides, porém com mais ações curativas e sem nenhum efeito adverso”. Já para o professor Nicolas Pinto, as vantagens competitivas se estendem também para a produção do anti-inflamatório. “Há um constante aumento da procura por produtos naturais no mercado, por ser mais fácil o estabelecimento de cadeia produtiva para produzi-lo.”
Lima ainda destaca que “tratar transtornos de pele que acometem uma grande população mundial com um produto 100% natural, vindo de espécies vegetais da biodiversidade brasileira, escalonável e de fácil plantio/proliferação é uma grande descoberta para a indústria. Sem dúvidas isso nos levou a ganhar o prêmio”.
Antes da participação na sétima rodada do BioStartup Lab, a equipe também foi campeã no Desafio Inovafito Brasil 2022, que também faz parte da Biominas. A iniciativa premiou a “inovação que trabalhasse com ativos naturais da biodiversidade brasileira e suas aplicações e que melhor demonstrasse o potencial de desenvolvimento e impacto socioeconômico e ambiental a partir da exploração deste ativo”.
Próximos passos: testes clínicos e atopia canina
Não só os seres humanos sofrem com a dermatite atópica, uma vez que a doença alcança até 30% dos cães em algumas raças. A convivência doméstica de pastores alemães, buldogues franceses e golden retrievers, por exemplo, faz com que muitos animais precisem de tratamento vitalício para controlarem lesões e coceiras, que acarretam lesões na pele.
As medicações utilizadas contam com vários efeitos colaterais, como atrofia da pele, imunossupressão e aumento da predisposição a outros distúrbios, o que limita o uso a períodos muito curtos de tempo. Como forma de introduzir a pesquisa no nicho de atopia canina, que deve alcançar a marca de US$2,39 bilhões em 2029, o LPNB destaca que a formulação despertou o interesse de empresas veterinárias, pois o produto pode ser destinado para ambos os mercados.
Para o desenvolvimento do Inflativ, Pinto destaca que está sendo trabalhada a possibilidade de licenciamento da tecnologia para empresas do setor farmacêutico. Os próximos passos são a realização de testes clínicos e o aprimoramento para deixá-lo pronto para o mercado, adequando à legislação vigente.
Frutos para a pesquisa
A equipe acredita que a conquista representa uma grande vitória para a Instituição, uma vez que o produto foi desenvolvido integralmente dentro da UFJF. “Nós, como pesquisadores, temos uma enorme responsabilidade sobre tudo que realizamos dentro da Universidade”, pontua Lima.
Uma inquietação do pós-graduando se dá em torno da vivência unilateral da pesquisa pública, de forma que a participação de eventos externos colabora para fomentar, também, o empreendedorismo na realidade dos pesquisadores. “A pesquisa brasileira ainda é muito engessada quando se trata de levar tecnologias para o mercado. Essa oportunidade abre muitas portas para novos pesquisadores que pensam em empreender ou apenas fazer com que sua pesquisa tenha um grande retorno social que não seja apenas publicações em periódicos científicos.”
A premiação traz visibilidade também para os programas de pós-graduação em Ciências Biológicas e Ciências Farmacêuticas. Na perspectiva da equipe, a oportunidade “abriu portas para conexões com empresas agora interessadas em investigar mais profundamente as propriedades da tecnologia, tanto para uso humano quanto veterinário, com o intuito de, futuramente, realizar a sua comercialização”.
Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU
As ações de pesquisa da UFJF estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). As pesquisas citadas nesta matéria se alinham ao ODS 3 (Saúde e Bem-Estar) e 9 (Indústria, inovação e infraestrutura).
Confira a lista completa no site da ONU.
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