Os ímãs de Neodimio são usados em motores de carros elétricos, fones de ouvido, alto-falantes, discos rígidos de computadores, geradores de energia. (Fonte: Canva)

Você já parou para pensar que dentro do seu celular, do carro elétrico que passa na rua e até em equipamentos militares usados em guerras estão presentes elementos com nomes exóticos como neodímio, térbio e disprósio? Estes são alguns dos chamados “elementos de terras raras” e que estão no centro de uma disputa global que insere o Brasil como peça importante nesse jogo.

De acordo com relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a UNCTAD, a demanda por esses minérios deve crescer 1,5 mil por cento até 2050. Entretanto, é uma estimativa muito acima do que a produção global dá conta neste momento. 

Com tensões elevadas por conta das tarifas americanas de 50% sobre exportações brasileiras, reportagens chamam atenção para o interesse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em garantir acesso a reservas de terras raras ao redor do mundo. O principal motivo do foco é acabar com o monopólio chinês, já que o país concentra atualmente 70% das terras raras utilizadas de acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). 

O que são terras raras?

Apesar do nome, esses minerais não são tão raros assim. De acordo com Bruno Milanez, professor do programa de Pós-Graduação em Geografia e do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os terras raras são 17 substâncias minerais normalmente encontradas juntas no meio ambiente e que têm propriedades químicas muito próximas. Hoje já se sabe que existem em várias partes do planeta, mas o desafio está em extraí-los e separá-los com eficiência. “O problema básico dessas substâncias é que quando encontramos as reservas de maior concentração, ainda assim é uma quantidade muito baixa, isto é, o teor de terras raras utilizável é pequeno. Isso explica serem chamadas de raras”, explica Milanez.

Esses elementos estão presentes em diversas tecnologias modernas, como turbinas eólicas, baterias recarregáveis, celulares, telas de LED, equipamentos médicos e até em armamentos sofisticados. Ou seja, são indispensáveis para o movimento global que busca substituir combustíveis fósseis por fontes mais limpas e renováveis, a transição energética.

De acordo com Bruno Milanez, a exploração desses minerais pela China é altamente poluente, já que exige o uso intensivo de produtos químicos fortes, capazes de gerar contaminações tóxicas. (Foto: Maria Otávia Rezende)

Por que o assunto está em alta?

O destaque para os terras raras tem relação direta com a corrida tecnológica e as tensões políticas entre China e Estados Unidos. Durante a guerra comercial, o presidente Trump impôs tarifas sobre produtos chineses, e Pequim retaliou restringindo a exportação desses minerais. A medida abalou a indústria americana, altamente dependente de super ímãs produzidos a partir deles, essenciais em carros, mísseis, aviões militares e drones.

Segundo o professor, esse episódio reforçou a percepção de que os terras raras funcionam como uma verdadeira “arma geopolítica”. Ele explica que a principal preocupação dos EUA não está apenas na transição energética, como produção de energia eólica e motores elétricos de automóveis, mas sobretudo na defesa nacional. “Esses minerais são estratégicos porque entram em drones militares, sistemas de radar e em ligas metálicas que suportam altas temperaturas para mísseis de precisão. Mais de 95% das terras raras que os EUA utilizam são importadas, e a prioridade é garantir esse abastecimento para uso militar”, destaca.

E onde o Brasil entra?

Depois da China, o país líder em reservas de terras raras é o Brasil, com cerca de 23% das jazidas. Em Poços de Caldas, Minas Gerais, por exemplo, existe uma das maiores reservas do planeta e, mesmo com apenas 15% explorado, o local poderia atender até 20% da demanda global. Outros locais promissores são Araxá (MG), Catalão (GO) e áreas da Amazônia. O restante das reservas mundiais está distribuído em países como EUA, Austrália, Índia e Rússia.

A diferença principal entre os líderes das reservas é que a China concentra a produção e o refino mundial, enquanto o Brasil explora pouco e praticamente não refina, mesmo com alto potencial. Isso acontece porque a separação e o refinamento dessas substâncias são processos caros, demorados e que exigem tecnologia.

Segundo Milanez, essa é justamente a barreira que impede o Brasil de avançar. Ele lembra que, nos anos de 1970, o país chegou a ser um ator relativamente importante na extração de terras raras, mas abandonou o desenvolvimento tecnológico na década de 1990, quando a China assumiu a dianteira. “Hoje, a China controla toda a cadeia produtiva: 62% da mineração, 93% da separação dos óxidos, 90% da produção das ligas e 92% da fabricação de ímãs. Isso é resultado de décadas de planejamento e investimento em larga escala”, afirma.

Milanez avalia que as iniciativas brasileiras atuais ainda são pontuais e em pequena escala, como alguns polos ligados à Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Para ele, imaginar que o Brasil se tornará um ator global relevante no curto prazo é ilusório. “É muito mais propaganda do que realidade. Só haveria avanço se houvesse transferência de tecnologia em parceria com os chineses, o que é muito difícil de acontecer”, completa.

E o meio ambiente?

A exploração de terras raras também levanta preocupações ambientais. De acordo com o professor, o modelo praticado na China é altamente poluente, já que a baixa concentração dos minerais exige o uso intensivo de produtos químicos fortes, capazes de gerar contaminações tóxicas. Além disso, a grande quantidade de rejeitos resulta na necessidade de barragens para armazenar resíduos perigosos, o que aumenta os riscos ambientais.

Por isso, a China passou a restringir a exportação do mineral bruto e a focar apenas na venda de produtos já beneficiados, em uma tentativa de reduzir os impactos internos. “Boa parte das reservas daquela região está hoje degradada por esse processo”, afirma Milanez.

No Brasil, seria possível pensar em uma extração menos agressiva ao meio ambiente, mas os custos seriam muito mais altos. Segundo o professor, enquanto o país precisaria vender o quilo a cerca de 25 dólares para viabilizar uma mineração mais limpa, a China consegue comercializar com valores em torno de cinco dólares. “Isso traz o problema de até que ponto os países estão dispostos a investir em processos mais sustentáveis”, pondera.

Futuro

Especialistas defendem que o Brasil deveria aproveitar suas reservas de terras raras para ir além da simples exportação de matéria-prima, investindo em toda a cadeia produtiva, do refino à fabricação de produtos de alta tecnologia. Essa estratégia agregaria valor e poderia trazer ganhos econômicos e tecnológicos.

O professor Bruno Milanez, no entanto, é cético quanto a esse cenário. Para ele, a experiência brasileira mostra que o país tende a se manter apenas como fornecedor de insumos. “Há décadas exportamos ferro e cobre de forma bruta, sem avançar no refino, mesmo sendo minerais comuns e com tecnologia amplamente disponível. A chance de conseguirmos desenvolver a cadeia de terras raras é muito baixa”, avalia.

Em relação a possíveis parcerias comerciais entre os EUA, Milanez explica que o Brasil provavelmente continuaria restrito ao papel de produtor de matéria-prima. “Essas alianças costumam ser feitas para garantir o fornecimento de insumos, mas o refino e a geração de empregos ficam concentrados nos EUA”, aponta.

Ele também lembra que, no governo Bolsonaro, foi criado um programa para minerais estratégicos que acabou sendo usado sobretudo para flexibilizar o licenciamento ambiental de grandes projetos de mineração. A tendência, segundo Milanez, é que o debate sobre terras raras siga a mesma lógica: “Em vez de estimular inovação tecnológica, o risco é vermos apenas a ampliação de projetos aprovados com licenciamento ambiental mais rápido e menos rigoroso, o que pode resultar em sérios problemas ambientais no país.”