
Professora Estela é colaboradora do PPEA, promovendo reflexões sobre o trabalho em nossa vida (Foto: Arquivo pessoal)
“Pensar sobre aposentadoria é fortalecer um direito conquistado com muita luta. É refletir sobre o lugar que o trabalho ocupa na sua vida — e, principalmente, entender que a vida é muito mais do que as horas vendidas no mercado de trabalho”. A fala da professora Estela Saléh da Cunha, da Faculdade de Serviço Social resume bem a importância do Programa de Preparação e Educação para a Aposentadoria (PPEA) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que está com inscrições abertas para sua próxima turma.
Para aprofundar a discussão sobre o lugar do trabalho em nossa vida, confira a entrevista completa com a docente, que também é coordenadora do programa de extensão “Polo Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre o Processo de Envelhecimento” e colaboradora do PPEA. Ela compartilha sua visão crítica e explica como o programa pode ajudar trabalhadores a repensarem sua história e futuro.
Como podemos compreender o papel do trabalho na constituição da identidade e do projeto de vida das pessoas? O que ele representa além do sustento financeiro?
Primeiramente, precisamos pensar: de que trabalho estamos falando? Existe o trabalho que nos constrói enquanto sujeitos, que nos humaniza, que permite a construção da nossa identidade e das nossas relações sociais. Esse é diferente do emprego — um trabalho alienado, que nos explora, adoece e desconecta da nossa essência. Então, é importante distinguir o trabalho criativo e subjetivamente realizador do trabalho que nos esgota. Na sociedade em que vivemos, o trabalho — entendido aqui como emprego — ocupa um lugar central. Ele é culturalmente construído como o que nos dá lugar no mundo, como um marcador de valor moral: quem trabalha é bom, quem não trabalha é ruim. Assim, além do sustento, o trabalho contribui para a constituição da identidade e do valor social do indivíduo.
No PPEA, são discutidos os sentidos do trabalho ao longo da vida. Como essa abordagem pode ajudar os servidores a ressignificarem sua trajetória profissional?
Mais do que ressignificar a trajetória profissional, o PPEA convida à ressignificação do lugar do trabalho na trajetória de vida. Ele traz à tona a possibilidade de pensar a vida para além do cotidiano corporativo. Permite compreender por que o trabalho é central na sociedade e qual espaço ele ocupa na vida dos trabalhadores, mas também provoca a reflexão sobre como construir uma vida que vá além do “fio do trabalho”. Ou seja, reconhecer que o trabalho é apenas um dos campos da vida — ele não é a vida inteira.
Muitos trabalhadores relatam dificuldades emocionais ao pensar na saída do ambiente de trabalho. Na sua avaliação, isso se relaciona com uma “centralidade do trabalho” na nossa cultura?
Sem dúvida. Somos educados desde cedo a dar ao trabalho (emprego) uma centralidade imensa. Como já mencionei, há uma construção ideológica e moral em torno do trabalho: ele define o valor social e individual das pessoas. Expressões como “ele é trabalhador, é um bom homem” demonstram como o trabalho se confunde com o caráter. Quando alguém sai do mercado de trabalho, isso frequentemente é interpretado como perda de valor social. O maior risco é o sentimento de invisibilidade e a negação de lugar nessa sociedade, o que pode levar a sérios problemas de saúde física e psíquica. Além disso, há o marco social da velhice ser justamente a saída do mercado de trabalho. Como a velhice é desvalorizada, isso agrava o sentimento de exclusão. A pessoa passa a carregar a culpa por envelhecer, como se não pudesse mais contribuir com nada — o que é extremamente violento do ponto de vista subjetivo.
Quando devemos começar a pensar na aposentadoria? Por que essa educação é importante em todas as fases da vida laboral?
O ideal seria que o planejamento da aposentadoria começasse junto com a entrada no mundo do trabalho. Isso não significa pensar apenas na aposentadoria em si, mas na construção de uma vida que não se resuma ao trabalho. Mesmo quando gostamos muito do que fazemos, é fundamental ter experiências e projetos para além da atividade laboral. O problema é que vivemos em uma sociedade que não nos permite isso: temos cargas horárias exaustivas, dependemos do emprego para acessar bens e serviços, e perdemos valor social ao nos aposentar. Então, a educação para a aposentadoria se torna um espaço essencial para refletir sobre como construir um sentido de vida mais amplo — mesmo diante dessas contradições.
Quais são os pontos fundamentais para que o trabalho seja vivido de forma mais saudável e significativa?
É preciso mudar a relação que temos com o trabalho — mas essa mudança não é apenas individual ou subjetiva. É uma mudança estrutural, que depende da forma como a sociedade se organiza em torno do trabalho. O primeiro passo é entender que você não é o seu trabalho. Ele é algo que você faz, não aquilo que você é. Ter projetos para além da atividade laboral é essencial. Mas essa possibilidade não é igual para todos: ela depende do lugar social que se ocupa — classe, gênero, raça, território, renda, entre outros marcadores. Por isso, construir uma relação mais saudável com o trabalho também exige reconhecer as desigualdades que atravessam a classe trabalhadora.
Na sua visão, que papel a Universidade e programas como o PPEA podem desempenhar na formação de uma consciência crítica sobre o trabalho e suas transformações?
A Universidade tem um papel social, que se realiza especialmente por meio da extensão. O PPEA, como uma ação de extensão, responde a uma necessidade concreta: ajudar trabalhadores a construir vínculos e projetos para além do tempo dedicado ao trabalho. No entanto, a formação de uma consciência crítica sobre o trabalho vai além da universidade. Essa consciência se constrói a partir da organização coletiva dos trabalhadores — nos sindicatos, associações, movimentos sociais. A Universidade pode contribuir com produção de conhecimento e espaços de socialização, mas a consciência crítica nasce da ação coletiva.
Para além da preparação para “parar de trabalhar”, o que significa “continuar vivendo com sentido” após a aposentadoria?
Minha provocação não é sobre “continuar vivendo com sentido”, mas sim: qual é o sentido do trabalho, se ele não permite que eu me realize enquanto sujeito criativo? A discussão parte de uma crítica ao trabalho como ele se apresenta hoje — alienado, adoecedor, desconectado da nossa humanidade. A preparação, então, é para lidar com essa ausência de sentido imposta pelo trabalho. É para que cada pessoa possa construir um sentido de vida que não seja moldado por essa lógica. Essa reflexão, claro, não é fácil e nem sempre bem recebida inicialmente, mas é essencial para quem busca viver com mais autonomia e consciência após a aposentadoria.
Por fim, qual mensagem gostaria de deixar para quem ainda não participou do PPEA?
Participe! Pensar sobre aposentadoria é fortalecer um direito conquistado com muita luta. É refletir sobre o lugar que o trabalho ocupa na sua vida — e, principalmente, entender que a vida é muito mais do que as horas vendidas no mercado de trabalho. O ideal seria que essa construção de sentido acontecesse desde a infância, desde a preparação para a entrada no mercado. Mas, já que isso não nos foi possível, estar num grupo como o PPEA é uma grande oportunidade de começar essa construção agora. E ela vale a pena.
Garanta a sua vaga no PPEA!
As inscrições para o Programa de Preparação e Educação para a Aposentadoria seguem abertas até o dia 15 de agosto.
Informações: pelo telefone (32) 2102-3885/3296 ou pelo e-mail ppea.progepe@ufjf.br

