A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) recebeu, esta semana, a professora Solange Fagan, vice-reitora da Universidade Franciscana (UFN) de Santa Maria (RS) e referência nacional em nanociência. Ela participou do primeiro Simpósio Nacional de Mulheres na Nanociência, realizado no Instituto de Ciências Exatas (ICE). Com uma trajetória marcada pela produção científica e pelo ativismo na promoção da equidade de gênero, a pesquisadora abordou os desafios enfrentados por mulheres cientistas no Brasil e apresentou a Rede Mulheres na Nanociência, iniciativa nacional apoiada pelo CNPq.

Pesquisadora e vice-reitora da Universidade Franciscana, Solange Fagan, participou do primeiro Simpósio Nacional de Mulheres na Nanociência, realizado no Instituto de Ciências Exatas (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

Em sua fala, Solange explicou os fundamentos da nanociência e nanotecnologia, áreas que lidam com a manipulação da matéria em escalas extremamente pequenas — da ordem de nanômetros, ou seja, milhões de vezes menores que um milímetro. Segundo a professora, essas tecnologias estão por trás de inovações em setores como medicina, energia, eletrônica, meio ambiente e alimentos. 

“Trabalhar com nanomateriais é entender e projetar estruturas no nível mais básico da matéria, com potencial para transformar áreas inteiras do conhecimento e da indústria. É ciência de fronteira e é fundamental que as mulheres estejam ocupando esse espaço desde agora”, destacou.

Desigualdades na Ciência
Durante sua palestra, Fagan destacou dados recentes do Observatório de Recursos Humanos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) que evidenciam a desigualdade de gênero no meio acadêmico: mulheres têm carreiras mais curtas, publicam menos em periódicos de alto impacto e ocupam menos cargos de liderança científica. Além disso, enfrentam maiores dificuldades de acesso a financiamento e redes de mentoria.

Durante o evento, foram destacados dados da Unesco que evidenciam a desigualdade de gênero no meio acadêmico (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

“A nanociência é feita de gente, e essa gente traz histórias de superação, cuidado e resistência. Não podemos continuar exigindo a mesma produtividade de quem não tem as mesmas condições. Fazer ciência também é um ato de coragem coletiva”, afirmou.

Embora representem quase metade dos estudantes de graduação e pós-graduação no Brasil, as mulheres ocupam apenas 30% das posições de liderança científica, como coordenações de grupos de pesquisa e chefias de laboratórios. Além disso, cientistas mulheres são, em média, menos citadas e publicam menos em periódicos de alto impacto, resultado de múltiplos fatores estruturais, como falta de tempo para pesquisa, sobrecarga com trabalho doméstico e familiar, e ausência de redes de colaboração. Outro ponto apresentado é que apenas uma minoria das pesquisadoras recebe bolsas de produtividade em pesquisa de alto nível (níveis 1A e 1B), sendo que a maioria se concentra nos níveis iniciais. 

Já no campo do empreendedorismo tecnológico, mulheres enfrentam maior dificuldade para acessar financiamento, especialmente em setores de alto risco, além de operarem em um ambiente majoritariamente masculino e conservador. A pesquisadora também destacou a escassez de mentorias femininas e de programas de apoio específicos, e a burocracia excessiva, fatores que dificultam ainda mais a inserção e a permanência das mulheres na ciência e na inovação tecnológica.

“Essas barreiras não são individuais, são estruturais. Não podemos exigir a mesma produtividade de quem enfrenta realidades completamente diferentes. É necessário repensar as métricas de avaliação e criar ambientes mais justos, que considerem o cuidado, a maternidade e a sobrecarga como fatores reais.”

Um exemplo da transformação causada pela Rede Mulheres na Nanociência pôde ser visto no Simpósio, com a presença da professora de Física Daniela Lúcia Ferreira, da Escola Estadual Marechal Mascarenhas de Moraes, de Juiz de Fora, que participou do evento com sete alunas da instituição (Foto: Vivian Armond/UFJF)

Rede Mulheres na Nanociência
Fagan apresentou o projeto Rede Mulheres na Nanociência (2024–2027), que visa ampliar o acesso de meninas, professoras e pesquisadoras às áreas de nanotecnologia e inovação científica. A rede atua em parceria com mais de 15 instituições de ensino e pesquisa, entre elas a UFJF, e envolve mais de 70 pesquisadoras, estudantes e educadoras em todo o país.

Entre as ações da iniciativa estão mentorias com pesquisadoras de destaque; aulas e oficinas em escolas públicas; distribuição de bolsas de iniciação científica (para alunas da educação básica, graduação e pós-graduação); desenvolvimento de jogos educacionais, materiais didáticos e exposições; criação de cursos sobre nanociência, pensamento computacional e diversidade; e a consolidação de um portal digital com conteúdos abertos para o público geral.

A rede já impacta comunidades escolares em diversos estados, com ações que promovem não apenas a formação científica, mas também o fortalecimento da autoestima e da representatividade feminina nas ciências exatas.

Um exemplo dessa transformação pôde ser visto no Simpósio, com a presença da professora de Física Daniela Lúcia Ferreira, da Escola Estadual Marechal Mascarenhas de Moraes, de Juiz de Fora, que participou do evento com sete alunas da instituição. 

“Eu acho muito importante a gente fazer esse link da universidade com a escola pública, mostrar para elas que todo mundo tem a oportunidade de chegar aqui. Eu sou professora, sou doutoranda, sou mãe de quatro filhos, e todo dia a gente mostra que esse lugar é nosso. É para mães, para pesquisadoras, para estudantes. Todo mundo tem a capacidade de chegar lá, com muita persistência. A ideia desse projeto é exatamente isso: mostrar para essas meninas que a gente consegue”, destacou.