Pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) acabam de publicar estudos inéditos sobre o cultivo de peixes (aquicultura) no Brasil. O resultado mostra o alto potencial econômico e ambiental da atividade e como o país utiliza muito menos do que deveria dessa fonte de proteína em sua base alimentar. Veja abaixo, na tabela 1, a produção e o consumo de proteína no país, os dados são de 2014 e 2023.
O estudo constata a baixa pegada de carbono deste tipo de atividade, visto que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) por quilo de alimento são muito inferiores às emitidas pela produção de outras fontes de proteína, como o gado e a soja. Em comparação à pecuária, a aquicultura emite dez vezes menos GEE. Além disso, demonstrou o alto poder restaurativo da atividade em áreas já degradadas.

Nathan Barros na fazenda experimental da EPAMIG. (Foto: Carolina de Paula)
O pesquisador do departamento de Biologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, Nathan Barros, um dos autores, aponta como a aquicultura é uma solução com muitas vantagens para geração de renda com baixa pegada de carbono. “Um dos destaques é como atividade necessita de um espaço muito menor para produzir a mesma quantidade de alimento (de 20 a 100 vezes menos terra por tonelada de proteína animal produzida em relação à pecuária), além de ser uma cultura regenerativa. Outro ponto fundamental é que a aquicultura utiliza terras já degradadas, poucas criações são feitas em áreas de floresta, ao contrário do gado e da soja. Desta forma, a aquicultura viabiliza a utilização de áreas consideradas improdutivas. O fato demonstra o potencial sustentável e restaurativo da atividade”, esclarece.
Os artigos publicados na Nature Sustainability e na Resources, Conservation and Recycling apontam um caminho muito promissor para tornar o impacto ambiental de todo o processo ainda mais baixo. Uma dessas iniciativas seria o investimento em disseminar o uso do Sistema de Aquicultura Recirculante (RAS), como uma alternativa para aliar produtividade e sustentabilidade.
A aquicultura pode ser uma aliada na conservação da Amazônia, oferecendo uma alternativa sustentável para a produção, sem comprometer a biodiversidade, além de contribuir com a segurança alimentar, ressalta Pacheco.
Segundo o artigo intitulado “Towards sustainable aquaculture in the Amazon” a carne bovina e os peixes nativos são os alimentos predominantes de origem animal na Amazônia. O que acende um alerta, pois como já é sabido a produção de gado resulta em desmatamento em larga escala e em altas emissões de carbono, enquanto a sobrepesca – extração superior à capacidade de reposição dos rios – levou à perda da biodiversidade aquática.
De acordo com os pesquisadores, este dado traz um alerta, visto que a aquicultura na Amazônia tem o potencial de atender à crescente demanda por alimentos que respeitam a biodiversidade e a herança cultural da região, ao mesmo tempo em que oferece oportunidades econômicas em uma região que enfrenta a perda de biodiversidade.
Outro dado importante é que quando o processo utiliza espécies nativas gera o benefício de servir como berçário para reintrodução de espécies. Como as espécies amazônicas já têm um mercado importante, a atividade é considerada de alto poder transformador para as vidas das pessoas, gerando renda, além de ser um alimento rico em nutrientes.

Pesquisador Felipe Pacheco, da Universidade de Cornell, é ex-aluno da UFJF. (Foto: Divulgação)
O líder do estudo, Felipe Pacheco, da Universidade de Cornell (EUA) e ex-aluno da UFJF, também destacou a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico da Amazônia como os principais pontos do trabalho. Porém, alertou que a sustentabilidade depende de políticas públicas eficientes, destacou como exemplo o incentivo ao uso de áreas que já foram degradadas e também da adoção de práticas de manejo que minimizem os impactos ambientais. “Sendo bem planejada, a aquicultura pode ser uma aliada na conservação da Amazônia, oferecendo uma alternativa sustentável para a produção, sem comprometer a biodiversidade e também sem comprometer o serviço de ecossistemas que a região pode oferecer para sua população”, reforça Pacheco.
O artigo também trouxe informações importantes sobre os desafios e também as oportunidades desse setor para a sustentabilidade regional. De acordo com Pacheco, o foco foi entender os impactos ambientais e sociais dessa atividade, especialmente em relação a alguns fatores como emissão de gases de efeito estufa, mudanças do uso do solo e também impactos sobre a biodiversidade. “O processo que utilizamos para analisar os resultados envolveu a integração de diversas fontes de dados já publicados na literatura, desde imagens de satélite até informações de produção e pegada de carbono. O que mais surpreendeu foi perceber que apesar do potencial da aquicultura para reduzir a pressão sobre a pesca e também oferecer uma alternativa à pecuária – uma das principais causas do desmatamento na na Amazônia – essa atividade ainda pode gerar impactos ambientais significativos se não for bem manejada”, completa Pacheco.
“Utilizando um manejo adequado é possível tornar a aquicultura uma produção de Carbono Zero”, destaca Barros.
Já o artigo Low carbon footprint of Nile tilapia farming with recirculation aquaculture analisou, especificamente, a criação de um dos principais peixes produzidos no Brasil, a tilápia do Nilo, no sistema RAS (Recirculating Aquaculture System – RAS), ainda pouco utilizado no país. O método utiliza o reuso de água por meio da recirculação, removendo resíduos com tratamentos mecânicos e biológicos, permitindo a reciclagem de nutrientes, a redução do uso de água e de área, uma menor fuga de espécies exóticas e melhor controle ambiental e produtivo, em comparação aos sistemas convencionais.
Hoje a aquicultura é responsável por 0,49% das emissões antropogênicas globais de gases de efeito estufa e o foco da pesquisa é apontar caminhos para torná-la ainda mais sustentável. O biofiltro (sistemas de tratamento de água) utilizado no sistema RAS é responsável por quase a totalidade (98%) das emissões diretas, com emissões totais impulsionadas principalmente por emissões indiretas (infraestrutura). Sendo assim, ações como o manejo correto do sistema do biofiltro, descritas pelos pesquisadores, podem minimizar bastante o impacto ambiental e promover meios de subsistência equitativos. “Utilizando um manejo adequado é possível tornar a aquicultura uma produção de Carbono Zero”, destaca Barros.
O pesquisador reforça que um dos principais desafios da contemporaneidade é desenvolver com sustentabilidade. “Nosso objetivo é que a aquicultura prospere de forma sustentável, duradoura e resiliente, principalmente na Amazônia, bioma mais biodiverso do mundo”. O estudo mostra também a necessidade de investir em estruturas regulatórias fortes, planejamento do uso da terra, gestão cuidadosa e mudança cultural para aumentar o consumo de peixes no Brasil. Tais iniciativas são essenciais para contribuir com que a aquicultura se consolide como grande mercado de produção de alimentos e não se torne uma pressão aditiva em nenhuma região do país.

TABELA 1: Fonte: Peixe BR, MAPA ABPA , Embrapa Gado de Leite.
Publicações em revistas científicas
Os resultados dos estudos foram publicados em janeiro e fevereiro em duas das principais revistas ligadas à área, Nature Sustainability e na Resources, Conservation and Recycling. “O interesse científico pelo tema é resultado da falta de informação científica e acadêmica relacionada ao tema”, explica Barros. O grupo é composto por pesquisadores de várias instituições nacionais e internacionais.
A pesquisadora Sarian Kosten, da Radboud University (NL), é uma das autoras do artigo Low carbon footprint of Nile tilapia farming with recirculation aquaculture. A pesquisadora reforça a importância da parceria produtiva de muitos anos com a UFJF. “Um dos nossos fortes interesses conjuntos é explorar como podemos quantificar melhor as emissões de gases do efeito estufa de diferentes tipos de sistemas naturais e artificiais, incluindo reservatórios hidrelétricos e sistemas de aquicultura. O objetivo maior do grupo é minimizar o impacto ambiental das necessidades humanas, como energia e alimentos. “Estou muito entusiasmada com nossa colaboração porque ela é verdadeiramente sinérgica”, aponta. Outro ponto destacado por ela é como o trabalho serve de inspiração para os estudantes. “Eles têm a oportunidade de viajar e vivenciar diferentes ambientes científicos e culturais. O artigo em questão é um excelente exemplo, não apenas de nossa frutífera colaboração científica, mas também importante do ponto de vista social, mostrando que há muito a ganhar na produção animal vista por meio de uma perspectiva climática”, completa Kosten.
Outras informações:
Pesquisadores buscam meios sustentáveis para aquicultura na Amazônia
Pesquisa avalia impactos inéditos da produção de peixes no meio ambiente
Nathan Barros é o único pesquisador brasileiro em evento mundial sobre C&T
Siga a UFJF nas redes sociais:
Instagram: ufjf
X: ufjf_
Youtube: TVUFJF
Facebook: ufjfoficial
Spotify: ufjfoficial