De longe, já é possível enxergar o balanço das fitas ao vento, a vivacidade das cores e as imagens de devoção. As imponentes hastes vêm bailando, contornando as curvas de Minas e agora chegam ao casarão centenário. Mais uma vez, arte e religiosidade se encontram na Galeria de Arte do Forum da Cultura da UFJF através da nova mostra “Estandarte e Fé, bem imaterial de Guarani”. 

Com curadoria dos artistas plásticos Alex da Costa Marigo e Ricardo da Costa Marigo, a nova exposição traz ao público juiz-forano as belezas de uma manifestação presente na típica cidade do interior mineiro. O vernissage, gratuito e aberto ao público em geral, acontece nesta terça-feira, 4 de fevereiro, a partir das 18h30.

Em exibição, mais de dez peças que integraram o Salão do Estandarte de Guarani, evento anual que ocorre no município desde 2005 e que tem como objetivo resgatar e valorizar um costume mineiro fortemente ligado ao catolicismo. Desde então, tais padrões se consolidaram como símbolos de fé, cultura e união comunitária.

Cordas, fitas de cetim, barbantes, retalhos, paetês, itens reciclados e descartáveis e até galhos de árvores são alguns dos materiais selecionados pelos diversos artistas para darem forma à sua devoção. Na mostra, é possível notar essa variedade de estilos, além da multiplicidade de figuras da crença católica representadas nas bandeiras, que variam de acordo com a temática de cada edição do evento guaraniense. Nossa Senhora Aparecida, a Sagrada Família, São Francisco de Assis, Santa Rita de Cássia e São Sebastião são algumas das imagens que ilustram as peças.

“A ideia desta exposição surgiu do desejo de que mais pessoas conheçam uma tradição de nossa cidade, e que, na verdade, é um patrimônio de toda Minas Gerais”, explicita o curador Ricardo. “Os estandartes estão profundamente ligados às procissões realizadas nos meses de maio, às coroações, às festividades do Divino, às Congadas e a outras diversas celebrações religiosas de nosso estado, em que os fieis saem pelas ruas, em cortejos, demonstrando a sua devoção. Por essa natureza tão popular, nada mais significativo do que exibi-los em um espaço como o Forum da Cultura.”

No geral, os estandartes são criados a partir de faixas de tecidos quadradas ou retangulares, suspensas verticalmente por uma vareta horizontal. São enfeitados com bordados, inscrições e outros elementos decorativos, tendo em seu centro alguma imagem sacra. Outra característica visual marcante é a presença de franjas, geralmente aplicadas nas bordas.

Por serem confeccionados à mão, estes artefatos carregados de simbolismos também são portadores de saberes populares que passam de geração para geração. Com seus peculiares pontos formando linhas e diferentes desenhos, o crochê, por exemplo, é uma dessas técnicas. Um dos destaques da mostra é o estandarte do Divino Espírito Santo, emblemático por trazer ao público a representação do padroeiro de Guarani. A tonalidade do tecido escolhido denota a naturalidade típica destes trabalhos; a figura do pássaro, representativo da santidade, traz ao seu redor miçangas, pompons, fitas de cetim e fuxicos que dão o toque singular a esta obra que congrega técnicas tão preciosas e representativas do artesanato mineiro.

O também curador, Alex Marigo, reforça a importância e o significado da exposição tanto para os artistas que produziram as peças quanto para os visitantes que poderão apreciá-las. “Toda a gama visual de signos e adereços presentes na mostra denota uma pungente criatividade do povo e um desejo genuíno das pessoas em expressarem suas crenças, evocarem e materializarem a sua própria identidade e arte. Ganham os artistas populares, o público e a cultura que terá umas de suas expressões divulgada e preservada.”

A mostra “Estandarte e Fé, bem imaterial de Guarani” segue em cartaz até 28 de fevereiro, com visitações gratuitas, de segunda a sexta, das 10h às 19h. 

Origens dos estandartes
A origem dos estandartes remonta períodos passados, em que civilizações antigas buscavam formas de se identificarem, diferenciarem, demarcarem seus territórios e anunciarem sua chegada a determinada localidade. Um dos exemplos mais reconhecidos é o do Império Romano, cujas tropas, nomeadas como legiões, utilizavam a figura de uma águia a fim de serem identificadas nos trajetos que percorressem. Inicialmente tais objetos eram formados por signos compostos por um emblema colocado no topo de uma haste, não dispondo de qualquer tecido.

Ainda em Roma, também está ligado à origem dessas peças o fato de o imperador Constantino possuir um lábaro (bandeira militar) exclusivo, que simbolizava sua vitória sobre outro imperador romano, chamado Maxêncio. Ele trazia em destaque as letras gregas Chi (χ) e Rho (ρ), formando a monograma de Cristo (ΧΡΙΣΤΟΣ ou Χριστός em grego).

Já na Idade Média, o termo “estandarte” começa a ser utilizado, inicialmente, sob múltiplas variantes do francês antigo, tais como estendard, estandard ou standart. Uma das primeiras aparições do vocábulo ocorre na Canção de Rolando, escrita no século XI, que tinha como tema a Batalha de Roncesvales, travada em 778 d.C.

No Brasil, os estandartes chegaram como uma herança da cultura europeia medieval, através da colonização portuguesa. Eles introduziram esse artefato no período colonial com um caráter semiológico e estético para identificação das tropas militares, das confrarias e irmandades religiosas, dentre outras instituições. Logo, tais itens se tornaram constantemente utilizados em cortejos e outros desfiles públicos. Com o passar do tempo e juntamente com outras manifestações e representações da cultura erudita, o estandarte foi incorporado pela cultura popular brasileira.

Curadores da mostra, Ricardo e Alex da Costa Marigo (Foto: Divulgação)

Os curadores
Alex da Costa Marigo é natural de Guarani (MG), graduando em Design Gráfico pela Estácio/JF, e atua criando layouts e logotipos para o comércio local. É reconhecido pelo seu trabalho como carnavalesco da Escola de Samba Turunas do Humaitá desde 1998, contribuindo voluntariamente na criação de fantasias e alegorias. Com uma longa trajetória no teatro desde 1996, é membro do Grupo Teatro de Câmara de Guarani, no qual já atuou, dirigiu e participou de produções, iluminação e música, além de realizar apresentações em escolas e instituições comunitárias.

No artesanato, destaca-se como criador de mini estandartes e coordenador de oficinas sobre o tema, com participação no Salão do Estandarte. Foi também ex-presidente do Circuito Caminhos Verdes de Minas (2012-13), promovendo o turismo regional. Em 2017, tornou-se um dos fundadores da Feirinha Quitanda, incentivando o artesanato e a gastronomia local. Atualmente, dedica-se à criação de itens personalizados para festas, unindo talento artístico e inovação ao setor de eventos.

Ricardo da Costa Marigo é também natural de Guarani (MG), bacharel em Administração de Empresa, fotógrafo e produtor cultural com vasta experiência em projetos artísticos e educativos. Voluntário no Teatro de Câmara de Guarani desde 2005, atuou em iniciativas culturais como exposições, oficinas e montagens teatrais. Idealizador do projeto Cine Câmara e de ações que promovem a leitura e a preservação da memória local, destaca-se por sua dedicação à cultura e à acessibilidade. Em 2024, realizou duas exposições utilizando a técnica da cianotipia e plantas medicinais, uma em Guarani e outra em Juiz de Fora, no Forum da Cultura da UFJF.

Um passeio por Guarani
Localizado a 71 km de Juiz de Fora, o território que hoje integra Guarani, pertencia, em 1840, à Vila do Pomba e já era povoado por alguns fazendeiros, indígenas e pessoas escravizadas que trabalhavam em plantações de cereais e frutas. Com o passar dos anos, diversas famílias de outras regiões começaram a se instalar na localidade. Por instinto de sociabilidade, esses novos habitantes resolveram fazer uma capela sob a invocação do Divino Espírito Santo, para, em seguida, lançar os fundamentos de um pequeno arraial. 

O local da capela, ao lado do qual construiu-se também um cemitério, foi doado por um fazendeiro da região. Após essa doação, muitas outras se seguiram, visando à formação do novo arraial, chamado de Espírito Santo do Pomba. O desenvolvimento de Guarani foi impulsionado também pela implantação da estrada de ferro, às margens do Rio Pomba, em 1883, e pela Lei Áurea, em 1888, que, ao libertar os negros, possibilitou a vinda de imigrantes italianos para o interior do Brasil a fim de trabalharem nas fazendas. Em 25 de março de 1914, a cidade alcança sua tão sonhada emancipação política. 

Guarani é, de fato, uma típica cidade mineira. Possui muitos atrativos naturais, como trilhas, matas e cachoeiras. O município também preserva as tradições religiosas e culturais, e a economia rural. Merecem destaque eventos como a Festa do Divino e o Salão dos Estandartes, e os pontos turísticos, como o coreto, no centro da pracinha, e o paço da Igreja. A gastronomia é bem representada pelos diversos restaurantes e estabelecimentos que oferecem as inigualáveis comidas e quitutes mineiros. Atividades esportivas e culturais e os leilões de gado são outros eventos que movimentam o calendário anual do local.

Outras informações
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