A descoberta de novos medicamentos e terapias para o tratamento de doenças é uma ação constante desempenhada pela área de modelagem computacional. Nesse processo, técnicas matemáticas e computacionais são usadas para simular e prever o comportamento de células, moléculas e organismos. Tal procedimento acelera a pesquisa e é capaz de reduzir custos no desenvolvimento de terapias.

Priscila participa do sexto episódio do programa IdPesquisa (Foto: arquivo pessoal)

Um dos principais enfoques da modelagem computacional no desenvolvimento de medicamentos é a simulação das interações entre moléculas de fármacos e alvos biológicos, como proteínas associadas a doenças. Conhecido como docagem molecular, o método é uma forma de busca pelo “encaixe perfeito” entre moléculas, simulando o processo de reconhecimento molecular e otimizando as chances de sucesso na criação de novos compostos.

Esse tema é explorado no mais recente episódio do programa IdPesquisa, com a participação de Priscila Capriles, professora do Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional (PPGMC) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Segundo Priscila, o objetivo a partir do trabalho realizado no PPGCMC é realizar estudos e pesquisas que contribuam para a descoberta de novos medicamentos, tanto para doenças já conhecidas quanto para aquelas que surgem ao longo do tempo, como foi o caso da covid-19.

Priscila destaca que o desenvolvimento de um novo medicamento pode custar até R$ 2 bilhões e levar de 6 a 20 anos para ser concluído. “O grande problema é que, ao final desse processo, o custo elevado pode tornar o medicamento inacessível. Por exemplo, tratamentos para câncer ou doenças autoimunes podem custar até R$ 10 mil por comprimido”, afirma.

Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) desempenha um papel importante. Conforme explicado pela pesquisadora, a IA analisa dados disponíveis sobre medicamentos para sugerir novas combinações e otimizações. No entanto, Priscila enfatiza que o sucesso do processo depende de uma colaboração interdisciplinar entre especialistas em modelagem computacional, química, farmácia e biologia.

Pesquisas visam tratamento de câncer e doenças neurodegenerativas

Entre os projetos liderados pela professora Priscila Capriles destacam-se estudos direcionados ao tratamento de câncer e doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Em colaboração com a Icahn School of Medicine at Mount Sinai, nos Estados Unidos, os pesquisadores analisam moléculas promissoras, com foco no combate à metástase no câncer e no desenvolvimento de estratégias multialvo para o Alzheimer.

Filipe de Oliveira destaca que a modelagem computacional permite uma melhor compreensão dos mecanismos bioquímicos (Foto: arquivo pessoal)

Esses esforços já permitem a submissão de artigos a revistas científicas de alto impacto, consolidando o papel da UFJF no avanço da ciência translacional. A pesquisa conta com a participação de bolsistas do programa de pós-graduação, incluindo Filipe de Oliveira, analista de produção e bolsista de desenvolvimento tecnológico na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Oliveira explica que o trabalho integra conceitos de farmácia (farmacologia, fisiologia, bioquímica e biologia celular) e computação.

Segundo o pesquisador, o projeto identifica um grupo de moléculas com capacidade inibitória multialvo para o tratamento do Alzheimer. Esses resultados já se comprovam não apenas em ensaios computacionais (in silico), mas também em testes de bancada (in vitro). Essa abordagem multialvo é particularmente relevante, considerando que a doença de Alzheimer pode ser regulada por diversas enzimas, enquanto os fármacos atualmente disponíveis no mercado inibem apenas uma delas. 

Além dos resultados científicos, Oliveira destaca a experiência enriquecedora de colaborar com diferentes áreas de pesquisa. “Tenho a oportunidade de compartilhar resultados com grupos de outras disciplinas, o que contribui para o meu desenvolvimento profissional. Aprendo sobre novas áreas e aprimoro minha comunicação, adaptando a linguagem para facilitar o entendimento de pesquisadores de fora da saúde”, comenta.

O uso da modelagem computacional também oferece vantagens significativas, como a redução de custos. Antes que as moléculas sejam testadas em ensaios in vitro ou em organismos vivos (in vivo), diversos testes in silico são realizados, evitando a síntese de moléculas com menor potencial terapêutico e economizando recursos com reagentes, que são compostos químicos que, quando combinados com outros materiais, provocam uma transformação química.

Esse processo exige uma revisão bibliográfica robusta para garantir precisão na construção dos modelos. “Particularmente, tenho uma avó que sofre de Alzheimer, e sei o quão desafiadora é a jornada do paciente e da família. Saber que o trabalho desenvolvido na Universidade pode levar saúde e qualidade de vida para milhões de pessoas no futuro é algo inestimável”, conclui Oliveira.

Contribuições no combate à covid-19

Os pesquisadores do PPGMC/UFJF também contribuíram para o combate à covid-19 ao criarem a plataforma Busco Saúde, ferramenta inovadora voltada ao registro e monitoramento de pacientes com sintomas da doença. O sistema contava, ainda, com um canal de teleorientação que conectava usuários a profissionais de saúde qualificados.

O uso da plataforma foi essencial para o encaminhamento e distribuição de pacientes às unidades de atendimento em seus respectivos municípios, contribuindo para reduzir aglomerações e filas de espera. Como aponta a professora Priscila, antes de pensar no desenvolvimento de novos medicamentos para combater a covid-19, a prioridade era mapear e monitorar os pacientes de forma eficiente. O sistema foi resultado de uma colaboração entre estudantes de diferentes cursos da UFJF, startups e a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF).

“Era uma solução que não existia anteriormente. Estávamos em um momento em que a telemedicina ainda não tinha todas as autorizações governamentais. Tudo precisou ser construído de forma completamente nova. Reunimos estudantes de Ciência da Computação, Engenharia Computacional e Sistemas de Informação, que trabalharam em conjunto com alunos de Enfermagem e Medicina para desenvolver o sistema e realizar o monitoramento da doença”, explica Priscila.

Posteriormente, a experiência adquirida com o Busco Saúde contribuiu para a criação de outro sistema de automonitoramento e acompanhamento de casos de covid-19 na Universidade. A ferramenta foi implementada no campus-sede, em Juiz de Fora; no campus avançado de Governador Valadares; e no Colégio de Aplicação João XXIII, permitindo o retorno seguro das atividades.

Vinícius Carius é pós-doutorando no Instituto Butantan (Foto: arquivo pessoal)

Uma das pessoas envolvidas no monitoramento da pandemia foi o doutor em modelagem computacional pelo PPGMC/UFJF e pós-doutorando do Instituto Butantan, Vinícius Carius, que também colaborou no desenvolvimento de novos fármacos nesse período. Ele orientou alunos de iniciação científica e realizou estudos de interação molecular com o uso de ferramentas digitais, com o intuito de avaliar a capacidade de inibição de moléculas derivadas de produtos naturais sobre alvos moleculares do coronavírus. 

Foi possível identificar a alta capacidade de inibição sobre os alvos moleculares do coronavírus promovido pelos derivados de produtos naturais. “Ensaios computacionais permitem identificar preliminarmente os compostos mais promissores, reduzindo significativamente o número de candidatos a serem avaliados em laboratório. Além disso, é possível projetar moléculas com maior especificidade e menor toxicidade, mitigando os efeitos adversos frequentemente associados aos tratamentos convencionais. Esses avanços são indispensáveis na pesquisa translacional e no desenvolvimento de medicamentos mais seguros e eficazes”, afirma Vinicius.

Atualmente, no Instituto Butantan, Carius utiliza técnicas de modelagem computacional para avaliar o impacto das mutações em proteínas antigênicas de vírus os dos SARS-CoV-2, influenza e dengue. O objetivo é compreender se essas mutações permitem que os vírus escapem do sistema imunológico – descoberta que pode contribuir para o desenvolvimento de vacinas mais eficientes.

O pesquisador continua a colaborar com o PPGMC/UFJF em estudos sobre o potencial de fármacos sobre alvos moleculares de parasitas. Essa linha de pesquisa expande o uso da modelagem computacional para enfrentar os desafios relacionados a doenças tropicais negligenciadas, contribuindo para a criação de soluções terapêuticas inovadoras.

“Participar de projetos que têm um impacto direto na saúde e na qualidade de vida das pessoas é um grande privilégio. Contribuir, por meio da modelagem computacional, para a compreensão das mutações virais que afetam o sistema imunológico, ou para o desenvolvimento de novos tratamentos, é muito gratificante. Esses avanços não só ampliam nosso conhecimento científico, como também reforçam o papel essencial da ciência no enfrentamento dos desafios globais de saúde pública”, conclui Carius.

Ouça o episódio também em podcast

Outras informações:

Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional (PPGMC)