Na última quinta-feira, dia 3 de outubro, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicaram os resultados do Censo da Educação Superior 2023 – que apontam reflexões sobre o papel das políticas públicas de acesso e permanência na educação superior, especialmente para grupos historicamente excluídos. Entre os principais dados apresentados, a pesquisa mostrou que os estudantes que ingressaram na educação superior federal por meio de cotas em 2014 tiveram uma taxa de conclusão 10% maior que a de não cotistas, em uma década (2014 – 2023). O Censo revela que, no último ano, 51% dos alunos cotistas da rede federal concluíram o curso, enquanto o índice entre os não cotistas foi de 41%.
“Essa informação é fundamental porque desafia um preconceito comum de que estudantes cotistas ou beneficiários de programas como o ProUni teriam mais dificuldades de completar os cursos”, acredita Marcel de Toledo Vieira, pró-reitor de Sistemas de Dados e Avaliação (Prosdav) e professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Ao contrário, os dados demonstram que, uma vez garantido o acesso e dadas as condições adequadas de permanência, esses estudantes conseguem ter um desempenho igual ou superior ao de estudantes que não se beneficiaram desses programas”, completa.
Para Marcel, a maior taxa de conclusão entre esses grupos sugere que os estudantes se beneficiam enormemente de um ambiente universitário inclusivo. “Percebe-se a importância de iniciativas que não apenas asseguram o ingresso no ensino superior, mas também promovem condições de permanência e apoio”. Ele afirma que, na UFJF, esses dados poderão ser utilizados para fortalecer as políticas e ações voltadas para a inclusão e permanência de estudantes. “Além disso, os resultados do Censo indicam a necessidade de monitoramento constante e a formulação de estratégias para lidar com a evasão”, diz. ”Monitorando indicadores locais como frequência e desempenho acadêmico é possível identificar estudantes em situação de vulnerabilidade e oferecer suporte pedagógico ou psicológico antes que eles abandonem o curso”.
“Não é possível fazer e monitorar políticas públicas eficientes sem gerenciamento e análise de dados”, defende Marcel. No contexto da educação superior, dados bem gerenciados e analisados são essenciais para formular políticas que promovam melhorias no ensino, na pesquisa, na extensão, na inovação e na cultura. As informações provenientes de censos educacionais e de outros estudos são fundamentais, uma vez que fornecem uma visão mais abrangente do cenário educacional e dos desafios a serem enfrentados. “Por meio desses dados, é possível analisar a ocupação de vagas, o perfil socioeconômico dos alunos, taxas de evasão e de conclusão de cursos, além do desempenho acadêmico”, explica o professor Marcel.
Os dados embasam as políticas públicas voltadas para a inclusão social, a distribuição de investimentos e a alocação de recursos. “Estudos como o Censo da Educação Superior permitem também acompanhar o impacto de políticas já implementadas. Dados coletados e analisados possibilitam um planejamento estratégico e direcionado, promovendo avanços que contribuem para uma educação superior mais inclusiva e de maior qualidade”, complementa.
Planejamento estratégico
O pró-reitor lembra também que o “simples” gerenciamento de dados, sem a devida análise, não fornece uma base sólida para tomada de decisões estratégicas. “Por exemplo, para entender as razões da evasão estudantil ou identificar fatores que influenciam o desempenho acadêmico, é necessário analisar os dados de matrículas, notas, perfil socioeconômico dos alunos e indicadores de apoio estudantil”, enumera. A análise de dados permite às universidades identificar padrões e tendências, como em quais cursos a evasão é mais alta, quais grupos de estudantes têm maior risco de abandono e quais disciplinas têm maior índice de reprovação. Com essas informações, a instituição pode implementar intervenções direcionadas, como programas de apoio pedagógico, políticas de inclusão e estratégias para aumentar a permanência dos alunos. “Sem uma análise aprofundada, políticas públicas tornam-se genéricas e menos eficazes, o que pode resultar em desperdício de recursos e em soluções inadequadas para os reais problemas enfrentados pelas universidades”, conclui Marcel.
Responsável pelo Setor de Avaliação e Regulação, pela Coordenação de Registros Acadêmicos (Cdara) e pelo Centro de Gestão do Conhecimento Organizacional (CGCO), além do Centro de Difusão do Conhecimento (CDC), a Pró-Reitoria de Sistemas de Dados e Avaliação Institucional (Prosdav) é uma das três pró-reitorias criadas pela nova administração superior para o quadriênio 2024-2028. Com essa estrutura, a Prosdav tem avançado na superação dos desafios relacionados à coleta, à integração e à confiabilidade das informações, promovendo uma gestão eficiente e organizada dos dados educacionais. O Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga) é um exemplo de um grande patrimônio institucional nesse contexto. “Lançado no início dos anos 2000, o SIGA tem sido continuamente desenvolvido e aprimorado pelo CGCO, que está para divulgar em breve novos avanços e funcionalidades”, conta o professor.
Uma das ferramentas em desenvolvimento é um observatório de dados (dashboard) que facilita a gestão dos registros acadêmicos e integra diversas informações essenciais para a tomada de decisões por gestores acadêmicos e administrativos da UFJF. “Inovações como essa permitem identificar áreas que necessitam de melhorias e acompanhar, em tempo real, o progresso das iniciativas implementadas. Essa evolução constante garante que o sistema atenda às necessidades administrativas e acadêmicas da instituição, centralizando informações, fortalecendo o planejamento e aumentando a eficiência da gestão dos processos internos”.
Contexto brasileiro
De acordo com Marcel, o Brasil possui uma longa tradição de coleta e análise de dados para subsidiar políticas públicas, que se reflete no desenvolvimento de instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) e o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Desde meados do século XX, essas instituições vêm fornecendo informações fundamentais para o desenvolvimento do país, seja no campo social, educacional, econômico ou de saúde. As pesquisas censitárias e amostrais realizadas por essas instituições permitem um acompanhamento contínuo de várias dimensões da realidade brasileira. Elas são cruciais para a formulação de políticas educacionais, sociais e econômicas; e tornaram o país uma referência na América Latina e no mundo no que diz respeito à coleta e uso de informações estatísticas.
“A experiência histórica do Brasil mostra que a coleta de dados sempre foi valorizada, mas a modernização e a governança eficiente dos mesmos são demandas mais recentes que precisam de maior atenção”, explica o professor. Ele acredita que, em termos de utilização estratégica de dados para políticas públicas, o Brasil tem dado passos importantes com iniciativas como o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e o SouGov. “Mas, quando comparados a países mais desenvolvidos, ainda há desafios na integração de dados e na infraestrutura tecnológica, o que limita o uso pleno do nosso potencial”, diz.
O Censo da Educação Superior é o estudo que reúne o principal conjunto de dados no contexto das universidades e da educação superior no Brasil. Anualmente, essa pesquisa estatística coleta informações detalhadas sobre estudantes, docentes, cursos e infraestrutura das instituições de ensino superior (IES). O censo também é essencial para a elaboração de indicadores de qualidade, como o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC).