Filho e neto de Jango, João Vicente (direita) e Vicente Goulart (esquerda) estiveram presentes na homenagem (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Há 60 anos, o Brasil foi marcado pelo início de um dos períodos mais turbulentos de sua história: o golpe civil-militar de 1964. Como forma de marcar essa data e reforçar seu compromisso com a democracia, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) concedeu, na última segunda-feira, 1º, o título de Doutor Honoris Causa (post mortem) ao ex-presidente João Goulart, deposto pelos militares que tomaram o poder.  

Reitor da UFJF, Marcus David, entregou a honraria à filha de Jango, Denize Goulart (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

A honraria foi entregue à filha de Jango, Denize Goulart, que compareceu à cerimônia ao lado de seu irmão, João Vicente Goulart, da filha Isabela e do sobrinho Vicente.

João Belchior Marques Goulart foi uma figura central na história política brasileira do século XX. Nascido na cidade de São Borja (RS) em 1919, foi vice-presidente da República por duas vezes, deputado estadual e federal, ministro do trabalho e uma das figuras mais emblemáticas do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), existente entre 1945 e 1965. 

Assumiu a presidência do Brasil em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, e teve um mandato marcado por tensões políticas e econômicas. Sua gestão foi interrompida abruptamente em 1º de abril de 1964, quando foi deposto e posteriormente exilado pela Ditadura Militar que se instalou no país. Jango faleceu no exílio, na Argentina, em 1976, aos 57 anos.

“Esta homenagem não é somente ao meu pai, mas a todos aqueles que foram vítimas da ditadura, a todos os familiares destas vítimas, que procuram reconhecimento. É uma homenagem a todas as pessoas que lutaram pelo restabelecimento da democracia, que lutaram para restabelecer o estado democrático de direito”, ressaltou Denize Goulart, emocionada, após receber o título das mãos do reitor da UFJF, Marcus David.

Para o reitor, entrega do título reafirma compromisso da UFJF em defender os princípios democráticos (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

Durante seu discurso, David enfatizou a relevância de preservar a memória de João Goulart e daqueles que lutaram pela democracia durante os 21 anos de Ditadura Militar (o regime durou de 1964 a 1985). “Não há golpe inocente e nunca foi pela família e pelo país. Chamemos por ordem: Castelo Branco, golpista e ditador. Costa e Silva, golpista e ditador. Emílio Médici, golpista e ditador. Ernesto Geisel, golpista e ditador. João Figueiredo, golpista e ditador, todos com iniciais minúsculas e biografias escritas pela vergonha. Já João Goulart, que seja grafado na história com maiúsculas e tenha restabelecido seu lugar como presidente, após a época terrível da democracia interrompida.”

Ainda de acordo com Marcus David, a honraria não apenas reconhece o legado deixado por Goulart, mas também reafirma o compromisso da UFJF em promover e defender os princípios democráticos que são fundamentais para uma sociedade justa e igualitária.

Além disso, o reitor lembrou que mesmo décadas após o golpe de 1964 e o fim da Ditadura Militar, a democracia brasileira ainda enfrenta desafios, com a presença de elementos desestabilizadores na política contemporânea. Para Marcus David, essa constatação ressalta a importância de manter viva a memória das lutas pela democracia e de continuar a defender os valores democráticos em todas as esferas da sociedade.

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Juiz de Fora: o início do Golpe 

A cidade de Juiz de Fora ganha destaque na história do golpe de 1964 ao ser o ponto de partida do primeiro grupo de militares que marcharam rumo ao Rio de Janeiro com o objetivo de derrubar o presidente João Goulart. Sob o comando do general Olympio Mourão Filho (à época, comandante da 4ª Região Militar, então sediada em Juiz de Fora), essa iniciativa surpreendeu outros conspiradores, que planejavam agir nas semanas seguintes. O apoio operacional do então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, foi fundamental para a ação golpista ser bem-sucedida. 

Para Margarida Salomão, essa é uma oportunidade de reconhecer legado de Jango (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

No dia 1º de abril, a tropa liderada por Mourão Filho chegou ao Rio. Militares de outros estados aderiram ao plano, forçando a saída de João Goulart. O presidente decolou rumo a Brasília, mas, sem apoio, partiu para o exílio no Uruguai.

A ex-reitora da UFJF e atual prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão, ressaltou a importância da homenagem prestada pela UFJF a João Goulart. Para a prefeita, essa é uma oportunidade de reconhecer o legado deixado por Goulart, refletir sobre os desafios enfrentados pelo país e se sensibilizar diante do sofrimento e da injustiça no período de repressão. 

Também integrante da luta pela democracia durante a ditadura, Margarida ressaltou a importância de homenagear figuras que resistiram ao autoritarismo. Na avaliação da prefeita, gestos do tipo fortalecem o compromisso com a memória, a justiça e a democracia no Brasil. “Nós em Juiz de Fora temos consciência da nossa responsabilidade de lutar sempre para que a democracia prossiga, prospere e se torne uma condição fundamental para as nossas vidas”, concluiu. 

A indicação para a homenagem 

Foto oficial de João Goulart como presidente (Foto: Presidência da República)

A ideia de conceder a honraria a João Goulart partiu do diretor do Instituto de Ciências Humanas (ICH), Fernando Perlatto. Ele enfatizou a importância histórica da figura de João Goulart, especialmente no contexto do golpe civil-militar de 1964. Também na avaliação de Perlatto, a entrega do título reitera o papel da Universidade na defesa da democracia e dos direitos humanos.

“Conceder esse título é afirmar categoricamente o nosso repúdio aos autoritarismos do passado e aos autoritarismos do presente e reafirmar o nosso compromisso institucional intransigente com a defesa da democracia”, enfatizou o professor em seu discurso.

O processo para a outorga da honraria teve início após apresentação de proposta pela diretora da Faculdade de Serviço Social, Marina Monteiro de Castro e Castro. O projeto foi aprovado de forma unânime pelo Conselho Superior (Consu). Para Marina, esse resultado ressalta o compromisso da Universidade em defender a democracia e os direitos humanos.

A solenidade contou, ainda, com as presenças da vice-reitora da UFJF, Girlene Alves, do ex-reitor da UFJF, Renê Matos, e do Secretário Geral da Universidade, Edson Faria.

Comunidade acadêmica esteve presente na cerimônia (Foto: Carolina de Paula/UFJF)

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