A expressão “teto de vidro” ou “glass ceiling” foi introduzida pela primeira vez pela escritora e consultora de gestão norte-americana Marilyn Loden em 1978. Naquela época, Loden usou o termo para representar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para crescer na carreira e chegar a posições de liderança na hierarquia das empresas.
É seguindo esta linha que daremos continuidade à série especial “Mulheres que constroem a UFJF” – em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. A reportagem de hoje, 8 de março, aborda a trajetória de mulheres que, além de atuarem em seus locais de trabalho, optaram por ocupar cargos políticos e de liderança ao longo dos 63 anos de existência da instituição.
Para a professora Margarida Salomão, a primeira reitora da UFJF, ocupar esses lugares é sinônimo de responsabilidade. Ela foi eleita na instituição por dois mandatos consecutivos, de 1998 a 2006. Em 2012, tornou-se a primeira mulher deputada federal de Juiz de Fora e, em 2020, assumiu o cargo de prefeita, também sendo a primeira mulher a ocupar essa posição na cidade.
“Sinto sempre que tenho que fazer muito bem feito, que não posso errar. Ser a primeira é uma honra, mas também é um peso. No caso da Universidade, já fico feliz por não ser mais a única. Quanto ao cargo de deputada federal, a primeira eleita de Juiz de Fora, agora temos duas deputadas federais. Por isso, para mim é uma responsabilidade tão grande fazer o melhor que posso, para que outras, muitas outras, possam percorrer esse caminho.”
Embora o imaginário nos leve a pensar que a mulher chegou à gestão com a professora Margarida Salomão, em 1998, a presença feminina em cargos de liderança é registrada anteriormente. Um exemplo é a própria professora Lola Yazbeck, primeira diretora da Faculdade de Educação em 1977, personagem da reportagem anterior.
Outras três mulheres foram pró-reitoras antes da conquista de Margarida, desempenhando papeis fundamentais na Universidade. São elas: Therezinha Lopes de Assis, Pró-Reitora de Ensino e Pesquisa, na Gestão Márcio Leite Vaz, em 1981 a 1985; Maria José Feres, como Pró-Reitora de Assuntos Comunitários e Extensão, na Gestão Sebastião Ribeiro, em 1987 e 1988; e Célia Maria de Castro, como Pró-Reitora de Finanças e Pró-Reitora de Administração, na gestão José Passini, de 1990 a 1994. A própria Margarida também foi Pró-Reitora de Pesquisa, iniciando o processo de expansão da pós-graduação na UFJF, entre 1994 e 1998.
“Em 1984, a Universidade realizou sua primeira eleição para reitoria com pelo menos duas mulheres concorrendo: eu e a professora Clélia de Castro. Isso representou uma grande mudança. O fato de, posteriormente, a professora Maria José Feres ter disputado a reitoria em 1988 e eu ter disputado novamente em 1990 são exemplos que parecem tão remotos, mas que nos possibilitaram ter uma segunda mulher eleita hoje”, destaca Margarida.
A segunda reitora que a professora menciona trata-se da atual vice-reitora, Girlene Alves. Em 2023, ela venceu a consulta pública e, neste ano, assume o maior cargo da hierarquia da UFJF.
Egressa da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Girlene é pós-doutora em Medicina Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo com estágio doutoral no Laboratoire de Psycologie Sociale da École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (França). Assim como Margarida, sua trajetória é marcada pela defesa do ensino público e de excelência.
“Eu sempre fui muito inquieta, como mulher, como companheira, como trabalhadora e como filha, inclusive na minha escolha pela enfermagem. Sempre fui provocada para lutar por melhores condições de trabalho e nunca me acomodei. Eu entendia que, como uma trabalhadora da área da saúde, uma trabalhadora da área da educação, eu precisava e tinha um compromisso de fortalecer as lutas em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS)”, conta a atual vice-reitora.
Ela comenta que a trajetória que a levou à vice-reitoria da UFJF deve ser vista à luz das conquistas e lutas passadas, que não foram conquistas individuais, mas sim fruto de lutas coletivas. Para ela, ocupar esses espaços implica desafiar uma visão patriarcal arraigada na sociedade, e é dentro desse contexto que ocupa sua posição.
A luta por reconhecimento
Margarida Salomão, professora emérita da UFJF, soma em seu currículo 40 anos de dedicação à docência na instituição. O ingresso na Universidade deu-se em 1968, como aluna da primeira turma da Licenciatura em Letras. Ela recorda que, a concepção do papel da mulher era de subalternidade e havia um grande domínio masculino na Universidade.
“Embora eu tenha frequentado uma faculdade composta majoritariamente por mulheres, a Faculdade de Filosofia e Letras (antiga Fafile), em 1968, naquela época, era comum ouvir que cursos de licenciatura era para mulher ficar esperando por um marido. Era um cenário de machismo e muito preconceito”, comenta.
Ao ser questionada sobre os movimentos estudantis e a atuação feminina, a ex-reitora observa que a luta não era compreendida como exclusivamente das mulheres, mas como uma luta da sociedade como um todo. Segundo ela, o movimento feminista veio ocorrer após a constituição brasileira, e que, dada a falta de direitos e oportunidades naquele período, as demandas parecem hoje modestas.
“Na realidade, a principal luta naquele período era contra a ditadura e pela democracia, além de uma universidade mais democrática, evidenciada pelas grandes greves. A partir dos anos 80, houve uma mudança substancial relacionada à conquista de carreiras para professores, incluindo as professoras, marcando um período de inserção significativa das mulheres”, ressalta.
A piauiense, professora Girlene, natural do município Canto do Buriti, localizado aproximadamente cinco horas da capital Teresina, também observa que, hoje em dia, discutir igualdade de direitos parece mais suave do que há alguns anos. No entanto, a vice-reitora ressalta que apesar dessa suavidade aparente, ainda enfrentamos muitas dificuldades para que o espaço da mulher seja verdadeiramente reconhecido como seu, e que ela possa estar onde desejar.
“Não se trata de competição. Trata-se de um olhar diferente, uma forma diferente de pensar a gestão da Universidade. E apesar das dificuldades, que possamos encontrar mecanismos e ferramentas que não impeça a mulher de participar, muito pelo contrário. Que todas sejam motivadas a participar desses espaços de tomada de decisão do espaço, de elaboração das políticas para que nosso país possa avançar”, comenta a atual vice-reitora.
A presença feminina em diversas frentes de luta
Além das professoras Margarida Salomão e Girlene Alves ocupando cargos de alta hierarquia na Reitoria, a Universidade possui outros setores com presença feminina em suas gestões. A Diretoria de Imagem entrevistou algumas dessas mulheres para compreender a importância de ocuparem posições de liderança e de serem agentes de mudança.
Maria Edna Fernandes
A estudante de Direito e coordenadora geral do Diretório Acadêmico dos Estudantes (DCE), Maria Edna Fernandes, destaca que há um movimento crescente de engajamento político por parte das mulheres, impulsionado pela histórica negação de seus direitos. Para ela, essas lutas começam pelo movimento estudantil, um espaço onde as mulheres compreendem melhor suas capacidades de participação e de ações efetivas em lutas de classe.
Apesar da expressiva participação de mulheres no DCE, composto por mais de 50% dos seus integrantes, a estudante destaca o desafio contínuo da participação feminina em locais de discussão. “Acho que principalmente por sermos mulheres jovens, nós temos nossa credibilidade sendo testada. Isso porque muitas das vezes somos colocadas como se não tivéssemos que estar ali. Como se não soubéssemos do que estamos falando. Aí precisamos ser mais incisivas, precisamos dizer e explicar mais de uma vez o que estamos defendendo.”
Luciene Guedes
“Uma das indicações da Andes é a busca pela paridade de gênero não apenas na direção nacional, mas também nas diversas seções que compõem a nossa base. Sabemos que há um grande número de mulheres na categoria docente; entretanto, isso não se reflete na composição das direções sindicais”, comenta Luciene Guedes, secretária-geral da Associação dos Professores do Ensino Superior (Apes) e professora do Colégio João XXIII da UFJF.
Atualmente, dos sete dirigentes da associação, cinco são mulheres. Para Luciene, a participação feminina é fundamental para reivindicar pautas pelas mulheres trabalhadoras e estudantes, como por exemplo: a consideração dos impactos da parentalidade e do trabalho de cuidado que causam uma sobrecarga; a construção de políticas institucionais que garantam a permanência das mães na academia e na ciência; o enfrentamento e a eliminação das violências estruturais e institucionais, inclusive de gênero; entre outras questões, que, segundo a coordenadora, terão mais visibilidade a partir do momento em que a luta pelos direitos das mulheres e por melhores condições de trabalho for considerada uma pauta coletiva.
A coordenadora também defende um olhar mais cuidadoso e específico para as docentes que atuam na educação básica da UFJF, através do Colégio João XXIII, que, ao contrário do ensino superior, são maioria, representando 60% da categoria. “São elas que, além de defenderem uma educação pública, laica e de qualidade, cuidam da educação que constrói os alicerces para a continuidade no ensino superior.”
Dalila Varela
Dalila Varela, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF, desempenha o papel de coordenadora geral da Associação de Pós-Graduandos (APG) da UFJF. Para ela, a representatividade feminina em cargos de liderança é de extrema importância, especialmente em um ambiente ainda considerado hostil como o da pós-graduação. Neste sentido, a APG incluiu em seu regimento a paridade de gênero em cargos de gestão, alinhando-se à postura da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), que sempre teve mulheres em sua presidência desde sua fundação.
Em sua segunda gestão, Dalila enfatiza que sua posição de destaque na APG é também uma vitória pessoal, especialmente considerando suas origens em um contexto de grande vulnerabilidade social. “Ter alcançado o doutorado e a coordenação da associação, enquanto um espaço de luta, é, de certa forma, uma oportunidade para abrir caminho para outras pessoas, especialmente mulheres, ocuparem posições que historicamente sempre foram elitizadas.”
Um exemplo dessa participação é evidenciado nas reuniões do Conselho Superior (Consu), em que diversas entidades da Universidade se fazem presentes. Para a pesquisadora, a representação feminina nesse cenário é fundamental, uma vez que algumas questões cruciais são específicas das mulheres. Sem a presença delas para lutar e representar tais questões, o avanço torna-se difícil.
A recente conquista da classe foi a aprovação da lei que prorroga bolsas de estudos para mães cientistas, garantido a licença maternidade. Dalila atribui esse avanço “ao aumento da presença feminina nesses espaços, tendo esperança de que superemos os preconceitos, de modo que a licença-maternidade e outras questões que envolvem a mulher não se tornem mais obstáculos ao reconhecimento e avanço na carreira.”
Maria Ângela Costa
“Quando uma mulher se movimenta, principalmente a mulher preta, a sociedade se movimenta, o mundo se movimenta, as coisas mudam”, cita Maria Ângela Costa, primeira mulher negra a ser eleita para o cargo de coordenadora Geral do Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação (Sintufejuf), inspirando-se nas palavras de Angela Davis para descrever sua experiência como mulher sindicalista.
Lotada também no Hospital Universitário da UFJF, a técnica-administrativa compartilha sua jornada desafiadora, frequentemente enfrentando o machismo ao longo de seus 31 anos na universidade e sendo às vezes rotulada como louca. Apesar das dificuldades, ela acredita em uma evolução na sociedade, especialmente na luta sindical. Como exemplo desta evolução, o Sintufejuf, atualmente, é composto por 26 coordenadores divididos em 11 coordenações. Na última eleição, a chapa foi composta com a participação de 17 mulheres, o que representa mais de 50% do total de membros, superando a participação masculina.
Para Maria Ângela, este cenário combina com a famosa frase: “lugar de mulher é onde ela quiser”, mas, segundo ela, para isso, é preciso existir políticas públicas que combatam preconceitos e machismos. “Principalmente em uma Universidade, onde se ensina sobre liberdade de expressão e tantas outras coisas, nós devemos também ensinar que a mulher tem que caminhar junto, que a mulher é igual. É um ser inteligente como qualquer outro e que podem também estar em diversos espaços.”
Mês de reflexão
Durante o mês de março, a UFJF realiza ações e atividades em celebração ao mês da mulher, por meio da campanha “Mulheres que constroem a UFJF”, organizada pela Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf) da Universidade Federal de Juiz de Fora, em conjunto com a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, além das Pró-Reitorias e demais Diretorias da Gestão Superior da UFJF. O intuito é dar visibilidade ao protagonismo das mulheres que constroem e transformam a UFJF, assim como refletir sobre questões que permeiam a busca pela equidade de gênero.
A programação inclui rodas de conversa, palestras e uma variedade de atividades educativas e pedagógicas, cujos detalhes estão sendo divulgados gradualmente no portal da UFJF.
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