Manifestação pede fim da violência contra mulheres negras no Rio (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil. Data: 2018)

A data de 25 de novembro marca o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Além disso, todo este mês é marcado pela celebração da Consciência Negra. Infelizmente, pesquisas retratam a realidade preocupante de mulheres negras no Brasil: mais de 12 milhões de mulheres negras já foram vítimas de violência, correspondendo a 65,6% do total de 18 milhões de mulheres vítimas no país.

Os dados são da quarta edição da pesquisa “Visível e invisível” sobre a vitimização de mulheres ocorrida em 2022. O levantamento foi encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Instituto Datafolha. Os dados apontam que em comparação com anos anteriores, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento. Para se ter uma ideia, no último ano, 50.962 mulheres sofreram violência por dia em 2022 – um número equivalente a um estádio lotado.

A pesquisa ainda aponta que a prevalência relatada é superior entre mulheres pretas (48% desse grupo populacional), principalmente aquelas com ensino fundamental (49%), com filhos (44,4%), divorciadas (65,3%), atingindo o ápice na faixa etária de 25 a 34 anos (48,9%). Dentre as mulheres que afirmaram sofrer violência no último ano, 65,6% eram negras, 29% brancas, 2,3% amarelas e 3% indígenas. Quanto à prevalência, mulheres negras experimentaram níveis mais elevados de violência (29,9%) do que as brancas (26,3%).

Os dados também apontam que o espaço com maior risco para as vítimas é dentro de casa. Nesse ambiente, 53,8% sofreram episódios de violência foi dentro do próprio domicílio nos últimos 12 meses. O número cresceu 10 pontos percentuais em relação a 2017, quando esse número era de 43,3%.

Combate à violência contra mulheres negras é uma questão de saúde pública

Danielle: Ainda precisamos percorrer um longo caminho para garantir o acolhimento que não revitimize essas mulheres” (Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com a ouvidora especializada em Ações Afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professora do Departamento de Saúde Coletiva, Danielle Teles da Cruz, mulheres negras enfrentam múltiplas dificuldades no cotidiano, inseridas em uma sociedade patriarcal, machista, misógina e racista. Segundo ela, os diferentes sistemas de opressão se sobrepõem ao sistema de exploração capitalista, agravando o status social da mulher negra.

Cruz destaca que mulheres negras ganham menos e, proporcionalmente, também são as que mais sofrem com o sistema tributário, resultando em privações que se transformam em tensionamentos, adoecimento e violência. “Assim, as dificuldades abrangem desde a invisibilização da violência até o cuidado prestado pelas equipes de saúde, frequentemente carregado de estigmas, preconceitos e culpabilização da vítima.”

A mestra Leiliane Germano, especializada em Comunicação Social com foco em narrativas feministas e enfrentamento à violência contra mulheres, relata que o abuso ainda é usado como mecanismo de dominação dos corpos femininos. Segundo ela, trata-se de uma relação de poder que marca comportamentos machistas.

Ela enfatiza que enquanto o impacto do machismo nas vidas das mulheres negras não for debatido e esse formato social não for desconstruído, a sociedade continuará a reproduzir esse comportamento. “Uma excelente forma de se desconstruir tais pensamentos e práticas é através da educação: trabalhar dentro dos espaços educacionais o que é machismo, violência de gênero, respeito, direitos das mulheres e temas semelhantes.”

Cruz complementa que, para solidificar políticas públicas, é necessário reconhecer a violência como um fenômeno multifacetado e possibilitar qualificação permanente para romper barreiras de acesso sustentadas pelo patriarcado, machismo, racismo, misoginia e também pela LGBTfobia.

A ouvidora observa que as marcas da violência são inúmeras e complexas de serem completamente mensuradas. “Não há como dimensionar a extensão do sofrimento e das consequências, que vão desde adoecimento físico, mental e social, com repercussões em todas as dimensões da vida.”

“Violência também é um tema de saúde pública”, afirma Leiliane Germano (Foto: Paula Duarte)

Para Leiliane Germano, é essencial melhorar as políticas de saúde no atendimento e acolhimento das mulheres negras vítimas de violência. Segundo ela, é necessário mais capacitação dos profissionais do SUS nesse tema e, principalmente, ampliação de equipes de atendimento psicológico para receber e acompanhar essas mulheres. Ela também reforça que a violência gera traumas que muitas vezes acompanharão a mulher por uma vida toda, e que é preciso pensar em saúde mental e acolhimento, pois a violência adoece fisicamente e emocionalmente.

“Violência também é um tema de saúde pública”, afirma a especialista, ressaltando a necessidade de levar materiais, campanhas, atividades e informações às Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Ela enfatiza a importância de criar espaços de acolhimento nas UBSs, que possam receber vítimas e suas denúncias efetivamente. “A UBS tem um potencial enorme exatamente por essa facilidade de acesso; ali também precisa ser um equipamento de enfrentamento à violência de gênero. Mas, para isso, é preciso também capacitação profissional e investimento público.”

A professora Danielle Teles da Cruz elogia o trabalho feito pelo SUS através dos profissionais de saúde que se dedicam no apoio e cuidado às vítimas de violência. “Ainda precisamos percorrer um longo caminho para garantir o acolhimento que não revitimize essas mulheres e que se faça, de fato, um canal de escuta e de apoio para que as vítimas de violência não sintam medo, vergonha ou culpa ao acessar o serviço de saúde.”

Projeto de extensão da UFJF acolhe e trata homens autores de violência

O Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através de um projeto de extensão, acolhe e trata homens envolvidos em episódios de violência doméstica e familiar. Conforme o coordenador da iniciativa e professor do Departamento de Psicologia da UFJF, Luiz Gibier, o projeto justifica-se por responder às demandas reais da sociedade civil em Juiz de Fora, onde o número de casos de violência doméstica exige ações concretas para tentar diminuir e, eventualmente, prevenir casos de violência.

O projeto atua especificamente com homens condenados sob a Lei Maria da Penha. Estes indivíduos são encaminhados pela Vara da Violência Doméstica aos grupos de reflexão desenvolvidos pelo projeto de extensão, onde sua participação é obrigatória.

Gibier acrescenta que os participantes do projeto são submetidos a um processo de ressignificação da masculinidade. “Eles passam a entender que as relações íntimas devem ser marcadas predominantemente pela vontade de estar juntos, pelo respeito, pela predominância de sentimentos positivos, pela redução dos conflitos e pela busca de soluções através do diálogo.”

O projeto existe há cerca de nove anos, proporcionando encontros nos quais os participantes discutem seus dilemas e exploram formas de lidar com a agressividade, as relações íntimas, a vida cotidiana e a complexidade da vida familiar. Segundo o professor responsável, o objetivo é questionar os padrões sociais e de gênero que contribuem para uma masculinidade tóxica, onde os homens se veem confinados a papéis sociais restritivos e perpetuam estruturas patriarcais e classistas.

O professor e coordenador do projeto relata que os homens envolvidos geralmente são obrigados a cumprir medidas protetivas determinadas pela audiência. Estas medidas incluem, por exemplo, manter uma distância específica da pessoa que apresentou a queixa e respeitar o prazo de validade da medida protetiva. Além disso, eles devem comparecer à Vara da Violência Doméstica e assinar mensalmente um documento atestando sua presença na região e o cumprimento das determinações judiciais.

O Centro de Psicologia Aplicada da UFJF funciona na Rua Santos Dumont 214, no Bairro Granbery.

Outras informações: (32) 3217-8253 – Centro de Psicologia Aplicada (CPA)