“O primeiro passo é a compreensão de que as pessoas em situação de rua são parte da comunidade; o que faz com que a situação de rua seja um problema da comunidade, e não somente desses indivíduos.” A declaração é do professor do Departamento de Fundamentos do Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS), Alexandre Aranha Arbia. Ele é um dos autores do livro “Atendimento à população em situação de rua: reflexões e práticas no Brasil e na Europa”, disponível gratuitamente.
A obra é resultado de uma colaboração internacional entre instituições de ensino do Brasil, Portugal e França. O material foi elaborado a partir de um estudo multidisciplinar que envolveu não apenas pesquisas acadêmicas, mas também um projeto de extensão e um diagnóstico da população em situação de rua na cidade de Juiz de Fora, feito em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Por isso, o livro oferece dados sobre o perfil e as características dessa população, bem como discute políticas de atendimento e práticas profissionais em relação ao tema.
Arbia relata que, com algumas adaptações e enfrentamentos, é possível um equacionamento sobre essa temática, sem desconsiderar as amplas dificuldades que envolvem os processos dessa natureza. “As instituições formativas, de um modo geral, devem contribuir para desmistificar a questão neste aspecto – seja produzindo, seja difundindo uma visão científica da questão. Somente uma compreensão racional da situação de rua poderá nos levar a uma ação sem preconceitos e mais afinada com a realidade.”
O livro foi lançado na última quinta-feira, 18 de maio, na Semana de Serviço Social da UFJF. Além de Arbia, também participaram do processo de construção do manuscrito a professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF, Viviane Pereira, e a docente Berta Granja, do Instituto Superior de Serviço Social do Porto e do Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (ISSSP/CLISSIS).
Censo sobre população em situação de rua
Segundo Alexandre Aranha Arbia, o censo e diagnóstico da população em situação de rua de Juiz de Fora foi conduzido com o apoio de uma equipe multidisciplinar da UFJF, incluindo professores dos departamentos de Fundamentos do Serviço Social, Política de Ação do Serviço Social, Psicologia e Estatística – além de discentes de iniciação científica e da pós-graduação. A iniciativa foi concluída e os resultados serão divulgados em breve pela PJF.
O estudo, aponta o autor, foi projetado como um projeto de extensão em conjunção com pesquisas acadêmicas e foi realizado em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), com o auxílio da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) e da Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Fadepe).
“Neste primeiro volume, abordamos questões referentes à política de atendimento. Esse trabalho, que já havia sido realizado no Porto, tem sua construção histórica registrada em pormenor em um dos capítulos. No entanto, a cooperação de pesquisa que realizamos expandiu-se para além dos estudos das políticas: passou a abarcar, numa segunda fase, o estudo sobre o exercício profissional – desta vez, expandido para a compreensão da atuação interdisciplinar –, cujos resultados serão publicados em um segundo volume, edição a cargo do CLISSIS”, pontua Arbia.
Desafios do financiamento e monitoramento em políticas públicas para população de rua
Alexandre Arbia aproveitou para destacar as dificuldades enfrentadas pelas políticas públicas destinadas à população em situação de rua, principalmente no que tange ao financiamento. Segundo ele, a maior parte do suporte financeiro vem dos fundos municipais. Ele enfatizou a necessidade de integração informacional na rede para melhor monitoramento dos indivíduos assistidos. “Uma formação direcionada ao tema para profissionais que atuam nos serviços não-exclusivos no atendimento à população em geral, e não exclusivamente às pessoas em situação de rua, é sempre bem-vinda e necessária.”
O pesquisador também frisou sua insistência na integração informacional da rede, pois vê essa medida como um elemento fundamental para melhorar o acompanhamento das pessoas assistidas pelos programas.
Perspectivas e estratégias internacionais
Sobre a situação em Portugal, a professora Berta Granja informa que o artigo em questão examina a organização da política social na cidade do Porto, não apenas destacando a relevância dos processos e dinâmicas sociais vivenciados, mas também a própria experiência experiência e seu papel na Estratégia Nacional de Planificação para a Intervenção Social com as Pessoas em Situação de Sem-Abrigo em Portugal (Enpisa).
Segundo Granja, a Enpisa possui políticas bem articuladas. No entanto, ela expressou preocupação sobre a complexidade do problema que “tem raízes muito estruturais” e, por isso, se agrava devido a questões interligadas e multidimensionais em diversos países.
A professora frisou que medidas abrangentes são necessárias para combater desafios como desemprego, precariedade, baixos salários, insuficiência ou ausência de sistemas de habitação social, educação, formação e saúde. “Caso contrário, o problema das pessoas em situação de sem-abrigo (PSSA) continua sem solução.” Ela ainda alerta para uma provável piora da situação, dado os impactos da crise climática, os conflitos armados e o fluxo contínuo de refugiados e migrantes a nível global.
Granja salienta que a União Europeia possui uma meta ambiciosa: erradicar a situação de pessoas em situação de rua até 2030. Entretanto, ela observa que os problemas estruturais se intensificaram e os recursos disponíveis são insuficientes – e a pandemia de Covid-19, bem como a guerra entre Rússa e Ucrânia, modificaram drasticamente as circunstâncias atuais, aumentando a incerteza e exacerbando problemas sociais.
Granja prossegue explicando que cada país está desenvolvendo sua própria estratégia nacional. Em particular, ela destacou a iniciativa portuguesa que inclui a formação de um Núcleo de Planificação para a Intervenção Social com Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (Npisa) em cada cidade onde o fenômeno é evidente. “Esse núcleo coordena e une a intervenção social em rede de todas as instituições e serviços públicos que atuam com a população em situação de rua.”
A professora acrescentou que a estratégia portuguesa ainda estabelece um ponto de referência para cada pessoa em situação de rua: o gestor de caso, que ela enfatiza como figura fundamental para consolidar a assistência e intervenção junto à população em situação de rua.