Ficaram as marcas, os vazios e os silêncios. Restaram as dores, as saudades e os temores. A pandemia que esvaziou as ruas e calou milhões de vozes mundo afora deixou um rastro impossível de apagar, no visível, e, principalmente, na subjetividade de cada um. Refletindo sobre o tangível e o intangível dessa sociedade fortemente impactada pelo vírus, o escritor Darlan Lula, servidor da Universidade Federal de Juiz de Fora, lança no próximo dia 19, às 18h30, na Tertúlia Espeteria, em Juiz de Fora, seu novo livro, uma coletânea com 17 desconcertantes e instigantes contos.
De um cenário político divisivo ao drama de uma família arrasada pela violência urbana, o livro não se restringe ao horizonte da Covid-19, mas retrata uma sociedade nas nuances que a pandemia ressaltou. Da desesperança de um ator veterano diante de uma comunidade cada vez mais insensível a um desesperado servente de pedreiro sem perspectivas, a trivialidade dos dias inspira o autor, conduzindo-o a um território em que confronta os valores e as práticas da sociedade atual.
“Hoje, somos regidos por leis punitivas, e não pela ética. Se não há lei que nos atravesse, geralmente não se pensa nem uma vez na ética. Ela é esquecida, relegada a segundo, terceiro plano. Os contos estão imbuídos dessa reflexão, muitas vezes pela falta dessa ética, que se apresenta justamente pela sua nulidade”, discute o escritor, interessado em refletir sobre a condição humana em suas mais distintas facetas.
‘Em algum momento fomos ou seremos perversos’
Autor experiente e especialista em Machado de Assis, Darlan Lula utiliza-se de refinadas descrições para criar cenas reveladoras das pequenas e grandes perversões dos homens, como no conto “O sorriso do padre”, no qual retrata um episódio de pedofilia na igreja. “Eu acredito que a perversão faz parte da nossa conjuntura orgânica; e a luta contra isso é diuturna em nós”, observa ele, também bastante influenciado pela escrita de Clarice Lispector.
Os contos de “Em tempos de Covid-19” atuam como convites para a reflexão transformadora. Pouco a pouco a escuridão vai cedendo espaço na obra. “Em algum momento de nossas vidas fomos ou seremos perversos com alguém ou em alguma situação. E explorar esse lado faz com que coloquemos luzes sobre aquilo e reflitamos com o intuito de nos tornarmos melhores”, explica o autor. Em apresentação da obra, o também escritor Márcio Resende adverte para as interrogações deixadas por Darlan Lula, que não entrega o jogo, mas tampouco cria espaços dúbios. “A catarse final traz uma mensagem de esperança embutida. Não é uma crônica da desesperança. Há também humor a la Tarantino”, destaca Resende.
Personagem central, o Brasil das páginas de Darlan Lula é um lugar em construção, seja nos grandes centros, seja nas vielas das mais pequeninas cidades. E esse lugar parece ter uma sina: “Sempre que escrevo, penso o quanto a nossa sociedade pode evoluir; viver em um mundo imperfeito nos faz sermos viscerais, instintivos, porque nossa memória primitiva nos traz à tona a luta pela sobrevivência. E ponderar isso, refletir sobre isso, faz-nos chegar ao arcabouço civilizatório que nos encontramos hoje em dia”. Em tom emocionante, finaliza o autor: “Temos que buscar sermos seres civilizados, buscarmos uma sociedade mais justa e mais fraterna”.
Sobre Darlan Lula
Natural de Itacarambi, no Norte de Minas Gerais, e radicado em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, Darlan Lula é doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Estudos Literários e graduado em Letras. É autor de dois romances, “Viera tarde” (2005) e “Desvios” (2008), do livro de poemas “Casa de madeira” (2015), e das coletâneas de contos “Pontos, fendas e arestas” (2002) e “Todos os dias” (2016). Em 2021 lançou “Um estudo do ciúme em Machado de Assis: as narrativas e os seus narradores”, resultado de sua tese de doutorado. Atualmente é secretário- executivo da Pró-reitoria de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
LANÇAMENTO
“Em tempos de Covid-19”, de Darlan de Oliveira Lula
Dia 19 de maio, às 18h30, no Tertúlia Espeteria (Rua São Mateus, 945 | Juiz de Fora – MG)