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“Todos os Dias”, a estreia de Darlan Lula no gênero conto, trata da morte, real ou simbólica (Foto: Divulgação)

De uma relação de amizade nasceu a proposta de parceria em torno de um tema que a maioria das pessoas prefere evitar: a morte, real ou simbólica. O assunto é tratado com sensibilidade em Todos os Dias (Funalfa, 2016), livro de estreia do escritor Darlan Lula no gênero conto, com lançamento nesta sexta-feira, 15, às 19h30, com entrada franca, no Espaço Reitoria, simultaneamente à abertura da exposição homônima, que reúne ilustrações feitas especialmente para a publicação pelo artista visual Paulo Alvarez.

Com quatro livros já publicados – Pontos, Fendas e Arestas, os romances Viera Tarde e Desvios, e os poemas de Casa de Madeira, além da experiência digital de Nuvens –, Darlan Lula dedicou especial atenção ao projeto gráfico de Todos os Dias. O objetivo era valorizar a relação entre os textos e as imagens. Desde a concepção da capa, sem identificação de autoria e recoberta por uma transparência em papel vegetal com a imagem de uma folha seca, tudo foi pensado de forma a tratar o livro como um objeto artístico e de provocar o leitor para o conteúdo da obra.

“É a primeira vez que penso o livro fisicamente. Queria alcançar um resultado material em que não se perdesse a essência do trabalho e que preservasse as cores das imagens”, conta Darlan Lula, que considera fundamental a parceria realizada com Paulo Alvarez: “Divido com ele todo o mérito do livro, se houver. Ele teve uma sensibilidade muito grande para com os textos”, ressalta.

O artista se inspirou na temática dos contos como um todo, atuando como um “construtor de imagens” na reinterpretação das dores e memórias da narrativa literária. Além da amizade, Paulo compartilha com Darlan o tema da morte como uma referência muito presente em seu trabalho – algo que remete a suas origens em Guarani, onde “o cemitério é um dos lugares mais lindos da cidade” – o que contribui, segundo ele, para a coerência entre imagens e textos alcançada em Todos os Dias. Entre colagens, desenhos e pintura, a exposição reúne as ilustrações do livro e outros trabalhos de Paulo Alvarez que dialogam com o tema da obra. O livro conta com apoio da Lei Municipal Murilo Mendes de Incentivo à Cultura. A exposição se estende até 5 de agosto, de segunda a sexta-feira, das 9h às 20h, e sábados, das 9h às 12h.

Elaboração
Darlan Lula considera Todos os Dias sua obra de maturidade como escritor. Produzidos em épocas diversas, de 2003 a 2013, os 12 contos puderam decantar devidamente, perder os excessos e ter o tempo necessário para sua finalização: “O (gênero) conto precisa de mais elaboração. Exige um poder de condensação, tem fôlego curto. É preciso criar densidade desde o início até chegar ao ápice. O resultado tem que ser mais poderoso”, argumenta.

Embora escritos em momentos diversos, uma unidade permeia os contos do livro, dividido em quatro fases –

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Percurso do livro demarca a emergência e o progresso da conscientização humana de sua própria finitude (Foto: Divulgação)

 Nascimento, Amadurecimento, Certeza e Esperança, com três contos em cada uma delas. Esse percurso demarca, através das histórias narradas, a emergência e o progresso da conscientização humana de seu desamparo no mundo, da impossibilidade de controle das engrenagens do destino, da sua própria finitude.

A ideia do livro surgiu quando Darlan percebeu que o tema já era muito presente em sua obra. Como o protagonista do primeiro conto, Mal-estar na memória, o autor viu a consciência da Morte se realizar na sua mente aos 11 anos. Hoje, com as experiências e vivências de um adulto jovem que já enfrentou momentos difíceis e dramáticos, ele se considera na fase terceira do livro – Certeza -, mas uma “certeza esperançosa” de que ainda tem muito a contribuir, de que, apesar das inquietações e tormentos que fazem do viver um “exercício do caos”, como define um dos contos, a vida vale, sim, a pena.

Contudo, para um livro que trata sobre a conscientização da finitude humana, Todos os Dias não poderia ter melhor epígrafe do que a fina constatação machadiana “A morte é um verme, de duas espécies, conforme se introduz no corpo e na alma. Mata em ambos os casos.” A escolha reflete ainda uma velha admiração pelo mestre brasileiro, que Darlan estudou em seu doutorado e que o influenciou em sua produção literária inicial. A referência, porém, termina aí, pois aquele narrador sarcástico, irônico e intrometido – tipicamente machadiano – já não se faz tão presente no novo livro. “Nos contos escritos depois de 2012, deixo o leitor interpretar. O narrador não define nem interfere mais”.

Esse amadurecimento da escrita se infiltra de algum modo nas histórias de Todos os Dias, que tem como personagens, em quase todos os contos, alguém com ambições literárias – como o personagem Pedro, jovem com sensibilidade e “apuro para a angústia”, do conto Pedro e Nava, título que já aponta para os aspectos metaliterários da obra. Ou O Escritor, como é chamado o protagonista do conto Prefácio, alguém que se defronta com o impalpável no dia glorioso de lançamento do seu livro. Todos os Dias, com o tanto de biográfico que lhe é pertinente, mostra como as vivências, o aprendizado do viver, são fundamentais para a própria evolução da escrita.

Projetos
A concepção artística de Todos os Dias significa, para Darlan, a importância que o livro impresso mantém e a necessidade de um tratamento diferenciado da obra física, diante da concorrência do produto digital. Darlan Lula tem trilhado os dois caminhos, exercitando a pena nas múltiplas ferramentas ao alcance do escritor hoje. Atualmente ele desenvolve em seu blog (http://darlanlula.blogspot.com.br/) o projeto À Procura das Nuvens, em que publica fotos e poemas de sua autoria, que totalizarão 44 publicações até o fim do ano. No Facebook, na página Nuvens, brinca com a narrativa visual em vídeos curtos – espécie de videopoemas.

Além disso, o autor planeja para 2017 uma releitura de seu primeiro livro, Pontos, Fendas e Arestas, que completará 15 anos, e a continuação do romance Nuvens, publicado na internet ao longo de 2015, e que retomará a história 18 anos depois, com o título de Nuvens, a Saga Continua. Darlan Lula também já se dedica à produção do projeto de Areia, livro que pretende lançar em 2019.

Artista múltiplo

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Obras de Paulo Alvarez em épocas diversas se somam a colagens virtuais de ilustrações e fragmentos textuais do livro (Foto: Divulgação)

Expografista do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), curador, figurinista, cenógrafo, Paulo Alvarez é também um artista de múltiplos talentos, que transita com desenvoltura entre técnicas tão diversas quanto o desenho, a colagem, o objeto e a pintura. A facilidade com que experimenta as diferentes linguagens artísticas e com que se apropria de campos como o teatro e o artesanato lhe oferece aberturas e possibilidades mais vastas na construção de uma obra essencialmente poética sobre memória e tempo, com sua cota afetiva de referências autobiográficas e familiares. Tudo remete à infância no interior, a vida na cidade pequena, com suas festas populares, sacras ou profanas, procissões, altares, quermesses, bailes, carnavais.

Essas qualidades podem ser conferidas em Todos os Dias, em que obras produzidas em épocas diversas e em diferentes técnicas se somam a colagens virtuais de ilustrações e fragmentos textuais do livro de Darlan Lula. Acima da diversidade técnica, o conjunto confirma a coerência da temática do artista, em sua pesquisa e reinterpretação das dores e fragilidades humanas, que resulta em paisagens interiores imaginárias, alegóricas, às vezes densas e barrocas, outras delicadas e sutis.

Mais informações: Pró-reitoria de Cultura – (32) 2102-3964

Atualizada às 15h55 – 14/07