Pesquisadora do departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernanda Thomaz, foi convidada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, chefiado por Silvio de Almeida, para assumir a coordenação de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas. O setor, recém criado, é um dos três eixos ligados à Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade.
Fernanda Thomaz é pós-doutora pela Universidade de Ibadan, na Nigéria, e pelo Instituto Max Planck, na Alemanha. Trabalha com temas relativos ao colonialismo, relações raciais, movimento de mulheres e memória. Tem discutido temas relacionados à identidade, história social da justiça e relações de gênero e sexualidade. A pesquisadora define sua proposta ao assumir o cargo como uma oportunidade institucional de trabalhar as memórias da escravidão e do tráfico “como forma de justiça”. “A memória da dor e do sofrimento que marcou nosso país e mantém continuidades. A ideia é tratar a memória da escravidão, tanto tempo silenciada e apagada, como agente de criação, de produção cultural, história oral, patrimônio material e imaterial, como instrumento de combate ao racismo em busca de reparar as injustiças históricas”, esclarece.
A vice-reitora da UFJF, Girlene Silva, comemora a indicação e parabeniza a professora Fernanda pelo convite para participar de uma gestão que tem o compromisso de resgatar e reconhecer nossa história e pensar políticas públicas com capacidade de reduzir as desigualdades. “É necessário destacar nosso orgulho de tê-la como membro da nossa comunidade e que desde a sua chegada na UFJF tem desenhado um caminho como educadora sensível e comprometida com nossa sociedade. Sua trajetória em todos os espaços da docência teve como marca a inclusão e a diversidade. Certamente, podemos esperar uma excelente gestão. Ganhamos todos com sua participação”.
Coordenação de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas
A coordenação está em processo de criação, por isso, é preciso muito diálogo. Para Fernanda, “ouvir é o primeiro ponto. Vamos trabalhar com redes, escutar setores amplos, incluir desde intelectuais que trabalham com isso, passando por movimentos sociais negros – tanto urbanos, quanto rurais –, comunidades tradicionais, profissionais da educação, enfim, uma ampla rede para começar a mapear as questões prioritárias que serão as bases para definir políticas que contemplem todo o Brasil”.
Vamos trabalhar de forma integrada com outros setores do governo, pensando em políticas transversais. “A coordenação poderia estar, por exemplo, no ministério da Igualdade Racial, mas a proposta é trabalhar de forma ampla, mais ligado aos direitos humanos, buscando interfaces com outros ministérios. Estamos falando de reparação para pessoas que sofreram violência, que foram desumanizadas. Todo esse processo impacta na estrutura da nossa sociedade como um todo. A herança dessas experiências de violência do passado, pensando na escravidão, estruturou nossa realidade no passado e se mantém até hoje, é a forma como a sociedade se configura”, reflete.
A historiadora destaca como foi nocivo para a sociedade que a história tenha sido sempre contada de forma única. Isso impediu que uma parcela da população reconhecesse seu real valor. “A proposta é reconstruir a ideia de escravidão contada pelos livros didáticos, que são muito engessados, criados para exaltar uma branquitude. É preciso lembrar que aquelas pessoas escravizadas viviam, reagiam, produziam conhecimento, práticas culturais, que constituem a nossa herança”. Outro ponto abordado pela pesquisadora é que, quando falamos de escravidão, história e violência, especialmente de pessoas que sofreram o impacto desse apagamento, não podemos restringi-las à população negra e africana, mas também incluir a população indígena.
Reparar isso tudo é um caminho muito longo. “Sabemos que é preciso priorizar e, para isso, vamos criar bases e mapear para entender como cada região do país funciona, as diferentes possibilidades, para não ficar com o foco no Sudeste como se só uma região representasse o país. Queremos desenvolver políticas de estado e não de governo. Para isso, vamos construir bases com projetos que tenham continuidade. Em um segundo momento, vamos buscar articulações fora, do outro lado do Atlântico, no continente Africano, em outras regiões que também tiveram essa relação direta com o tráfico de escravizados”, conclui.
Formação acadêmica
Com graduação em História pela Universidade Federal Fluminense, Fernanda concluiu o mestrado e doutorado em História pela mesma Universidade. Atualmente é professora Adjunta IV na Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui pós-doutorado pelo Institute of African Studies da University of Ibadan, na Nigéria, e também pelo Max Planck Institute, na Alemanha. É coordenadora do Laboratório de História Oral e Imagem da UFJF, na sessão Memória, Áfricas e Escravidão. Realiza pesquisas na área dos Estudos Africanos, com ênfase na história de Moçambique e da Nigéria a partir das seguintes temáticas: colonialismo, relações raciais, história social do direito, gênero, movimento de mulheres e memória. Desenvolve suas atividades de pesquisa, projetos de extensão e docência envolvendo a produção de materiais didáticos e audiovisuais.