Pesquisadores vinculados ao Laboratório de Herpetologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) são autores de um artigo científico que mapeia os acidentes causados por picadas de serpentes no estado de Minas Gerais – um problema de saúde pública que coloca o Brasil em terceiro lugar entre os países com maior registro desse tipo de ocorrência. Minas contribui para os números elevados, algo que pode estar relacionado à quantidade de trabalhadores rurais e à recorrência de atividades de agropecuária na região.
A análise do perfil epidemiológico dos acidentes ofídicos (ou seja, relativo às serpentes) visa embasar a criação e a implementação de estratégias eficientes para diminuir essas ocorrências e prestar socorro às vítimas. Em entrevista ao portal da UFJF, os pesquisadores adiantam como a população pode se prevenir e quais medidas o poder público pode adotar nas áreas mais afetadas.
Quando e onde acontecem os acidentes
Os pesquisadores utilizaram como base o Sistema de Informações de Agravos e Notificações (Sinan), criado pelo Ministério da Saúde, coletando dados registrados entre 2007 e 2019 sobre datas, perfil dos pacientes, tempo de atendimento após acidente, nível de gravidade e número de acidentes por município, mesorregiões e gênero de serpente. Ao todo, foram contabilizados 387.457 casos de acidentes ofídicos entre janeiro de 2007 até dezembro de 2019 no estado de Minas Gerais. Juiz de Fora ocupa a 598ª posição, representando 0,62% do número de registros.
Foram encontradas diferenças significativas entre os números de casos por ano e uma maior quantidade de ocorrências durante os meses chuvosos, entre janeiro e abril. As regiões com as maiores taxas de acidentes per capita estão associadas à maior concentração de população rural e agropecuária: o Triângulo Mineiro, o Alto Paranaíba e o Norte de Minas. Já as regiões com as menores taxas são a Zona da Mata e o Oeste de Minas.
O ano com o maior número de registros de acidente foi 2018: 51.257. Já o menor foi 2007, com 16.005 casos contabilizados. “Encontramos diferença significativa entre o número de casos por ano, com aumento dos registros ao longo dos anos”, compartilham os pesquisadores.
Como prevenir?
O pesquisador Filipe Gomes de Almeida, um dos autores do artigo, explica que a prevenção passa pelo conhecimento sobre o comportamento das serpentes. Ele detalha que as jararacas e cascavéis, por exemplo, se enrodilham e armam o bote. “Uma vez que você entende um pouco desse comportamento defensivo delas, a chance de se acidentar acaba diminuindo, visto que, quando alguém se depara com uma dessas cobras armando o bote, mas mantém distância, não há muito perigo; a serpente provavelmente irá fugir após algum tempo.”
Já em situações em que a serpente entra dentro de residências, o cenário pede outros tipos de resposta. “Deve ser feita a chamada dos órgãos responsáveis para fazer a retirada do animal, como o Corpo de Bombeiros, por exemplo. Além disso, redobrar a atenção durante a época mais quente do ano, visto que as serpentes possuem maior atividade por ser a estação reprodutiva e quando há maior oferta de alimentos.”
O pesquisador Henrique Costa, coordenador do Laboratório de Herpetologia da UFJF, frisa que nenhuma serpente vai, por “maldade”, picar qualquer pessoa. Ele adianta medidas simples para evitar acidentes:
“Uma medida que pode ser tomada, principalmente pelo poder público das áreas mais afetadas, é fazer campanhas de conscientização da população rural, incentivando os trabalhadores rurais a usar equipamentos de segurança – como as perneiras, que servem como uma proteção extra em uma eventual tentativa de mordida da serpente”, adianta Filipe Gomes de Almeida.
O que fazer caso você sofra uma picada de serpente
Henrique Costa reforça que o soro é o único remédio eficaz contra o veneno de uma serpente. Em caso de acidente, vale seguir as recomendações:
Perfil das vítimas
Em sua maioria, as vítimas mais acometidas são homens de 20 a 60 anos, o que coincide com o perfil da maioria dos trabalhadores rurais. Os registros dos acidentes apontam que 96,12% das pessoas picadas apresentaram quadro de cura. “A alta porcentagem de cura pode estar relacionada à agilidade do atendimento, como, também, ao fato da maior proporção de casos leves e moderados no estado”, ponderam os pesquisadores.
Já os óbitos, por sua vez, são 597, representando 0,15% dos casos, o que significa uma média de 45,9 mortes por ano entre 2007 e 2019. Dentre os óbitos confirmados, 490 não apontam qual foi o gênero da serpente responsável pela picada; nos restantes, o gênero Bothrops, das jararacas, foi registrado como causador de 70 ocorrências, enquanto o gênero Crotalus, da cascavel, foi responsabilizado por 35. “Houve ainda dois óbitos relacionados a serpentes não peçonhentas, as quais não apresentam nenhuma identificação taxonômica.”
Ações humanas impactam na ocorrência de acidentes ofídicos
O autor Filipe Gomes de Almeida elucida que, a partir do conhecimento ecológico, é possível inferir que alguns fatores causados por humanos podem inflar os números de acidentes com serpentes. Ele também acredita que o impacto causado pela ação humana deve ser melhor investigado. “Sabemos que ao destruir o ambiente natural dos animais, seja por queimada, desmatamento ou até mesmo para a expansão de algum empreendimento, diminuímos o habitat deles. Portanto, a oferta de alimento e abrigo acaba diminuindo e há mais competição por esses recursos. Consequentemente, há uma migração para as áreas urbanas na tentativa de encontrá-los.”
Pesquisa é feita em parceria
O artigo que mapeia os acidentes causados por picadas de serpentes em Minas Gerais foi publicado no Journal of Environmental Analysis and Progress. O estudo é assinado por dois pesquisadores colaboradores do Laboratório de Herpetologia da UFJF, Filipe Gomes de Almeida e Victor Gomes de Almeida – ambos são irmãos e se graduaram pela UFJF.
Filipe – que, atualmente, faz mestrado em biologia evolutiva na Uppsala University, Suécia – informa que a ideia da pesquisa surgiu do pesquisador Matheus Neves, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que orientou o trabalho. “Acredito que a ideia e inspiração veio a partir do artigo publicado pela nossa colega de profissão, Karoline Ceron, o qual aborda o perfil dos acidentes ofídicos no estado de Santa Catarina e utilizou o mesmo banco de dados que nós.”
O pesquisador também reconhece que a equipe, ciente de como os acidentes ofídicos impactam a vida de milhares de pessoas em Minas Gerais, se motivou a realizar o estudo. “Em Minas, possuímos uma grande área de extensão e com diversas espécies de serpentes peçonhentas. Dessa forma, pensamos que entender melhor o padrão de acidentes em nosso estado possa ajudar no desenvolvimento de políticas públicas para a prevenção e também um atendimento mais eficaz nos casos de acidentes.”
Estudo está alinhado aos ODS da ONU
A Coordenação de Divulgação Científica da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), está promovendo uma estratégia de fortalecimento das ações de pesquisa da Universidade, mostrando que estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Os ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. A pesquisa apresentada nesta matéria está alinhada ao ODS 15 (Vida terrestre). Confira a lista completa no site da ONU.