“Eu acredito é na rapaziada,
Que segue em frente e segura o rojão.
Eu ponho fé é na fé da moçada,
Que não foge da fera e enfrenta o leão.
Eu vou à luta com essa juventude,
Que não corre da raia a troco de nada.
Eu vou bloco dessa mocidade,
Que não tá na saudade e constrói a manhã desejada.”

 

Cesar Augusto Lopes Maciel sempre teve o sonho de entrar na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Aos domingos, quando criança, ele vinha constantemente ao campus para andar de bicicleta e percebia a grandeza do espaço sob a ótica e o sonho de um menino que estudou a vida toda em escola pública. Hoje, aos 20 anos, é graduando do curso de Licenciatura em História e militante da União da Juventude Socialista (UJS), além de compor a atual gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e atuar nos diálogos dos discentes com o Conselho Superior (Consu) e o Conselho Setorial de Graduação (Congrad) da UFJF.

É possível ver Cesar andando de um lado para outro no campus, seja nas reuniões dos Conselhos, seja em manifestações em prol dos direitos dos estudantes, seja panfletando na frente do Restaurante Universitário (RU) ou frequentando as aulas nas salas do Instituto de Ciências Humanas (ICH). Para ele, o seu papel como aluno, e como cidadão, é defender a universidade pública, a ciência, o ensino e a tecnologia.

Para Cesar Maciel, o Dia do Estudante é dia de luta, assim como todos os outros em busca de melhor educação, com mais acesso e capacidade de transformação (Foto: Alexandre Dornelas)

“Hoje entendo Sócrates quando ele afirma que ‘quem não pensa é pensado pelos outros’. A universidade nos fornece elementos para sermos pensadores. E, como graduando, tenho certeza de que não só meu lado profissional, mas também o pessoal, estão sendo moldados. Vivemos na UFJF um momento em que alunos e alunas não estão conseguindo nem pagar o RU ou o transporte. Cada vez mais, o filho do pedreiro e da empregada doméstica se afasta da Universidade e é por causa disso que precisamos transformar o Dia do Estudante em uma data de luta”, afirma Cesar.

O graduando em História é um dos personagens escolhidos para a matéria que celebra o Dia do Estudante, comemorado neste 11 de agosto, que se tornou mais uma vez histórico pela manifestação de apoio ao Estado Democrático de Direito em leitura conjunta realizada por instituições de todo país. A data é celebrada no Brasil há quase 100 anos e foi sugerida em 1927 em homenagem ao centenário de fundação dos dois primeiros cursos de ciências jurídicas do país, em agosto de 1827, durante o reinado de D. Pedro I. Mas Cesar lembra que, para os estudantes, não basta comemorar. É preciso refletir e ir à luta contra os cortes das verbas destinadas à infraestrutura dos campi universitários.

Cortes orçamentários refletem no cotidiano dos estudantes

Mais do que nunca, os versos da canção “E vamos à luta”, de Gonzaguinha, que abrem essa reportagem, fazem sentido, ao acompanhar a história desses estudantes que estão à frente de movimentos da UFJF. A música do cantor e compositor carioca foi apresentada ao público no ano de 1980, quando o Brasil ainda lutava contra o regime ditatorial instaurado desde 1964. Fundamental neste combate pela recuperação do regime democrático no país, o movimento estudantil foi protagonista, através da União Nacional dos Estudantes (UNE) e de outras entidades, no cenário da transição política brasileira, principalmente nos últimos anos da década de 70. 

Nos tempos atuais, as movimentações estudantis têm voltado o foco para as políticas de ações afirmativas e de permanência nas universidades públicas – um cenário que não se apresenta favorável às instituições públicas de ensino superior. Em audiência realizada no último dia 5, o reitor da UFJF, Marcus David, revelou dados que são alarmantes para a manutenção dos apoios aos discentes. Segundo a fala do reitor, o Governo Federal destinou, em 2012, um montante de R$ 7,2 bilhões para a UFJF. Já em 2022, apenas R$ 4,8 bilhões, sendo que esses valores começaram a diminuir drasticamente a partir de 2017.

Tal redução de verbas reverbera nos recursos originados do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que tiveram redução total de 20,25% no período entre os anos de 2016 e 2022, passando de R$ 20,6 milhões para R$ 16,4 milhões. Na prática, isso significa restrição à capacidade de manter as políticas de assistência estudantil.

Mateus Botelho lembra que os cortes das bolsas estão afetando a produção científica do país (Foto: Alexandre Dornelas)

Além disso, os recursos destinados às bolsas acadêmicas também tiveram uma redução sistemática entre 2016 e 2022, caindo de R$ 16,7 milhões para R$ 12,5 milhões, o que representa um arrocho de 25,28%. Tais dados se tornam motivo de preocupação para muitos estudantes da UFJF e para órgãos de representação como o DCE e a Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos (APG) da UFJF. Matheus Botelho é, atualmente, do setor de políticas institucionais da APG. Em 2017, começou sua formação em Engenharia Civil na Universidade e, em 2021, se tornou mestrando no PPG em Economia. 

Foi ao ingressar na pós-graduação que ele percebeu a necessidade de reorganizar a associação dos pós-graduandos da UFJF. Para se ter uma ideia, em 2022, os PPGs somam um contingente de 3.391 matriculados, entre mestrandos e doutorandos. “Precisamos deixar este legado para a Universidade e também para a sociedade brasileira, que nos mantém e da qual fazemos parte. Temos essa responsabilidade política enquanto estudantes. Temos aqui um grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade, cujo ingresso foi se dando ao longo desses últimos 15 anos, quando foram implementadas as políticas de ações afirmativas e de assistência estudantil, sobretudo na graduação”, relembra Botelho.

O representante da APG destaca ainda a importância de tais políticas nos programas de pós-graduação, que garante maiores condições de acesso ao mercado de trabalho, sobretudo diante de um quadro de altos índices de desemprego – 9,8% no primeiro trimestre de 2022, segundo dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Pensando nisso, as políticas de ações afirmativas nos programas de pós-graduação foram uma conquista. Mas ainda é preciso garantir a permanência desses estudantes na pesquisa científica. Precisamos, por exemplo, reajustar as bolsas, que estão, há nove anos com o mesmo valor (R$ 1,5 mil para mestrandos; R$ 2 mil para doutorandos). Devemos lutar pela valorização desses estudantes enquanto pesquisadores científicos e enquanto indivíduos. E isso é parte das ações da APG como movimento”, ressalta Botelho.

Histórico de lutas

O primeiro DCE fundado no Brasil foi o Diretório Central dos Estudantes Mário Prata, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no ano de 1930, diante do golpe de Estado daquele ano que derrubou o regime da República Velha. O Diretório da UFRJ é anterior até mesmo à UNE, fundada em 1937. Após a perseguição durante a ditadura, finalmente, em 1985, com a redemocratização do Brasil, foi promulgada a Lei 7.395, que reconhece os DCEs como representações legítimas dos estudantes nas instituições de ensino superior.

Para Jordana Mello, pautas como a autonomia das mulheres e as ações afirmativas são importantes para tornar a universidade mais diversa (Foto: Alexandre Dornelas)

Na UFJF, a história do DCE começa em meados dos anos 1961, antes mesmo da federalização das cinco faculdades (Direito, Farmácia e Odontologia, Engenharia, Medicina e Economia) que deram origem à Universidade no ano de 1960. Sob a liderança do DCE, naquela época, alunos promoviam inúmeras palestras seguidas de debates, seminários e programas sobre a necessidade da criação de uma Universidade em Juiz de Fora. A campanha do DCE ainda contava com um memorial com dados estatísticos sobre as faculdades e sobre a cidade, que foi enviado a todos os deputados e senadores pedindo apoio para a aprovação da Lei 3.858, que federalizava a UFJF.

Sessenta e dois anos depois, as lutas do DCE seguem envolvendo a defesa da universidade e da educação pública, sobretudo em tempos de cortes orçamentários. É no que acredita Jordana Theodora Almeida Castor de Mello, dirigente do Kizomba, movimento estudantil que, inclusive, indicou Jordana para a coordenação geral do DCE. Aluna do curso de Ciências Econômicas e orgulhosa da vitória de chegar a uma universidade pública e de poder representar sua família neste espaço, Jordana compõe a atual gestão “Todo Mundo no DCE”.

Ela elenca algumas causas pelas quais o Diretório vem lutando. “São importantes para nós pautas como a autonomia das mulheres e as ações afirmativas para colorir e enegrecer a Universidade, bem como a questão da mobilidade urbana. Esses são pilares para a autonomia da juventude dentro destes espaços públicos”. Segundo dados da Coordenadoria de Assuntos e Registros Acadêmicos (Cdara), 18.900 estão com matrícula ativa nos cursos de graduação da UFJF. E, para Jordana, é preciso uma remobilização dos movimentos como corpo estudantil após os mais de dois anos de pandemia.

“É preciso fazer com que a convivência e a comunicação dentro dos campi da UFJF sejam readaptadas, no sentido de acompanhar o tamanho dos nossos sonhos: lutar por melhorias, por conquistas dentro da nossa Universidade, tão importante para a cidade de Juiz de Fora”, afirma a representante do DCE.