As transformações no mercado de trabalho, impulsionadas pelo advento da pandemia, geram também mudanças nas características valorizadas por empresas em relação aos funcionários. Habilidades antes consideradas deixam de ser prioritárias e as capacidades socioemocionais são cada vez mais apreciadas. Essa é uma das conclusões dos estudos do professor Ricardo da Silva Freguglia, coordenador do Laboratório de Estudos Econômicos (Econs) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
O principal foco da pesquisa está nas desigualdades (salariais, educacionais, sociais) com um olhar específico sobre o mercado de trabalho e os reflexos desse desequilíbrio persistente na sociedade brasileira. Segundo Freguglia, o mercado de trabalho é dinâmico por natureza, com momentos de crescimento e recessão, de acordo com o ciclo econômico. É importante entender como funciona esse mercado e quais habilidades são necessárias para ser considerado um bom profissional.
“É preciso olhar para o tipo de necessidade por parte das empresas que contratam e também identificar aquela atividade que o trabalhador sabe desempenhar com maior produtividade. O conhecimento dessas habilidades se torna cada vez mais relevante com o desenvolvimento tecnológico, a máquina vem fazendo muitas atividades que as pessoas faziam. Então as atividades mais valorizadas, de acordo com pesquisas recentes, têm sido as habilidades socioemocionais voltadas para o mercado de trabalho”, informa o professor, que também é um dos coordenadores do Núcleo Interinstitucional de Estudos em Trabalho e Economia Social (Nietes) e docente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Economia.
Para o professor, profissionais que tenham capacidades socioemocionais bem desenvolvidas terão maiores chances, ao contrário de pessoas mais “rotineiras, repetitivas ou mesmo manuais”, que podem ser substituídas pelo desenvolvimento tecnológico. Essa tendência da economia mundial foi catalisada pela chegada da pandemia. “Determinadas mudanças tecnológicas aconteceram de maneira muito mais rápida do que a gente esperaria se fossem em um período sem pandemia, por exemplo”.
De acordo com os estudos de Ricardo Freguglia e outros economistas que se dedicam ao tema, não é possível medir a produtividade de um profissional sem apurar outras questões relacionadas à formação prévia do indivíduo antes da entrada no mundo profissional.
A desigualdade de rendimentos pode ser explicada por meio de uma desigualdade também na formação como ser humano. Para o professor, analisar a discrepância salarial com base exclusivamente na produtividade é como avaliar a fotografia de uma corrida na linha de chegada: sem analisar a prova desde a largada e as possibilidades de preparação anteriores à prova.
Dentro dessa analogia, precisamos olhar o preparo para a corrida: “como são as condições socioeconômicas, familiares que podem dar suporte e incentivos corretos aos indivíduos quando ainda não são trabalhadores, enquanto ainda são crianças. O estudo dos trabalhadores no mercado de trabalho envolve uma abordagem por parte dos economistas, que vai desde a gestação, por exemplo”.
O correto acompanhamento do pré-natal é fundamental para a saúde posterior da criança e, consequentemente, no seu grau de produtividade no trabalho. Segundo Freguglia, estudos voltados para a primeira infância (faixa de zero a seis anos) apontam que essa é a época do desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Na sequência vêm as habilidades cognitivas – desenvolvidas na escola. Com a devida evolução nesses quesitos, essa criança torna-se um adulto mais produtivo no mercado de trabalho.
“Trabalhador mais produtivo tem rendimentos maiores e, consequentemente, promove um crescimento da economia como um todo e do país. Então é importante olhar para todas as desigualdades do ciclo de vida do indivíduo que vai se tornar trabalhador no futuro, para intervir em determinados momentos, de modo a corrigir falhas que acontecem nesse processo – a que chamamos de desigualdades”, sintetiza.
Percurso profissional é condicionado à situação econômica
De acordo com Freguglia, é preciso avaliar o percurso profissional de acordo com as condições econômicas no momento da entrada no mercado de trabalho. Existem ciclos econômicos de crescimento e de recessão. Nos períodos de crescimento, surgem políticas que treinam os trabalhadores para serem mais produtivos. Quando a fase é recessiva, são necessárias as medidas “contracíclicas”, para amenizar o desemprego.
“Alguns exemplos de pesquisas nessa linha envolvem o estudo dos egressos de determinados colégios e universidades que ingressam no mercado de trabalho em diferentes momentos econômicos. Aqueles que ingressam em um momento mais favorável têm maiores chances de serem bem sucedidos que outros que ingressam em momentos menos favoráveis em termos econômicos.”
Os impactos dessas políticas públicas podem ser medidos por diversas pesquisas. Freguglia, por exemplo, cita as análises sobre a adoção de cotas nas universidades e o desempenho dos estudantes cotistas em seus cursos e no mercado. Essas informações devem subsidiar a gestão de recursos públicos.
“Isso dá uma boa dimensão de como a política está sendo executada. Medir esse impacto, com corretas ferramentas de mensuração, é muito importante para entender outros efeitos que poderiam se misturar com os impactos das políticas e sejam, de fato, isolados. Desta forma, é possível saber o real efeito das iniciativas e aprimorá-las. Um exemplo está relacionado ao programa Bolsa Família, atualmente chamado de Auxílio Brasil: para sabermos se focalização do público-alvo, que deveria ser o mais pobre, está sendo feita de maneira adequada para que os recursos sejam direcionados para a diminuição da pobreza e da extrema pobreza, com impactos econômico-sociais para esses indivíduos”, avalia.
Pesquisa está alinhada aos ODS da ONU
A Coordenação de Divulgação Científica da Diretoria de Imagem Institucional, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (Propp), está promovendo uma estratégia de fortalecimento das ações de pesquisa da Universidade, mostrando que estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Os ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
A pesquisa sobre os assuntos tratados nesta matéria estão alinhadas com os ODS 1 (Erradicação da pobreza), 3 (Saúde e Bem-Estar), 5 (Igualdade de gênero), 8 (Trabalho decente e crescimento econômico) e 10 (Redução das desigualdades). Confira a lista completa no site da ONU.