Junho é comemorado mundialmente como o Mês do Orgulho LGBTQIA+. Para fechar o mês, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) preparou a campanha “Nossos Corpos São Políticos”, que contou com a participação de alunos, alunas e alunes de seus cursos de graduação e pós-graduação. O objetivo da campanha é celebrar a diversidade de corpos que compõem a sigla que representa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Travestis, Queers, Intersexos, Agêneros e Assexuais, Não Binários e todos, todas e todes que fazem parte da comunidade.
A origem da data se deu nas primeiras horas da manhã do dia 28 de junho de 1969, na cidade de Nova York (EUA), onde se viu uma verdadeira revolução acontecer na frente do bar Stonewall. Travestis, drag queens, lésbicas e gays enfrentaram policiais que, frequentemente, promoviam batidas e revistas em estabelecimentos gays da cidade. A Rebelião de Stonewall, como ficou conhecida, teve duração de seis dias e foi o marco inicial da luta pelos direitos LGBTQIA+ nos Estados Unidos e no mundo. É a partir deste evento que as marchas pela luta da comunidade tiveram início e permanecem conhecidas até hoje como as Paradas do Orgulho LGBTQIA+.
Este acontecimento influenciou outras partes do planeta, como no Brasil. É o que conta o professor da Faculdade de Serviço Social e coordenador do Centro de Referência de Promoção da Cidadania LGBTQI (CeR-LGBTQI+), Marco José Duarte. “No nosso país, é importante demarcar nossos 43 anos de movimento LGBTQI+, como também os vários enfrentamentos em diversas conjunturas políticas, principalmente em contexto de ditadura civil-militar-empresarial. Duarte, que também coordena grupo de estudo na temática, declara-se ativista dos direitos das pessoas LGBTQIA+, participando do debate público desde 1980.
Celebrar e, sobretudo, refletir sobre a diversidade e a representatividade de corpos LGBTQIA+ é o mote da campanha da UFJF para o Mês do Orgulho. A estudante do Instituto de Artes e Design (IAD) Anna Karina Moreira define o slogan da ação Nossos Corpos São Políticos: “Acho que todos os corpos são políticos, a partir do momento em que a convivência com o próximo, a sociedade e a época o moldam. Porém, existe uma diferença grande de como esses corpos são tratados, recebidos afetivamente, socialmente e institucionalmente. Há minorias que precisam mais de políticas públicas para poder existir, ir e vir”, declara a aluna de 25 anos, mulher trans, com muito orgulho.
O contato que permite avançar para uma Universidade mais plural
À Anna Karina se junta o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Física, Wellerson dos Reis, 26, que enxerga a Universidade como um ambiente que permite a troca de experiências entre pessoas totalmente diferentes. “Nesse convívio conheci pessoas que foram e são inspirações, sendo muito importante no meu processo pessoal de me entender enquanto LGBTQIA+. A simples existência de pessoas da comunidade nesses espaços dá forças e esperanças”, acredita, afirmando que se sente confortável na UFJF, inclusive, para demonstrar afetos homoafetivos sem medo de sofrer violência.
Para a estudante da Faculdade de Comunicação (Facom) Ianna Rodrigues, 22, o sentimento é o mesmo: “Quando entrei aqui, de alguma forma, já sabia que encontraria outras pessoas como eu. Corpos como o meu, que fogem da heteronormatividade, da cisgeneiridade e de outras caixas impostas socialmente. No meu caso, não performar feminilidade e ser LGBT fazem com que meu corpo não seja somente pele, ossos e músculos, mas, sim, uma manifestação política do que sou e daqueles que são como eu. O tempo todo, nossos corpos estão em combate”.
A evolução no aumento da representatividade, pluralidade e liberdade de corpos LGBTQIA+ no ambiente universitário também é percebida pela ouvidora especializada em Ações Afirmativas e professora da Faculdade de Medicina (Famed) da UFJF, Danielle Teles da Cruz. Mulher negra e lésbica, Danielle foi aluna da UFJF e entrou na graduação no ano de 2003. “Tais avanços são provenientes da militância e têm permitido transformações jurídicas, legislativas e sociais que possibilitam romper com os silenciamentos e invisibilidades. Consequentemente, há uma tendência de que as pessoas possam expressar suas identidades e orientações. Assim, elas se reconhecem, se declaram. Contudo, vale destacar que a nossa representação ainda é baixa.”
O professor da Faculdade de Educação (Faced) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed), Anderson Ferrari, reafirma a importância dos movimentos LGBTQIA+ para as conquistas até agora. “A Universidade é um reflexo da sociedade, reflete e contribui para os avanços. A presença de pessoas LGBTs nestes espaços se dá à medida que as organizações sociais constroem imagens mais positivas das pessoas LGBTs e, sobretudo, quando combatem o olhar negativo sobre esses corpos. Isso possibilita que as pessoas tenham orgulho de suas identidades de gênero e orientações sexuais.”
Política também se faz com o combate ao preconceito
Ferrari ainda avalia que a própria chegada de pessoas LGBTQIA+ nas instituições de ensino superior é um ato de resistência. “As escolas são muito LGBTfóbicas, dificultam a vida dos alunos e alunas. E, ao chegarem às universidades, ainda precisam combater práticas de discriminação e preconceito. Por isso, é preciso garantir a entrada, a permanência e a saída desses estudantes.”
A garantia de permanência, para Paulo de Tarso, 27, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, só é possível com o combate a tratamentos indevidos, velados ou explícitos. “A Universidade deve ser por essência um lugar inclinado à diversidade, mas sabemos que, na prática, não é bem assim. Não só no que diz respeito a questões LGBTfóbicas, mas em relação a posturas machistas e até mesmo fascistas.”
Por conta disso, Danielle ressalta o papel fundamental da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas como instrumento de denúncia, controle e participação social. “As ouvidorias têm como premissa a compreensão do indivíduo como um sujeito de direito. O órgão do qual sou representante é um lugar privilegiado para a promoção da democracia e da efetividade dos direitos humanos da população LGBTQIA+. É por meio da ouvidoria especializada que as manifestações e reivindicações são institucionalizadas e, assim, agem nas transformações culturais e educativas.”
Neste 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTQIA+, portanto, é preciso reforçar a Universidade como espaço plural, mas também como lugar de resistência e produção de conhecimento por parte de pessoas que fazem parte da comunidade. Para que alunos, alunas e alunes como Anna Karina, Reis e Tarso possam experienciar tudo o que a UFJF pode proporcionar. Para que docentes LGBTQIA+ como Marco, Danielle e Anderson possam desenvolver suas pesquisas e projetos, assumir cargos de liderança e seguir trabalhando no combate à LGBTQIAfobia. Para que pernas sigam tremendo de emoção e não de medo, para que mãos fiquem suadas de excitação e não de receio nos primeiros dias de aula de muitos estudantes.