Uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi citada em um artigo de autoria da vencedora do prêmio Nobel de Química de 2020, a pesquisadora Jennifer Doudna, assinado em conjunto com demais colegas da Universidade de Berkeley (EUA). O estudo desenvolvido em Juiz de Fora identificou uma das causas que provoca resultados inconclusivos em testes RT-qPCR – técnica de alta sensibilidade para detectar coronavírus – e indicou como otimizar uma reação química para reduzir a incidência de diagnósticos indefinidos e de falsos positivos. “Esse fato causava apreensão nos pacientes pela demora no resultado final, além de sobrecarregar a equipe e exigir maior gasto com materiais”, afirma o pesquisador Frederico Pittella, professor do Departamento de Ciências Farmacêuticas da UFJF e um dos autores da pesquisa.
O trabalho é fruto direto de uma ação estratégica da Universidade: em abril de 2020, com o reconhecimento de qualidade da Fundação Ezequiel Dias (Funed), dois laboratórios da UFJF começaram a realizar testes RT-qPCR para atender os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) da regional de saúde de Juiz de Fora, Leopoldina e Ubá. A partir de setembro de 2021, o Laboratório da Faculdade de Farmácia passou a concentrar todo o fluxo dos exames recebidos pela Universidade. Em meio a esse contexto, durante a rotina do serviço, os pesquisadores identificaram que, em alguns casos, o método RT-qPCR – recomendado pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) norte-americano e utilizado mundialmente – fornecia resultados inconclusivos, o que demandava novos testes ou até mesmo uma nova coleta de amostra.
Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores da UFJF para explicar a recorrência de resultados inconclusivos foi relacionada ao conjunto de reagentes (primers e sondas) escolhidos pelo CDC para amplificar um dos genes do vírus para o diagnóstico. Verificou-se que, em amostras negativas, esses reagentes tendem a se combinar e formar dímeros – o que resulta em um sinal inespecífico no PCR e, com isso, torna o diagnóstico inconclusivo.
Por sua vez, o trabalho produzido pela professora Doudna desenvolveu um kit multiplex para diagnóstico de Covid-19 que envolve vários reagentes, recomendados pelo CDC, para alvos do SARS-CoV-2. Como o grupo da UFJF já havia verificado que o uso de primers do gene N2, também indicado pelo próprio CDC, gerava resultados inconclusivos em função da formação de dímeros, os pesquisadores da Califórnia escolheram reagentes distintos. Por isso, o trabalho brasileiro foi determinante para a condução do estudo desenvolvido pelo grupo da professora Doudna – que, em 2020, tornou-se a sétima mulher da história a receber o Nobel de Química.
“Conseguimos identificar o motivo de inúmeros exames de Covid-19 inconclusivos e, com isso, otimizar a reação para que esse número reduzisse significativamente”
Pittella conta que todos do grupo receberam a notícia da citação com grande surpresa e honra. Por mais que objetivo dos pesquisadores fosse contribuir com o serviço de saúde em um momento crítico da pandemia, o reconhecimento pelo trabalho foi motivo de celebração. “Sabíamos que vários laboratórios estavam com dificuldades devido aos exames inconclusivos. Quando conseguimos ajustar as condições de análise para melhorar o exame, sabíamos que eram achados de extrema importância e tínhamos consciência de que os mesmos deveriam ser publicados o mais rápido possível para ajudar no processo de diagnóstico de diversos centros. No entanto, jamais esperávamos este reconhecimento tão grande através da citação.”
Mais conquistas da ciência – e da UFJF – contra o coronavírus
A Faculdade de Farmácia, assim como outros setores da UFJF, atua em diversas frentes no combate à pandemia. Aliada aos mais de 23 mil exames entregues pela unidade, pesquisadores desenvolveram uma nova tecnologia para extração de ácidos nucleicos que reduz o tempo de análise, os custos e a carga de trabalho. Esta tecnologia já se encontra no mercado de reagentes e a ação da equipe do diagnóstico rendeu ao grupo, representado pelo professor Olavo dos Santos Pereira Júnior, a Medalha Juscelino Kubitschek em 2020. O prêmio é a maior honraria concedida pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Os professores da Faculdade também desenvolveram, em um momento de escassez de matéria-prima, a formulação de álcool em gel baseado em natrosol, conseguindo atender às necessidades da Universidade e de parte do sistema público de saúde. Ao todo, foram aproximadamente cinco mil quilos de álcool em gel produzidos e distribuídos.
O professor Frederico Pittella reforça a importância do Laboratório de Biologia Molecular na Faculdade de Farmácia para toda a comunidade científica e acadêmica. De acordo com o pesquisador, o espaço abre uma nova perspectiva para realização de pesquisa de alto impacto em diversos campos da área da saúde – como farmacogenômica, epidemiologia, terapia gênica, farmacodinâmica, engenharia genética e vacinas. “É um laboratório que, hoje, nos possibilita realizar pesquisa, ensino e extensão com altíssima qualidade. E nos permite também continuar com nosso principal propósito, que é servir a comunidade.”
Outras informações:
Estudo da UFJF – Adjusting RT-qPCR conditions to avoid unspecific amplification in SARS-CoV-2 diagnosis
Faculdade de Farmácia (UFJF)
Faculdade de Farmácia implementa laboratório de Biologia Molecular