Comemorado no dia 29 de outubro, o Dia Nacional do Livro foi instituído nesta data em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, em 1810. Sendo a primeira biblioteca brasileira, ela é localizada no município do Rio de Janeiro e foi constituída a partir da transferência do acervo da Real Biblioteca Portuguesa para o país. Mais de dois séculos depois deste acontecimento, o livro continua sendo um instrumento importantíssimo na promoção do conhecimento e do entretenimento no país e no mundo.

A leitura está relacionada com a possibilidade de contemplação, de percepção, de analisar uma outra temporalidade, Alexandre Faria

Diante das transformações digitais e sociais ocorridas nos últimos 60 anos, é imprescindível destacar o lugar primordial que o livro continua ocupando. Para Alexandre Faria, professor da Faculdade de Letras, mesmo que o Brasil sempre tenha tido poucos leitores por sua própria formação social, a formação de um leitor se dá pelo hábito. “Diante de uma ampla margem de analfabetos na população brasileira, meios audiovisuais, como o rádio e a televisão, por exemplo, foram mais privilegiados. Por consequência, ambos tiveram maior alcance que os meios impressos.” Faria lançou em 2021 o livro “Prenda – Versos livres para crianças livres”, ilustrado pelo estudante do ensino fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII, German Perez. 

Faria também destaca a importância do convívio com a língua escrita, uma vez que a leitura provoca uma percepção distanciada e crítica da realidade: “A leitura é uma saída para a compreensão crítica do mundo, de si mesmo, um tipo de interação totalmente diferente. Seja porque é mais solitária, requer mais ócio, tempo livre mesmo. E isso está sendo colocado em xeque hoje em dia pelos recursos tecnológicos, que produzem informações em uma velocidade monstruosa. É um excesso de informação, e a leitura é algo que não nos coloca necessariamente com a informação. Ela está muito mais relacionada com a possibilidade de contemplação, de percepção, de analisar uma outra temporalidade”, explica.

Clubes de leitura e assinatura de livros em alta

Ao mesmo tempo que as redes digitais podem ser um empecilho à leitura, elas também podem contribuir para o estímulo das atuais e futuras gerações. Além dos livros digitais, popularmente conhecidos como e-books, outra tendência que se reafirmou durante o período da atual pandemia são os clubes de leituras. Susana Reis, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, pondera que o aumento vertiginoso na procura desses clubes se deu também pela comodidade: “Com livrarias e bibliotecas fechadas nos momentos mais graves da pandemia, receber um livro em casa foi uma aposta segura para os leitores. Além disso, as pessoas começaram a ter mais tempo para ler, pois passaram a ficar o dia inteiro em casa. Outro ponto é que alguns clubes possuem comunidades de discussão. Assim, mesmo em suas próprias casas, as pessoas conseguem se conectar com outras, criando uma comunidade afetiva”, comenta.

Ela ainda explica que um Clube de Leitura pode ser encarado como uma experiência diferente, devido ao fato de que na maioria deles existe uma curadoria que escolhe o livro para os assinantes, o que estimula muito a leitura. Do outro lado da moeda, existem “youtubers” e influenciadores digitais que buscam promover desde obras mais clássicas até livros recém lançados. Em meio a visões críticas à atual massificação promovida pelas redes sociais, Faria comenta que as mídias audiovisuais sempre contribuíram para este processo, mas aponta que é desnecessário fazer um juízo de valor no sentido de condenar essas leituras. “Acredito que qualquer leitura é um passo à frente”, conclui o professor.

Novas perspectivas e rumos do leitor brasileiro

Susana, que tem sua tese de doutorado focalizada na ressignificação da experiência dos leitores de clubes de assinaturas de livros, aponta que contabilizou mais de 50 clubes de assinatura dos mais diversos segmentos em suas pesquisas, sejam eles do gênero infantil, da literatura clássica, africana, ou de livros inéditos no Brasil. “Acredito que seja um setor que cresce bastante no Brasil. Dessa forma, eu, pessoalmente, vejo os clubes de assinatura como algo positivo, pois as pessoas podem ter experiências novas de leitura. E existem clubes para todos os gostos, de todos os preços”, indica.

De acordo com dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, lançada no ano passado, apenas 52% dos brasileiros leu um livro ou parte dele em 2019. Em 2015, eram 56%; algo que aponta que o Brasil está perdendo leitores. Portanto, “se os influenciadores estão fazendo as pessoas lerem mais, isso pode ser um bom sinal. E, muitas vezes, os livros mais famosos são aqueles que vão abrir caminho para um leitor cada vez mais diversificado e crítico. Existem diversos estudos que mostram como a leitura desses livros podem abrir portas para a leitura de livros cada vez mais complexos”, aponta a discente.

Faria também vê como positiva a retomada dos clubes de leitura: “Eu não vejo nada de negativo. Pelo contrário, só vejo como positivo – ao ponto de que existe uma tradição que foi retomada agora. Nos anos 80, existia uma coisa que era chamada de Círculo do Livro. As pessoas vendiam livros de porta em porta, levavam uma revista para os associados e por ela eles poderiam escolher quais livros queriam; comprando um livro por bimestre pelo menos como uma obrigação do associado. Isso disseminou a leitura de uma forma impressionante, muitos leitores hoje (inclusive os que moram nas periferias, distantes das livrarias) se formaram por esse evento. E a volta desses clubes, dessas ações, significa muito para a manutenção das pequenas editoras que não conseguem chegar às grandes livrarias, e que podem oferecer um conteúdo diferenciado e com uma curadoria mais sistematizada”, conclui.