Avisos não faltaram: foi isso que demonstraram os convidados para a mesa-redonda “A situação da pandemia no Brasil”, sediada nesta sexta-feira, 23, na 73ª Reunião Anual da SBPC. Ao longo dos últimos meses, diversos pesquisadores e institutos de pesquisa alertaram autoridades brasileiras sobre quais seriam as medidas comprovadamente indicadas para lidar com o Sars-CoV-2 e, além disso, quais seriam as possíveis consequências da má condução do controle do cenário pandêmico. Reunidos para a mesa-redonda, um grupo representativo desses pesquisadores, incluindo um ex-ministro da Saúde, apresentou a atual situação da pandemia no país e discutiu as ameaças que se avizinham nas próximas semanas.

Coordenada pela pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante da SBPC, Helena Nader, a mesa-redonda contou com a participação de José Gomes Temporão (ex-Ministro da Saúde), Gonzalo Vecina (Fundação Getulio Vargas), Ligia Bahia (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Pedro Fernando da Costa Vasconcelos (Instituto Evandro Chagas).

“Crise social, econômica, sanitária e ética”

O ex-ministro da Saúde e integrante da Fiocruz, José Temporão, assinalou a persistência da fragmentação e da descoordenação no combate à pandemia no Brasil. “A desigualdade estrutural e as iniquidades continuam determinando o padrão de adoecimento e morte, e a Covid-19 continua afetando predominantemente os mais vulneráveis. Nunca tivemos uma abordagem intersetorial da pandemia.” O pesquisador também criticou o posicionamento anticientífico adotado por profissionais da saúde. “Infelizmente, parte dos médicos segue a receita suicida do negacionismo e o Conselho Federal de Medicina, de modo vergonhoso, também mantém-se nessa posição.”

Estudo apresentado à CPI alerta sobre responsabilidade por milhares de mortes evitáveis

A pesquisadora Lígia Bahia é uma das autoras do estudo apresentado à CPI da pandemia em 23 de junho de 2021. O documento formaliza o alerta sobre as milhares de mortes evitáveis por Covid-19, que, de acordo com a pesquisadora, poderiam ter sido poupadas por políticas públicas de alcance populacional, ações e serviços de saúde. “As estimativas fundamentadas em cálculos sobre o excesso de óbitos e impactos de medidas populacionais sugerem que, até o fim de março deste ano, pelo menos 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas, se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas, tivesse sido implementada.”

Ao fim de sua fala, a pesquisadora também compartilhou as recomendações endereçadas aos membros da CPI. “Sugerimos ao Senado Federal que recomende a convocação de uma frente nacional, em caráter urgente e excepcional, para o enfrentamento da pandemia no âmbito do SUS, com representação multissetorial e interpoderes, bem como a adequação de dimensão, abrangência e responsabilidades do SUS frente aos atuais e aos futuros desafios epidemiológicos.”

Tempestade no horizonte: a variante Delta

Tanto Gonzalo Vecina quanto Pedro Vasconcelos frisaram em suas falas um ponto em comum: a preocupação com a variante Delta do Sars-CoV-2, considerada mais transmissível e apontada como responsável pelo aumento do número de casos em mais de um país, mesmo com o avanço da vacinação em cada região. “No horizonte, nós temos mais tempestades. A Delta deve substituir a variante Gama em países como o próprio Brasil. Mesmo nações com alta cobertura vacinal estão com um número de casos elevados – embora, graças à proteção vacinal, o número de mortes esteja reduzido”, pondera Vecina.

“Ao que tudo indica, teremos uma nova onda epidêmica”

Vasconcelos ecoa a preocupação do colega e afirma que, nas próximas semanas, será possível verificar se a variante aumentou a gravidade e a transmissibilidade no Brasil. O pesquisador adianta, no entanto, que, “ao que tudo indica, teremos uma nova onda epidêmica”. Vasconcelos também apresentou números alarmantes referentes ao nosso continente. “O continente americano continua sendo a região com o maior número de casos, seguido do sudeste da Ásia – lá é onde está concentrada a maior população do planeta e, mesmo assim, eles têm menos casos e mortes do que o registrado nas Américas que, em junho, reunia 43% dos casos do mundo.”

Ameaça à democracia é mais um risco

Vecina também ressalta a inquietação acerca das ameaças à democracia brasileira. “Nós estamos em risco também sob esse aspecto; como cidadãos e pesquisadores, e também por meio de instituições civis organizadas, temos que colocar, de forma dura, nossa posição de defesa da democracia.” Ao final da mesa-redonda, Helena Nader sugeriu o encaminhamento das reflexões para a própria SBPC, de forma que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência pudesse assumir uma posição de cautela e preocupação frente ao atual cenário. 

73ª Reunião Anual da SBPC

O evento conta também com programação Jovem e Família, além de eventos culturais ao longo de sua duração. Toda a programação e a cobertura dos eventos estão reunidas no hotsite da 73ª Reunião Anual da SBPC na UFJF.

Confira a mesa-redonda “A situação da pandemia no Brasil”