A necessidade de se fomentar uma “Mentalidade Antártica” entre estudantes e pesquisadores brasileiros, bem como a importância da ciência desenvolvida no continente gelado, nortearam as discussões do painel on-line que tratou do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), nesta terça-feira, 20, na 73ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Por suas condições únicas, como temperaturas que chegam a -65°C, Antártica ocupa papel central para a ciência (Foto: Pixabay)

A Antártica possui uma área de 14 milhões de quilômetros quadrados – o que equivale a cerca de 8% da extensão de todo o planeta – e é o último continente descoberto pelo homem. Por suas condições únicas, como as temperaturas extremas, que podem atingir -65°C no inverno, o local ocupa papel central para a ciência. “As pesquisas desenvolvidas lá significam avanços para áreas como saúde, agricultura, energia e alimentação, por exemplo”, elenca o professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Câmara.

Conforme destaca o contra-almirante Antonio César da Rocha Martins, atual secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, os fenômenos observados na Antártica impactam diretamente na dinâmica dos outros continentes. “Muitas frentes frias que chegam ao Brasil originam-se lá. Fenômenos extremos, como a alteração do nível do mar, também podem ser estudados a partir da Antártica.”

A pesquisa desenvolvida pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria Beatriz de Barros Barreto, demonstra o potencial e a diversidade científica da Antártica. O trabalho busca analisar as algas do local, que, apesar das condições extremas, mantêm-se vivas. “Produtos algáceos são utilizados na biotecnologia, em cosméticos e na indústria farmacêutica, de modo geral. Analisar a biodiversidade, a bioquímica metabólica, os fatores abióticos e as estratégias de sobrevivência é fundamental”, diz.

Já a pesquisadora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Maria Virginia Petry, pontua que a América do Sul é o continente mais próximo da Antártica, a cerca de mil quilômetros de distância, e, por isso, sofre diferentes influências climáticas. A pesquisa desenvolvida por ela aborda o papel das aves como sentinelas dos impactos globais. “Por meio das aves podemos estudar ecologia espacial, alimentar e reprodutiva, e contaminações por poluentes e saúde animal. Inclusive, é possível mapearmos como vírus ou patógenos estão sendo transportados entre continentes através delas”, explica a cientista.

Papel geopolítico e desafios
O Proantar é considerado hoje um programa de excelência internacional, tendo em vista seu papel no desenvolvimento científico e na preservação ambiental e sua importância geopolítica. O Brasil conta, desde 2020, com uma nova base no continente antártico. A nova Estação Antártica Comandante Ferraz foi construída após um incêndio ter destruído a estrutura anterior, em 2012. “Apesar do incêndio, as pesquisas nunca pararam. A base foi reconstruída com 17 laboratórios, e isso dá um recado muito forte para a comunidade internacional”, salienta Câmara.

Contudo, apesar dos avanços, muito ainda pode ser feito para aprimorar o alcance e a conscientização a respeito das pesquisas conduzidas. A avaliação é do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos líderes científicos do Proantar, Jefferson Cardia Simões. “Convivemos com irregularidades no financiamento para a ciência, e os investimentos estão muito aquém do recomendado para a proporcionalidade ‘ciência, logística e apoio’. Além disso, se não melhorarmos a educação básica, com o desenvolvimento de uma mentalidade científica e antártica, não adianta pensarmos no Brasil do futuro”, ressalta.

Para Simões, o país ainda peca ao não viabilizar oportunidades para os recém-doutores que não conseguem ser inseridos no mercado. “Estamos perdendo centenas de doutores, inclusive muitos que desenvolveram suas teses com temas antárticos, mas não conseguem prosseguir com suas carreiras. Isso acontece também pela crise causada com o corte de bolsas, especialmente as de pós-doutorado, pela Capes e pelo CNPq. Precisamos entender que casa vazia não faz Ciência.”

 O evento
A reunião conta também com programação Jovem e Família, além de eventos culturais ao longo de sua duração. Todas as informações estão reunidas no hotsite da 73ª Reunião Anual da SBPC na UFJF.

Confira o debate na íntegra