Frente à complexa realidade social da população em situação de rua, estudantes e docentes do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV) realizam pesquisas e ações solidárias no projeto ‘A rua é noiz’. Instituído como uma rede interinstitucional de amparo a essa população na cidade, o projeto teve início em março deste ano, e, mesmo durante a suspensão das atividades presenciais da Universidade, promove iniciativas de apoio e assistência a essa população.
Entre os objetivos, destacam-se a formação e o estabelecimento de uma rede interinstitucional e interdisciplinar de ajuda e atenção às vulnerabilidades da população em situação de rua, bem como uma atuação articulada com as organizações existentes que canalizam suas operações a essa parcela da população, a sociedade civil organizada e comunidade acadêmica. A atuação do projeto se pauta nas temáticas de redução de danos ao uso de drogas, promoção da saúde, rastreio e prevenção de doenças infectocontagiosas, direito à cidade e arquitetura hostil, no sentido de minimizar a marginalização e garantir direitos de cidadania.
“A pandemia traz à tona o desafio dos setores e políticas assistenciais e da saúde na implantação de estratégias de intervenção efetivas e que de fato assistam as diversas necessidades dessa população. Iniciativas como essa são importantes e evidenciam a preocupação da UFJF com este importante problema social, que certamente se agravou em Governador Valadares, município polo da região, na pandemia da Covid-19”, destaca a professora Waneska Alves.
Coordenado pelo professor do Departamento de Medicina da UFJF-GV, João Paulo Moreira, o ‘A rua é noiz’ é composto por quatro frentes de atuação: Comunicação, voltada para partilhar as ações do projeto nas redes sociais; Pesquisa, voltada para capacitação interna, realização de cursos e produção científica; Estruturação da Rede, cujo objetivo é conhecer a rede atual e fortalecê-la, a partir da busca por parceiros externos, facilitando a interação entre os serviços, rastreando demandas e buscando ferramentas para saná-las; e as ações junto à população, com a busca pela efetivação da garantia dos direitos da população em situação de rua e o seu o acesso à saúde.
“As ações virtuais têm o objetivo de sensibilizar toda a comunidade acadêmica e valadarense para a causa. Com o período pandêmico, temos buscado minimizar os danos à população em situação de rua, facilitando, por exemplo, o acesso a máscaras. Esperamos que, com o retorno das atividades presenciais, possamos dar uma assistência a esse público, bem como que o período atual de capacitação e organização auxilie para que ações longitudinais possam ser implementadas”, relata Waneska, vice-coordenadora da iniciativa.
Equipe multidisciplinar para ações integradas
O projeto é formado por estudantes dos cursos de Direito, Medicina, Nutrição e Odontologia da UFJF-GV, e conta com a colaboração de docentes dos departamentos de Medicina, Farmácia, Economia e Direito. Durante o período de suspensão das atividades presenciais, o grupo tem promovido encontros e traçado parcerias junto a órgãos que já participam da rede em GV, como o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), a Equipe Consultório na Rua e a Pastoral de Rua de Governador Valadares.
O envolvimento de representantes dos diferentes departamentos da UFJF-GV reforça o caráter interinstitucional da política de atenção e assistência à população em situação de rua. Segundo o docente do Departamento de Direito, Braulio Magalhães, a intenção é evidenciar um tema que deve ser encarado por todas as instituições, inclusive a Universidade: “mobilizar os sujeitos, os atores na esfera municipal, envolvendo setores da iniciativa privada, a sociedade civil, além dos movimentos e coletividades para um tema que exige esse alinhamento de todos os atores. A ideia é evidenciar essa rede, ofertar capacitações e envolver experiências, além de momentos de escutas aos setores municipais que atuam com esse público”.
Entre os momentos de compartilhamento de experiências já realizados, Braulio destaca rodas de conversa promovidas com profissionais de GV e com integrantes de programas de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, além de organizações da capital. “É interessante visualizar e extrair aprendizados que outras pessoas tiveram em outros locais; fizemos isso com programas de GV, das secretarias de assistência e saúde, e profissionais envolvidos, para compreender experiências em curso e identificar organizações coletivas que já atuam nessa rede de atenção. A proposta é manter encontros, reuniões de trabalho e intervenções, no fomento a uma organicidade institucional e também social que a temática exige”, finaliza.
Conhecimento coletivo na rede social
Na rede social do “A rua é noiz”, a equipe compartilha conteúdos como direito à cidade, direitos humanos e coletivos, além de abordagens sobre a nomenclatura usada para se referir à população em situação de rua. Em uma das postagens, o grupo informa sobre a chamada arquitetura hostil observada atualmente nos espaços urbanos (bancos públicos com divisórias, cercas, arames e grades em perímetros de praças e gramados, além da instalação de pedras e lanças em áreas livres e embaixo de viadutos). Como consequências dessa arquitetura hostil, temos a intensificação do preconceito, o acesso dificultado à população em situação de rua, além da degradação física e mental dessas pessoas.
Para a estudante de Medicina da UFJF-GV, Débora Pazini, a população em situação de rua não é um fenômeno recente no Brasil, e apesar de toda essa raiz histórica e de todos os movimentos que lutam para promover dignidade a tais pessoas, principalmente a partir dos anos 2000, é uma população profundamente marginalizada e violentada. “Se eu fosse resumir a importância das ações do projeto em uma palavra seria a desconstrução. As ações promovidas pelo projeto buscam desconstruir o processo de exclusão e sofrimento, não só ao promover soluções pontuais e individuais, mas também ao discutir pautas como direito à cidade, direitos fundamentais, redução de danos, redução das desigualdades e promoção da justiça. Acredito que o desenvolvimento de pesquisas para compreender melhor a determinação social em tal público, de ações de educação popular em saúde e de combate a iniquidades são fundamentais por parte da comunidade acadêmica”, relata.
A poucos semestres de ingressar na carreira profissional, a estudante do oitavo período reconhece o impacto positivo das ações do projeto em sua formação: “Como futura médica, creio que participar do projeto enriquece muito a minha prática profissional, influenciando diretamente no meu relacionamento com meus pacientes e sensibilizando o meu olhar para promover um projeto terapêutico que realmente seja eficaz, me tornando não só uma profissional melhor, mas uma pessoa melhor também”, finaliza Débora.
Outras informações
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