De acordo com os dados da pesquisa Covid-19 and Obesity: An Epidemiologic Analysis of the Brazilian Data (Covid-19 e obesidade: uma análise epidemiológica dos dados brasileiros), desenvolvida pela pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Jacy Gameiro, o vírus potencializa que pacientes com obesidade cheguem a óbito mais novos que indivíduos sem a comorbidade. O estudo também mostra que o fator de risco está associado a um aumento na necessidade da internação nas Unidades de Terapia Intensivas (UTIs) e do uso do suporte ventilatório para quem está hospitalizado.

O trabalho aponta que, desde o início da pandemia, outras pesquisas já mostravam que o número de pacientes que requerem cuidados intensivos, assim como o número de mortes, é maior entre os indivíduos acima dos 60 anos de idade. No entanto, as investigações também demonstraram que algumas doenças preexistentes podem ser consideradas fatores de risco, como, por exemplo, hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. Embora a obesidade não tenha sido relatada anteriormente entre as principais comorbidades relacionadas à Covid-19, tem um papel importante no desenvolvimento da doença e alcança um pior prognóstico.

O estudo mostra que o desenvolvimento de formas graves da doença em pacientes com obesidade pode ser atribuído a diferentes mecanismos. A obesidade apresenta o que é denominado de estado de inflamação de baixo grau, com a produção desregulada de citocinas inflamatórias, as mesmas relacionadas aos casos mais graves de Covid-19. 

De acordo com o estudo, a obesidade foi a única comorbidade que não apresentou diferença no número de óbitos entre os grupos de pacientes divididos em maiores e menores de 60 anos.

“Uma proteína muito importante para a entrada do vírus na célula, conhecida como ACE2, também está presente no tecido adiposo, além de outros tecidos do corpo. Indivíduos com obesidade podem apresentar desbalanço na resposta imunológica, no sistema endócrino, risco cardiovascular alto e função pulmonar comprometida. Ainda, é importante considerar que podem apresentar outras comorbidades associadas, como diabetes e hipertensão, o que a colocam em grupo de risco para a Covid-19”, explica Jacy.

Lembrando que hoje, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra Covid-19, é considerada “pessoa com comorbidade” aquela que possui obesidade mórbida, ou seja, que tem Índice de Massa Corpórea (IMC) maior ou igual a 40. De acordo com a pesquisadora, o estudo mostra que aquele indivíduo obeso (IMC acima de 30) já corre risco e já deve ser observado. “É insuficiente que só os obesos mórbidos tenham entrado nos grupos vacinais, porque o sobrepeso (IMC 25 a 29)  já causa um desbalaço na resposta imunológica e um nível de metainflamação, que pode estar relacionado com quadros graves de Covid-19”.

Características clínicas e demográficas de mortalidade

Entre as percepções da pesquisa, encontram-se as características clínicas e demográficas de mortalidade da doença no Brasil. A análise incluiu um total de 182.700 pessoas infectadas pelo coronavírus e, entre o total de óbitos confirmados – o equivalente a 61.829 mortes -, 58% eram pessoas do sexo masculino e 74% dos pacientes tinham 60 anos ou mais. O estudo ainda destaca que o maior número de falecimentos ocorreram entre indivíduos com doenças cardiovasculares, seguido dos diabéticos, hipertensos, pessoas com doenças crônicas nos rins, com doenças neurológicas crônicas, pneumáticos, obesos, pessoas com imunossupressão, câncer e asma, respectivamente.

A pesquisadora explica que o estudo foi desenvolvido sob análise de um banco de dados e que os mecanismos biológicos que são responsáveis pelos resultados encontrados neste estudo ainda não estão totalmente evidenciados pelos cientistas. “Desde o início da pandemia, estudos mostraram que a idade é um importante fator de risco, indicando que o número de pacientes que necessitam de cuidados intensivos, assim como número de óbitos, é maior entre indivíduos com mais de 60 anos. Vimos que, de todas as comorbidades associadas a Covid-19, a obesidade foi a única que não apresentou diferença no número de óbitos entre os grupos de pacientes divididos em maiores e menores de 60 anos.”

Além disso, ao analisar as idades dos pacientes com e sem obesidade, o estudo percebeu que indivíduos com a comorbidade morreram mais jovens do que os demais. “Esses resultados, juntamente com outros estudos de diferentes países, indicam que a obesidade, como um fator de risco para Covid-19, fica mais evidente na população mais jovem. Uma das explicações é que ela é bastante presente entre os mais novos e, também, que os distúrbios de resposta imunológica, endócrina e cardíaca observados na adiposidade conseguem ser bastante prejudiciais independente da idade.”

Jacy ainda acrescenta que os desbalanços imunológicos na obesidade independem da idade para desfavorecer a resposta, uma vez que esta inflamação crônica de baixo grau é instalada na adiposidade. “Se for um indivíduo obeso, metabolicamente não saudável, a idade não será um diferencial”, conclui.

Idade e sexo

Outro objetivo do estudo foi investigar como os óbitos causados pela Covid-19 eram distribuídos, considerando a idade e o sexo dos pacientes. Nessa perspectiva, a análise aponta que as mulheres com obesidade, que morreram acometidas pela doença, são mais velhas do que os homens que viviam com a comorbidade.

“Este foi um dado interessante, como nosso tratamento dos dados foi estatístico, algumas inferências podem ser feitas. Analisando as idades de óbitos de pacientes com obesidade, observamos uma diferença entre homens e mulheres”, ressalta a professora. “Essa diferença pode ter relação com a menopausa. Nessa fase acontecem mudanças hormonais importantes que alteram a distribuição de gordura no corpo da mulher, provoca um aumento do tecido adiposo visceral e que pode desencadear todas as consequências do desbalanço inflamatório”, acrescenta.

O estudo também registra que a obesidade está associada a um aumento na necessidade da internação nas UTIs e do uso do suporte ventilatório para os pacientes hospitalizados. “Os indivíduos com obesidade têm resposta imunológica alterada, esta denominada metainflamação é a base para alterações metabólicas e cardiovasculares importantes, que torna a própria obesidade um fator de risco associado a diabetes e hipertensão, por exemplo”, esclarece Jacy.

Essa reação acontece pois indivíduos com obesidade apresentam disfunções endoteliais e vasculares que estão intimamente relacionadas com riscos cardiovasculares importantes que envolvem a inflamação e respostas pró-coagulantes que podem definitivamente contribuir para as complicações observadas. “Assim, o conjunto das alterações metabólicas podem levar a este quadro mais grave observado em obesos. Vale ressaltar que esse público também é grupo de risco para Influenza”, finaliza Jacy.

Metodologia

O material foi obtido a partir de dados públicos da base Sars 2020, registrado pelo Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe, disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Foram utilizadas as informações de idade, sexo, ausência ou presença de comorbidade, dados sobre óbitos/cura e também a necessidade de admissão em UTIs e uso do suporte ventilatório. Além disso, foram analisados somente elementos dos casos confirmados de Covid-19, que então foram tratados estatisticamente de forma apropriada para serem reportados.

O estudo, publicado no International Journal of Endocrinology, contou com a colaboração dos pesquisadores Jacy Gameiro, Victória Ribeiro, Ana Gualberto e Fernanda Peres da UFJF; Diego Assis Gonçalves e Michaela Luconi da Universidade de Florença – Itália; e Fernanda Peres, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Confira o artigo na íntegra:

Covid-19 and Obesity: An Epidemiologic Analysis of the Brazilian Data

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