Longa é falado em português, tukano e tikuna, e ganhou o Leopardo de Ouro de Melhor Ator para o indígena Regis Myrupu, no Festival de Locarno, na Suíça (Foto: Divulgação)

Atração do primeiro encontro promovido pelo Cinemamm deste ano, a diretora, roteirista e artista visual Maya Da-Rin traz ao público on-line um pouco de sua contribuição para o cinema brasileiro e internacional. Aos 42 anos, já consolida uma trajetória de duas décadas de realizações, com prêmios que evidenciam seu sucesso em relatos sobre diferentes realidades, a exemplo do longa-metragem ficcional “A febre”, de 2019, no qual enfoca a cultura indígena de modo a despertar a empatia do público pela essência de seu conteúdo.

Com mediação da  produtora audiovisual e integrante da equipe do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Karina Orquidia, o projeto tem especial edição na próxima quinta-feira, dia 22, às 19h, em seu canal no YouTube, contando também com a participação da atriz indígena Rosa Peixoto, que interpreta a jovem e promissora Vanessa de “A febre”. 

“Em um cenário que é de desmonte da cultura, o Cinemamm continua sua trajetória com o objetivo de tornar acessíveis todas as trocas com pessoas que pensam e realizam o cinema brasileiro”, comenta Karina, convidando o público a participar do encontro virtual cujo enfoque é “A febre”. Ela chama atenção para o fato de o longa abordar uma série de questões indígenas prementes.

Karina aponta, principalmente, a questão da representação indígena, evidenciando o contraste entre o que é estereotipado e o que é real em pleno século XXI. “Eles estão atuando na medicina, no direito, em todos os setores”, ressalta, lembrando que a atual situação desses grupos étnicos é de risco e se agrava diante da pandemia de Covid-19. “O filme é muito atual e sinaliza para a série de desmontes que enfrentamos em nosso país.” 

Ecos essenciais

Maya Da-Rin destaca a importância de participar de uma iniciativa voltada para a sétima arte no país, especialmente durante uma pandemia que tem demandado uma reflexão profunda sobre as nossas concepções de mundo e as formas de organização da sociedade. “Nesses tempos tão duros, é importante que o cinema ainda possa ser um momento de encontro e troca, mesmo que virtual, para pensarmos sobre o mundo que construímos e aquele que desejamos construir.” 

Ainda sob o efeito do reconhecimento conquistado pelo filme de 2019, a cineasta não para e já tem planos para o futuro. “Estou desenvolvendo dois curtas-metragens e um novo projeto de ficção de longa-metragem, que espero conseguir realizar apesar de todas as adversidades e os desafios que este momento apresenta.” 

“A febre”

O longa é falado em português, tukano e tikuna, rendendo, entre outras premiações, o Leopardo de Ouro de Melhor Ator para o estreante indígena Regis Myrupu, no Festival de Locarno, na Suíça. Com grande parte do elenco pertencente ao povo da nação Desana, Tukana e Tariana, do Alto Rio Negro, no Amazonas, o filme também arrebatou o Fipresci, da Federação Internacional de Críticos de Cinema, e o “Enviroment is Quality of Life” concedido pelo júri jovem, abrindo espaço para que a narrativa da diretora ganhasse voz internacional. 

A obra disputou mais de 60 festivais e foi laureada com 30 prêmios, dentre eles o de Melhor Filme nos festivais de Pingyao, na China; Biarritz, na França; IndieLisboa, em Portugal; Mar del Plata, na Argentina; Punta del Este, no Uruguai; Janela Internacional do Recife, no Brasil. Venceu ainda como Melhor Direção no Festival Internacional de Chicago, nos Estados Unidos, e no Festival do Rio. Brilhou no 52º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, arrebatando as categorias Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Fotografia e Melhor Som. 

Disponível em plataformas de streaming como Netflix, Vivo Play, Youtube, Google Play, Apple TV, iTunes, “A febre” tem recomendação para maiores de 10 anos. A história aborda a trajetória de Justino, indígena do Amazonas que há 20 anos vive em Manaus, onde trabalha como segurança nas instalações portuárias. A filha Vanessa passa no vestibular de Medicina para a Universidade de Brasília, mas enfrenta dúvidas entre seguir os estudos e deixar o pai em meio a uma febre desconhecida. Em paralelo, estranhos ataques a animais são manchete nos noticiários locais.

Caminho próprio

Filha de dois importantes cineastas brasileiros, Sandra Werneck e Sílvio Da-Rin, Maya seguiu um caminho próprio, destacando-se por mergulhar em diferentes faces da identidade latino-americana, na qual ressalta a força e a importância das influências da colonização, explorando a dinâmica fluída das fronteiras entre os países do continente. Seus curtas e longas, assim como as instalações artísticas, participaram de festivais e centros culturais, com apresentação em países como Portugal; França; Inglaterra; China; Canadá; Estados Unidos; México; Cuba; Argentina; e Uruguai. 

Em seu currículo, destacam-se os curtas “E agora, José?”, de 2002, sobre a cultura oral em uma comunidade rural mineira; “Margem”, de 2007, enfocando uma viagem a partir do Brasil até o Peru; “Versão francesa”, de 2011, com foco no encontro entre dois estrangeiros em um hotel de Paris, partindo de diálogos de filmes franceses; além do longa documental “Terras”, de 2009, abordando os meandros da fronteira tríplice entre Brasil, Colômbia e Peru, e o já citado “A febre”, de 2019.

Entre as instalações que Maya realizou estão “Horizonte de eventos” e “Camuflagem”, obras aclamadas pela crítica e pelo público. No ano passado, a cineasta integrou o júri do 4º Festival Internacional de Pingyao, na China, participando também como jurada do 16º Festival de Santa Maria da Feira, em Portugal, e dos seguintes eventos brasileiros: XXIV Forumdoc.bh; VI Semana de Cinema; e XVIII Festival de Curtas do Rio de Janeiro.