A disponibilidade de espaços de lazer está relacionada a uma perspectiva de divisão sócio-espacial que é percebida em grande parte das cidades brasileiras – inclusive em Juiz de Fora. É o que aponta o artigo “A territorialização dos espaços de lazer em Juiz de Fora: direito ou privilégio?”, do Laboratório da Paisagem (Lapasa), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pesquisa foi publicada no 1º Simpósio Brasileiro de Cidade, Paisagem e a Natureza, promovido, entre os dias 2 e 4 de dezembro, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Pesquisa identificou 121 espaços públicos na zona urbana de Juiz de Fora, sendo 28% deles concentrados na região central, justamente a de menor área territorial (Imagem: Mapa criado pelos autores do trabalho a partir do Google Earth)

No trabalho, o mestrando em Ambiente Construído, pela Faculdade de Engenharia da UFJF, Cleyton Luiz da Silva Rosa, e os graduandos em Arquitetura e Urbanismo, Natália Rosa Fantin e Yann Souza Okada, identificaram 121 espaços públicos de lazer na zona urbana do município, sendo que 28% deles estão concentrados na região central – justamente aquela que apresenta menor área territorial. Para se ter ideia do retrato da desigualdade ilustrada pelo artigo, a Zona Norte dispõe de uma área de lazer para cada 528 hectares de território, enquanto no Centro há um espaço de lazer para cada 32 hectares.

“Os resultados sugerem a diferença da inserção e da distribuição de espaços públicos e de lazer na cidade, de acordo com o valor da terra. Áreas mais nobres tendem a ter mais espaços dessa natureza, explica a líder do grupo de pesquisa, Luciane Tasca, professora do Departamento de Projeto, História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo da FAU.

Ausência de dados
O levantamento utilizou-se da divisão em regiões adotada pela Prefeitura em 2018 – quando o trabalho foi iniciado – e investigou a cidade com a ajuda do Google Earth, assumindo diferentes escalas, além de se valer de análises pelo Google Street View e, em alguns casos, das visitas presenciais. Foram investigados espaços públicos e abertos de lazer, excluindo, assim, ambientes fechados como galerias e museus. 

Segundo Natália, o objetivo central era lançar luz sobre um tema ainda obscuro no que diz respeito à cidade enquanto ambiente de lazer para as pessoas. “No final de 2018, demos início aos trabalhos com a motivação de investigar um ponto não explorado no município. A falta de dados sobre os espaços de lazer em Juiz de Fora nos impulsionou a traçar um ponto de vista sobre o tema.”

Nesse sentido, considerando os 121 espaços de lazer encontrados de acordo com a metodologia adotada, percebeu-se que a região central é onde mais se concentram os espaços de lazer, totalizando 34 (28,10% do total). O Centro é precedido da região Norte, com 26 (21,48%) e Sudeste, com 7 (5,78%). O estudo ainda aponta a região Oeste, com 10 espaços (8,26%) e a Nordeste, com 11 (9,10%), como as menos prestigiadas. 

Desigualdades
Cleyton Rosa ressalta que as regiões periféricas estão mais desassistidas no quesito do lazer em comparação às regiões centrais e suas adjacências, tanto da ótica de área de cobertura (em média) desses espaços, quanto por questões de infraestrutura. “Além disso, há uma tendência, por moda, a se alocar espaços de lazer em regiões onde o valor da terra é maior, como o Centro, Mariano Procópio, Granbery, Bom Pastor, Manoel Honório, Bairu, São Mateus e Alto dos Passos. Porém, existem exceções, como as regiões urbanas do Morro da Glória e Boa Vista, que possuem valor da terra com índices semelhantes a regiões urbanas que possuem, no mínimo, um espaço de lazer”, acrescenta.

De acordo com Luciane, a cidade é formada por um conjunto de forças e atores sociais que determinam a forma como o uso e a ocupação do solo urbano é realizada. “O Poder Público é o responsável por gerir esses sujeitos sociais e suas demandas e promover a igual distribuição dos benefícios urbanos”.

Lazer como direito
Clayton Rosa, por sua vez, afirma ser necessário um esforço no sentido de se identificar as localidades potenciais de lazer, públicas ou privadas, que sejam de relevância identitária para a população, para que desta forma haja incentivos por meio de políticas públicas para que os espaços sejam apropriados. “É preciso que nossos espaços públicos sejam vistos como ‘sementes’ para suas regiões e para cidade, unindo pessoas, propiciando a pluralidade e movimento da economia local. Essa ideia, do espaço para todos, é antagônica à política praticada atualmente, uma vez que ela tem direcionado as políticas e incentivos para regiões já privilegiadas ou áreas de interesse de investimento pelo mercado imobiliário”, critica.

Os resultados da pesquisa evidenciam uma lógica de caracterização desses espaços contrária ao texto da Constituição Federal, que estabelece o lazer como um direito do cidadão e um dever do Estado. “Possuindo uma concentração de espaços, por vezes de melhores qualidade, que subsidiam ou se entrelaçam às atividades econômicas comerciais, os zoneamentos nas cidades são um dos elementos que devem ser observados pela Administração Pública Municipal, uma vez que pode haver uma disparidade de provisão de infraestrutura urbana, impactando na injusta indução de atividades econômicas, condicionando o lazer à lógica do mercado, influindo no privilégio do consumo”, conclui.

Leia a íntegra do estudo

Outras informações
Laboratório da Paisagem – UFJF