Até a construção do campus, nos anos 1970, muitas histórias de lutas foram traçadas por inúmeros personagens resgatados pelo projeto UFJF 60 Anos

Desde o dia 23 de novembro de 1960, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) conta e reconta histórias de superação, transformação social, inclusão e de oportunidade para os mais de 68 mil estudantes que se graduaram pela instituição. Palco para tantas narrativas, sua história funde-se a de Juiz de Fora e nasce antes mesmo de Juscelino Kubitscheck assinar o decreto de federalização das faculdades de ensino superior da cidade.

Direito, Farmácia e Odontologia, Engenharia, Medicina e Economia foram as primeiras a integrar a recém-criada UFJF. Mas, para André Hallack, um dos personagens dessa trajetória, o desejo em ter uma universidade federal na cidade começou anos antes. 

Ex-professor da UFJF, André Hallack começou na antiga Faculdade de Engenharia e conta que, desde a década de 1940, a cidade já ansiava pela implantação de uma universidade na Princesinha de Minas. “A Escola de Engenharia de Juiz de Fora sempre foi um obstáculo para a consecução de uma universidade local. O diretor técnico da Escola, absurdamente vitalício no cargo, articulou no Congresso Nacional, para que a Escola fosse subvencionada pela União, assim, mantendo  o seu domínio sobre a instituição.”

Segundo Hallack, professores discordantes desse pensamento se afastaram e, logo em seguida, criaram a Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile) como ponto de partida para uma futura Universidade Católica. Além disso, esse grupo dispunha de posses financeiras para sustentar o projeto. “Nesse tempo, aconteceu a primeira greve dos estudantes, na turma que se formou em 1949, e foi liderada por Paulo de Lima Brandão.”

Greve estudantil na Engenharia

Hallack conta que, em 1958, o diretor técnico iniciou a edificação, onde seriam instalados os Cursos Técnicos. Sem orçamento suficiente, determinou que fosse cobrado dos estudantes de Engenharia uma pesada taxa de manutenção. O fato gerou uma grande revolta dos alunos, pois a Escola tinha subvenção Federal. “Em 14 de abril de 1959, com a presença de 180 dos 181 alunos matriculados, por unanimidade de votação, os acadêmicos de Engenharia se declararam em greve por tempo indeterminado contra os abusos da Direção e o afastamento do diretor técnico, assim como  da sua vitaliciedade.”

O movimento, liderado por João Herman Tozzato e Acácio Santos Júnior, alcançou  grande repercussão e foi apoiado por toda a cidade, pela comunidade acadêmica, pelo Clube  de Engenharia e se alastrou  em todo estado de Minas Gerais, obrigando o Governo Federal  a intervir  no processo. 

“Finalmente, depois de 60 dias, o presidente da República,  Juscelino  Kubitschek de Oliveira, ordenou ao Ministro  da  Educação, o afastamento  da Direção  Administrativa da Escola, e a extinção  do cargo de diretor técnico, como também  a sua vitaliciedade. A partir desse momento, a nova direção se integrou com as das outras Faculdades e juntas partiram para o projeto maior, a implantação da Universidade Federal de Juiz de Fora”, conclui Hallack.

Manifestação pela Medicina 

Outra das unidades precursoras do caminho a ser trilhado pela UFJF,  a Faculdade de Medicina foi criada em 1935, como uma associação civil sem fins lucrativos. Houve a promessa do governo do Estado de fornecer recursos, o que não ocorreu. O curso funcionou apenas por dois anos na Faculdade de Farmácia e Odontologia, mas as atividades foram interrompidas com a falta de investimentos.

Antiga Faculdade de Farmácia e Odontologia, em 1930, na Rua Espírito Santo

Entre 1950 e 1951 médicos da cidade e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) iniciaram um movimento pela reabertura da Faculdade e, em 1952, com o apoio do então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubistchek, os recursos necessários foram liberados para a reabertura do curso.

Entre os participantes do movimento, estava o ex-professor da Faculdade de Medicina, Aloysio Fellet. Ainda no terceiro ano científico – denominação antiga para ensino médio – no Colégio Granbery, conta que juntamente a quatro colegas e ao médico, João Fernandes, foi a Belo Horizonte, ao encontro de Juscelino Kubitschek, à época governador do Estado, solicitar apoio para reabertura da Faculdade. 

“Em 1953 foi autorizada a criação da Faculdade de Medicina de Juiz de Fora e em março foi realizado o seu primeiro vestibular. Tive a honra de ser o primeiro inscrito e um dos aprovados.” Após formado, foi aprovado no concurso para professor, em 1964, e obteve o primeiro lugar entre os cinco candidatos inscritos, sendo nomeado docente titular de Reumatologia da, já federalizada, Universidade Federal de Juiz de Fora. Ao longo da carreira, Fellet conseguiu desenvolver um trabalho reconhecido e formar um grande grupo  de profissionais da área. 

Ensino e pesquisa

Segundo o professor aposentado, José Luiz Ribeiro, quando Juscelino Kubitscheck resolve juntar todas as faculdades, a Universidade, indiscutivelmente, torna-se um ponto de importância nos campos do ensino e da pesquisa, pois ainda não existia a extensão. “Juiz de Fora era uma cidade com um bonde que deixava a gente na porta da Faculdade de Filosofia e de Letras (Fafile), mas que também poderíamos descer a pé para chegar até lá com muita tranquilidade. Eu diria que a cidade era muito feliz, com a era JK, todo mundo era muito alegre”, lembra.

Na época, Ribeiro era estudante de Jornalismo e conta que, entre 1965 e 1966, houve um grande movimento, liderado pelo professor Murílio de Avellar Hingel, para que a Fafile criasse novos cursos, como é o caso da Pedagogia, e também lutou para que ela se tornasse federalizada junto às demais que compunham a UFJF. “A junção foi uma alegria, pois lutava-se muito para essa conquista. Uma coisa interessante a se destacar é que eu passei duas vezes pelo processo de federalização de faculdades. A primeira, como aluno na Fafile, e a segunda junto a Faculdade de Serviço Social, que sofreu muito até completar o processo.”

Em um trecho documentado pelo referido professor, relata-se a satisfação, esforço e alegria ao ser implementada a federalização da Fafile junto a UFJF, diante de um cenário de luta e empreendedorismo. “Um trabalho de dedicação e entusiasmo com quedas e tropeços dos quais o ideal levantava-se mais forte, cujo único sustentáculo foi o idealismo que nunca morreu pôde levar avante uma luta de mais de 20 anos. Finalmente a recompensa chega e em 1º de julho de 1966, a Faculdade Filosofia e Letras de Juiz de Fora é, pela lei nº 5.060 de 1º julho de 1966, incorporada à Universidade Federal de Juiz de Fora.”, aponta.

Reforma universitária

Outro período marcante, após a federalização dos cursos, foi a Reforma Universitária. Realizada durante a ditadura militar, também conhecida como  Reforma Universitária de 1968, representa um período histórico em que uma série de leis alteraram o ensino superior no Brasil, entre os anos de 1960 e 1970. As medidas incluíam questões como a de substituição do sistema de Cátedras pelo de departamentos, institutos e centros e sobre a desintegralização das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Por meio deste ato, adotou-se o modelo americano de campus, em que instalações eram separadas e os prédios tinham funções delimitadas, segundo o racionalismo da arquitetura modernista.

Ribeiro explica que a Reforma Universitária surge em um momento em que os cursos não eram separados de forma seriada. Havia apenas uma grade que os estudantes deveriam seguir durante o ano todo, sendo que essa proposta seguia o pensamento de Darcy Ribeiro e, em seguida, foi aproveitada pelo regime militar, para evitar que as pessoas se relacionassem, pois o governo era muito preocupado com os movimentos estudantis. 

“Houve muito estudo para que essa reforma chegasse às universidades. Na UFJF foi muito rápida porque durante os anos de 1960, quando juntaram-se às diversas faculdades, logo em seguida foi construído o campus, e podemos notar que não havia muitos locais para possíveis aglomerações, como, por exemplo, bancos e tudo mais. O intuito era separar as pessoas”, explica o professor.

A proposta tinha muito a ver com as questões sobre a Brasília Nova, a criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS) e um espaço educacional em que o público infantil tinha aulas em tempo integral. “Me recordo que quando fui coordenador do curso, fiz questão de desenvolver os horários de forma que as turmas não se acabassem. Acreditava que estudantes do primeiro, segundo ou terceiro ano, atualmente, divididos em semestres, conseguiriam um rendimento maior, pedagogicamente falando”, observa Ribeiro.

O ex-diretor da Faculdade de Farmácia, Lucas Amaral, também relembra essa vivência na UFJF. “Eu me formei em dezembro de 1960, última turma da antiga Escola de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora. Uma semana depois, foi assinado o decreto de criação da Universidade de Juiz de Fora. No ano seguinte, depois de eu ser aprovado como bolsista da Capes no Rio de Janeiro, retornei e me tornei professor da UFJF. Na segunda metade da década de sessenta aconteceu a reforma universitária que, para mim, foi uma coisa tão importante quanto a criação da própria universidade. Fico feliz em ter a honra de participar de todos esses eventos, tanto como professor quanto como administrador.”

Outro ex-diretor, no caso da Faculdade de Direito, Paulo Medina, também de seu depoimento sobre a criação da UFJF, em 1960, época em que ainda era estudante.

Jogos universitários

Abertura dos Jogos Universitários (Foto: arquivo pessoal de José Luiz Ribeiro)

Os jogos universitários foram famosos em Juiz de Fora nas décadas de 1940, 1950 e 1960. A proposta, além de incluir o município no circuito de eventos esportivos, também promoveu um intercâmbio sociocultural entre os universitários, não apenas por meio das práticas desportivas, mas através dos desfiles, dos encontros, risadas e lembranças que ainda estão marcadas na história de quem participou das atividades.

De acordo com o médico formado em 1973, Hugo Borges, vários momentos marcaram sua passagem pela Faculdade de Medicina da UFJF, mas uma das lembranças mais marcantes era o momento do desfile de abertura das olimpíadas universitárias. “Juiz de Fora possuía poucos atrativos e eventos que pudessem reunir multidões. Eu me lembro de um desfile que era feito na Avenida Rio Branco em carros abertos, onde todos os atletas, representando todos os esportes e faculdades, compareciam com as delegações de cada desporto. Todos estavam devidamente uniformizados com as cores da sua faculdade  e era um evento realmente memorável. Movimentando toda a cidade, as praças de esporte e toda a população universitária ou não”, recorda.

Professor da Faculdade de Comunicação José Luiz Ribeiro, como aluno, durante os Jogos Universitários (Foto: arquivo pessoal José Luiz Ribeiro)

Quem também recorda dos Jogos Universitários é José Luiz Ribeiro. Segundo o professor, apesar da existência de poucos rapazes na Fafile, o que dificultava a criação de times para participar dos jogos, o momento de glória era a chegada dos desfiles das delegações. “Éramos massacrados pelas Faculdades de Medicina e Engenharia. Porém, na hora do espetáculo e dos desfiles isso era com a gente mesmo. Lembro de dois desfiles, um deles foi sobre Olímpia, o berço das Olimpíadas, todos vestidos de gregos e mesmo com o carrinho tendo quebrado, o desfile ainda foi vitorioso. O outro foi Esportes no Tempo das Nossas Avós.”

Planejamento do campus de Juiz de Fora

Nascida a partir de um momento de transição sobre os pensamentos e reflexões acerca do ensino superior no país, Juiz de Fora teve a oportunidade de receber uma universidade, em uma época em que priorizava-se as capitais, e a UFJF foi uma das 21 instituições de ensino superior criadas entre os anos de 1950 e 1960. A Cidade Universitária foi inaugurada em 1969, no reitorado de Gilson Salomão, e a UFJF foi a segunda universidade federal do interior do país a ser criada, sendo que a primeira foi implementada no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul. 

Para que fosse implementada na cidade, a Instituição recebeu a doação de um terreno da prefeitura, no entanto com a existência de uma cláusula que determinava a construção de uma escola elementar que atendesse a população infantil. A partir dessa proposta, em 8 de fevereiro de 1966, o Conselho Universitário aprovou a contratação do engenheiro Arthur Arcuri para desenvolver e capitanear a construção do campus universitário.

Segundo o relato de Arthur Arcuri ao acervo da Produtora de Multimeios da UFJF, quando o terreno foi cedido para a criação do campus, o reitor Moacyr Borges de Mattos criou uma comissão para definir quais trabalhos deveriam ser realizados. “Essa comissão foi formada por mim, pelo doutor João Villaça e pelo professor da Faculdade de Economia, Murilo Amaral. Fizemos uma visita ao terreno e nele não havia nada, nem ao menos árvores, apenas o lago. Embaixo da Biblioteca há uma nascente que foi drenada antes da construção do prédio”, detalha Arcuri.

O engenheiro explica que a criação do campus segue o modelo topográfico de Ouro Preto, seguindo a lógica de que os prédios seguem a topografia do terreno firme, com fundações normais, sem estacas para fazer com que fossem funcionais e econômicos, além de permitirem a criação de pátios internos perto das edificações das faculdades. “Coloquei os prédios dos institutos do lado direito do terreno [considerando a entrada pelo bairro São Pedro] e as escolas – antigo nome dado as faculdades – à esquerda. Mas a Escola de Engenharia ficou próxima aos institutos porque precisava de uma área maior. Na época, o Brasil estava se desenvolvendo e tudo fazia crer que a engenharia seria uma das profissões mais necessárias para o país”, explica.

Ainda de acordo com Arcuri, a criação do projeto do campus coincide com a fase da reforma universitária, mas, apesar da situação, o governo não interferiu no planejamento e nas obras da UFJF. Diante deste cenário, em meio ao regime militar, o consultor norte-americano Rudolph Atcon criou vínculo profissional com o país, e veio à cidade para orientar e esclarecer sobre o que era uma reforma universitária. “Esteve em Juiz de Fora, mas fez uma crítica favorável à UFJF, dizendo que ela estava melhor do que as demais. Além disso, teve um professor de São Paulo que dizia que era o melhor campus que ele já havia visto”, explica o engenheiro.

Memória do campus

Topografia no período de expansão da UFJF na década de 1970 (Foto: Roberto Dornelas, acervos pessoais e Arquivo Central da Universidade)

Nessa perspectiva, quem acompanhou o desenvolvimento do campus foi Roberto Dornellas. Ele atuou como repórter fotográfico na Instituição por 48 anos, entre 1966 e 1991 trabalhou oficialmente na Universidade, já entre 1991 e 2014, prestava serviços de freelancer. Segundo o colaborador, o principal desafio, iniciado pelo reitor, Moacyr Borges de Mattos, foi transformar aquele pasto no campus que  é hoje.

Entre as lembranças, Dornellas destaca o quanto a universidade era humanizada e diferenciada. “A foto que mais marcou a minha trajetória, foi no reitorado do professor Gilson Salomão, e representa a primeira picaretada no solo em que hoje se localiza o campus sede da UFJF. É importante lembrar que, apesar do professor Moacyr Borges de Mattos ter lidado com toda a parte burocrática, quem iniciou as obras foi Gilson Salomão. Essa obra, definitivamente, foi marcante para dar continuidade a esse trabalho de formar a Universidade.”

UFJF 60 anos

Para celebrar a data, a Diretoria de Imagem Institucional traz a proposta de recordar os mais diversos momentos vividos pela comunidade acadêmica ao longo dos 60 anos. A iniciativa consiste em envolver as pessoas da comunidade para compartilharem suas recordações pelo e-mail ufjf60@comunicacao.ufjf.br ou pelas redes sociais usando a #UFJF60anos. 

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*retificado às 10h40 do dia 20/10/2020, o nome de Murílio de Avellar Hingel