Para comunidades indígenas, ‘preservar o ambiente natural é preservar uma forma de vida’, conforme professor Daniel Pimenta (Foto: Alexandre Dornelas/UFJF)

Você já ouviu falar de jatobá, mulungu ou camboatá? Todas essas espécies de plantas nativas da Mata Atlântica possuem como semelhança a nomenclatura de origem indígena, um histórico de conservação e utilização por povos originários e podem ser encontradas no Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), localizado na Mata do Krambeck. Em comemoração ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado no último domingo, 9, o Jardim preparou uma lista com 6 espécies de plantas de nomes pertencentes à família linguística tupi-guarani.

O índios puris coroados povoavam a região da Zona da Mata e, a partir de um conhecimento detalhado manipularam a diversidade vegetal presente na bacia do Rio Paraibuna, domesticando plantas e paisagens. Como resultado desta relação com o ambiente, estes grupos alteraram drasticamente a estrutura e o funcionamento deste ecossistema e, dessa forma, deixaram um legado: a Mata Atlântica da qual o Jardim Botânico faz parte. Atualmente, existem cerca de 436 espécies de árvores, arbustos, ervas e outros tipos de flora no local.

O professor Daniel Pimenta, do Departamento de Botânica da UFJF, enfatiza a relação existencial das comunidades indígenas com o ambiente natural. “Essas etnias tratam o ambiente natural como parte integrante da sua formação. Preservar esse espaço é valorizar uma energia, uma forma de vida, além de desenvolver mais sensibilidade pelo ambiente natural. Isso observamos nas comunidades indígenas. A relação desses povos com as plantas é transdisciplinar, onde o seu uso vai além do medicinal de sintoma e cura, sendo usadas para banhos e aromatizadores”, explica o docente em vídeo institucional do Jardim.

Pimenta afirma que, durante batalhas várias plantas sagradas foram utilizadas com a função além da medicina. “No caso da copaíba (pau d’óleo), o seu óleo era usado como cicatrizante, mas, em momento de guerra, era passado no corpo com o intuito de deixá-lo escorregadio e se safar de uma emboscada, por exemplo.”

De acordo com o diretor do Jardim Botânico, Gustavo Soldati,  cerca de 95% das espécies da Mata Atlântica eram conhecidas pelas diferentes nações indígenas habitantes da costa brasileira, especificamente na região da nação, que hoje é reconhecida como Puris Coroados. As plantas nativas sobre os quais os povos indígenas, habitantes da região, possuíam conhecimento, têm como herança, além do nome ancestral, a influência no processo de domesticação das espécies e da paisagem. “Hoje a ciência explica que, sem a presença desses povos originários, as espécies tinham seguido outro caminho evolutivo. O que temos foi muito influenciado pelas pessoas que já viveram aqui. Mais do que o nome e os conhecimentos, herdamos espécies e características influenciadas no processo que chamamos de domesticação da espécie e de paisagem.”

Para Soldatti, conservar as espécies é conservar todo um patrimônio genético. “Ao preservar essas plantas, preservamos o conhecimento e saberes indígenas, além de sua importância simbólica e histórico-cultural. E, de forma sistêmica, temos garantia de vários serviços ecossistêmicos como a regularização do clima, polinização, recursos hídricos, entre outros”.

Durante a visita ao Jardim, os roteiros propostos buscam mais do que descrever os nomes científicos e populares das espécies e sua importância econômica. De acordo com o vice-diretor do Jardim Botânico, Breno Moreira, tudo foi elaborado com o objetivo de valorizar os saberes campesinos, quilombolas, indígenas e tradicionais. “Os pontos de visitação dos roteiros podem ser vistos como um grande quebra-cabeça, que, quando unidos, revelam processos cognitivos, sociais e políticos, que tornam tais saberes estratégicos para a conservação da sociobiodiversidade – um dos principais objetivos do Jardim Botânico e desafios da humanidade”.

Como medida de prevenção e combate ao avanço da pandemia do novo coronavírus, o Jardim Botânico está fechado temporariamente. Enquanto isso, o local já realizou lives e tem publicado, em redes sociais, materiais informativos e educativos. Veja abaixo detalhes sobre seis espécies de árvores e suas relações com povos originários e outros saberes tradicionais:

Jatobá
Hymenaea courbaril

Espécie nativa da família botânica Fabaceae, amplamente distribuída e conhecida pelos povos brasileiros, especialmente pelo seu poder medicinal, presente nas raízes, cascas e resina. A origem de seu nome vem do tupi e quer dizer “árvore com frutos duros”. No passado, foi muito utilizada pelos povos indígenas em momentos de meditação. Espécie que todo raizeiro conhece e indica.

A polpa do seu legume tem aspecto farináceo, sendo utilizada para fazer bolos e roscas. Foi muito consumida in natura, durante momentos de seca, penúria e total escassez de recursos alimentares. Assim, esta planta tem importância fundamental para a resistência dos agricultores familiares nos sertões brasileiros.

Angico vermelho
Anadenanthera colubrina

Espécie nativa da família botânica Fabaceae. Em tupi-guarani, é conhecido como angicó-caá, que significa “árvore-para-a-doença-da-alma” Há algumas plantas medicinais no Brasil que são preferidas e consensuais, uma destas é o angico vermelho. Suas propriedades, inclusive a cor avermelhada que o identifica, deve-se à alta concentração de compostos conhecidos como taninos. Estas mesmas substâncias permitem o emprego das suas cascas em curtumes, atividade de importância histórica para a Mata do Krambeck.

Entretanto, há muitos anos, as sementes, por suas características químicas, são utilizadas pelos povos indígenas da bacia amazônica no preparo de um rapé conhecido como “yopo”, com propriedades psicotrópicas. O rapé é um dos elementos centrais da cosmologia e medicina ancestral destes grupos, como alimento verdadeiro que permite o contato com outros mundos, seres e ensinamentos. Nessa visão, o angico vermelho é, portanto, uma “planta de poder” que garante processos de construção do conhecimento, dos quais a objetividade e o materialismo não conseguem dar conta.

Cajú
Anacardium occidentale

Cajueiro é descrito como “planta de aperto”, pela sensação de constrição

Espécie nativa da família botânica Anacardiaceae. O cajueiro é amplamente distribuído em nosso território e muito proveitoso. O fruto, em tupi-guarani, significa “noz que se produz”. Seus frutos – na verdade, pseudofrutos -, são deliciosos e refrescantes. Sua castanha é um dos principais produtos florestais não-madeireiros do país e a base alimentar de muitas populações humanas.

Suas cascas destacam-se como recurso medicinal pela alta concentração de taninos, compostos que deixam a água avermelhada e de propriedade adstringente. A mesma sensação de constrição é sentida com outras plantas, como goiaba, barbatimão, angico, o que permitiu a construção de uma categoria chamada de “plantas de aperto”. Toda planta que, em solução deixa a água vermelha e, ao beber, “aperta” a boca é enquadrada nessa categoria.

Essa construção conceitual é fundamental à sobrevivência humana e diversificação dos sistemas médicos populares, por exemplo, pela inclusão de novas plantas, pois, em situações de emergência ou em ambientes desconhecidos, qualquer planta vermelha e que “aperte” pode curar enfermidades graves. Outras categorias populares são “plantas de amargo” e “plantas de cheiro”.

Camboatá
Cupania vernalis

Árvore nativa, pertencente à família botânica Sapindaceae, que possui propriedades medicinais extraordinárias. Entretanto, estas serão mantidas em segredo porque, nos sistemas tradicionais, nem tudo deve ou pode ser revelado. O nome é derivado do tupi-guarani “caá-bo-in” e significa “árvore da folhagem delicada” ou também “mato que serpenteia”.

Mulungu
Mulungu Erythrina 

Mulungu está entre as árvores de ‘madeira branca’, que não demandam resistência

Espécie nativa da família botânica Fabaceae. É uma leguminosa medicinal, parente do feijão e do amendoim, muito conhecida por sua floração vermelha e bela. O nome popular mulungu vem do tupi mussungú ou muzungú e do africano mulungu, cujo significado é “pandeiro” e pode estar relacionado ao som emitido pela batida em seu tronco oco.

A madeira é branca, de baixa densidade e muito fácil de ser talhada, assim é amplamente utilizada no nordeste brasileiro na fabricação dos mamulengos. As características da madeira, como cor, cheiro e densidade, são utilizadas pelos sistemas locais de conhecimento para organizar e classificar a diversidade de espécies arbóreas, geralmente em três categorias. As “madeiras brancas” reúnem espécies, como o mulungu, empregadas em serviços que não demandem resistência.

As “madeiras vermelhas” são mais densas, utilizadas para construção, como ripas e réguas. A última categoria, “madeira preta” reúne espécies com madeiras escuras e muito densas, empregadas para usos nobres ou que demandem contato com o solo, como esteio ou mourão. Portanto, as variáveis utilizadas pelos sistemas locais para classificar a diversidade são diferentes daquelas empregadas pela academia, além de terem outro sentido, nunca melhores e nem piores, apenas diferentes.

Guapuruvu
Schizolobium parahyba
 

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O guapuruvu é usado para iniciar fogo e seu tronco é usado para fazer canoa (Foto: Raul Mourão/UFJF)

Planta nativa, pertencente à família botânica Fabaceae, distribuída em quase todo o Brasil, é muito conhecida pelos povos originários para iniciar o fogo. Guapuruvu, em tupi, quer dizer “canoa que sai da terra”, por ser um tronco com que são feitas canoas compridas.

Guapuruvu é uma árvore de porte grande e de crescimento rápido, chegando a 10 metros em dois anos. Sua semente parece-se com a da melancia, só que grande e cinza, sendo usada em colares e artesanato. Seu principal uso era a construção de canoas de um tronco só, pois, além de abundante, sua madeira é resistente à salinidade do mar aberto e mais leve para a propulsão. Este mesmo saber permanece íntegro e resistente entre os caiçaras e pescadores artesanais de toda a costa brasileira.

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