Lewis Hamilton se destaca pela sua luta contra o racismo (Foto: Mattia Faloretti/Unsplash)

A luta antirracista do piloto inglês Lewis Hamilton e a conduta diante da pandemia do novo coronavírus do tenista sérvio Novak Djokovic despertaram uma série de discussões sobre o compromisso social e a influência que atletas de ponta exercem na sociedade.

A participação em uma passeata do movimento Black Lives Matter, em Londres, no último domingo, 21, somada a uma série de iniciativas relacionadas ao enfrentamento do racismo coloca o piloto seis vezes campeão da Fórmula 1 em um patamar comparável ao do boxeador Muhammad Ali e do corredor Jesse Owen, que aproveitaram os holofotes sobre suas vitórias para dar visibilidade à importância do combate ao racismo.

A afirmação é do professor Danilo Reis Coimbra, do departamento de Educação Física do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV) e membro do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE). “Ao se posicionar, Hamilton coloca luz em algo que muitas vezes poderia passar despercebido, mesmo para os aficionados em Fórmula 1. Lewis Hamilton é o segundo negro (o primeiro foi Willy T. Ribbs Jr) a disputar a categoria, isso por si só, já seria plausível para explicar sua postura contra o racismo. Mas foi além, clamou seus colegas da categoria para se posicionar e esteve presente nas manifestações em Londres. A mensagem que passa é de identificação com a causa antirracista”.

O tenista Novak Djokovic, por sua vez, foi protagonista de matérias negativas na imprensa em razão de sua participação como atleta e organizador de torneios amistosos em meio à pandemia, ignorando os riscos de transmissão do novo coronavírus. Após dois torneios realizados na Sérvia e Croácia, o número 1 do ranking da Associação dos Tenistas Profissionais declarou ter sido infectado pelo vírus que causa a Covid 19, pediu desculpas e afirmou estar “aprendendo a lidar” com as transformações causadas pela pandemia. Antes dele, outros três atletas que participaram dos torneios testaram positivo para o novo coronavírus.

De acordo com o professor Danilo Reis Coimbra, a conduta de Djokovic é um péssimo exemplo para a sociedade. “Não sei se foi o caso, mas a mensagem que passa é que para ele, por ser atleta, renomado, as regras de isolamento e distanciamento não se aplicam. Todos estão se sacrificando para um bem comum. Outro exemplo, está na justificativa que deu para amenizar a repercussão dos seus atos, de que o evento era para fins filantrópicos, como se isso o isentasse de responsabilidade”.

O professor ressalta que a crise de saúde pública exige responsabilidade de todos e que, como figuras públicas, os atletas podem ajudar com exemplos positivos. “Assim como cantores e artistas, o seu posicionamento é fundamental, ainda mais nesses tempos, onde a atenção de todos está voltada para a situação da pandemia. Nesse sentido, algumas iniciativas são bem importantes e efetivas, como campanhas de arrecadação de alimentos (por exemplo, recentemente, em parceria com um de seus patrocinadores, a equipe do JF Vôlei conseguiu arrecadar mais de duas toneladas de alimentos e doar aos alunos do próprio projeto socio esportivo do JF Vôlei). Com a crise econômica, muitas dessas famílias ficaram sem o básico em suas casas. Ou seja, o atleta ou equipe tem condições de influenciar e agir localmente, para impactar globalmente”.

Atletas são considerados modelos de comportamento

Em 2002, um corte de cabelo entrou na moda e virou febre entre crianças e adolescentes do mundo todo após Ronaldo adotar o estilo “cascão” durante a Copa do Mundo. Na década anterior, o modelo de calçado utilizado pelo astro do basquete Michael Jordan bateu recorde de vendas e, até hoje, é sucesso de público.

Estes são apenas alguns dos exemplos que demonstram o poder de influência de atletas. Fenômeno que tem sido estudado pela psicologia, sociologia e principalmente pelo marketing. “Por isso, grandes marcas querem associar o seu produto a atletas de destaque. De modo geral, nos sentimos mais próximos aos nossos ídolos ao utilizar a mesma roupa, o mesmo tênis, o mesmo celular”, ressaltou Danilo Reis Coimbra.

O professor que ministra a disciplina “Psicologia do Esporte” ressalta que a teoria social cognitiva de Albert Bandura é a que melhor ilustra esse fenômeno no âmbito da psicologia. “Principalmente para crianças e jovens que ainda estão em formação, determinado atleta é uma referência. Muitas vezes a criança tenta imitá-lo ou reproduzi-lo intencionalmente. Pergunte para um professor de futebol ou assista uma aula de uma categoria mirim, crianças chegam a narrar seu próprio desempenho como se fossem seus ídolos. Por isso, a questão de compromisso social deveria ser tratada com bastante seriedade pelos atletas e aqueles que vivem do esporte. Mesmo que o atleta renomado não reconheça,  sempre será modelo de comportamento principalmente para crianças e adolescentes em formação. Obviamente, o que se espera, é que estes atletas sejam um modelo positivo e de alto padrão desejável”.

Tamanha responsabilidade comercial e social pode, por sua vez, inibir a manifestação de atletas sobre temas que fujam do âmbito esportivo e que, por alguma razão, possam comprometer a imagem ou o bolso. “Não sou capaz de afirmar o porquê cada um não se posiciona, pois envolve crenças, valores, formação familiar e traços individuais. Entretanto, de maneira geral, temos algumas hipóteses. Por exemplo, a série documentário do Michael Jordan (“Arremesso Final”), que conta a sua história como atleta do Bulls na década de 90. Em umas das passagens, Jordan foi cobrado inclusive por sua mãe para se posicionar favorável a Harvey Gantt, que tentava ser o primeiro senador negro da Carolina do Norte. O adversário era Jesse Helms, conservador do Partido Republicano, que se colocava favorável à segregação nas escolas e contrário à criação do feriado em homenagem a Martin Luther King Jr. Mas Jordan se manteve isento, e ainda deu uma declaração que também não foi muito bem vista:  ‘Republicanos também compram tênis’,  uma alusão ao modelo Air Jordan, sucesso de vendas”, relembrou Danilo.

O professor complementa que ao não se posicionar sobre temas que fujam do esporte, o atleta evita riscos à própria imagem na mesma medida em que perde a oportunidade de pautar algo que pode refletir positivamente para o esporte e para a sociedade. “Obviamente, toda exposição tem um bônus e tem um ônus”.