A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) apresenta desafios para a saúde pública, com consequências sociais e impactos científicos, técnicos e logísticos em todo o mundo. No Brasil, as estratégias de controle e enfrentamento da Covid-19 demandaram a ação conjunta de instituições e do poder público na ampliação da capacidade de testes. A fim de contribuir para realização do diagnóstico especializado – que possui custo elevado, além de mão de obra e infraestrutura especializadas –, desde 17 de abril, a Universidade Federal de Juiz de Fora, em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora, recebe amostras de pacientes e profissionais da saúde para realizar testes para o diagnóstico do coronavírus.
Os espécimes clínicos são enviados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora, e analisados em dois laboratórios na UFJF: um localizado na Faculdade de Farmácia e, outro, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Os exames impactam diretamente na mudança do quadro de subnotificação do município e nos registros da investigação epidemiológica da doença em Minas Gerais.
A seguir, confira a explicação da análise aplicada nas amostras e qual é o passo a passo dos exames desenvolvidos nos laboratórios da UFJF.
Explicando a análise
O protocolo de análise laboratorial utilizado na UFJF foi estabelecido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos do Estados Unidos. As análises das amostras coletadas dos pacientes são feitas por meio da técnica de alta sensibilidade, a RT-qPCR. Enquanto “RT” significa “Transcriptase reversa”, a sigla PCR representa a Reação em Cadeia da DNA Polimerase, desenvolvida nos anos de 1980 e responsável por revolucionar diversas áreas da biologia e da medicina. Essa técnica é utilizada para a obtenção da amplificação seletiva de determinada região de uma molécula de DNA que, por si só, pode produzir milhões de cópias do DNA alvo. O “q” em “qPCR”, por sua vez, quer dizer “quantitativo”, ou seja, é possível saber a quantidade inicial de vírus em uma determinada amostra. Este tipo de PCR é usado para detectar, caracterizar e quantificar DNA ou RNA para diversas aplicações possíveis.
O professor José Otávio do Amaral, do Laboratório de Biologia Molecular da Faculdade de Farmácia, explica: “o teste consiste na avaliação de amplificação de duas regiões presentes no gene N do Sars-COV-2, denominadas de N1 e N2, além de um controle endógeno marcador de metabolismo em células humanas”. De acordo com a professora Vanessa Dias, do Centro de Estudos em Microbiologia do ICB (CEMIC), os exames em RT-qPCR são assertivos e indicados para testes de Covid-19 com base na alta taxa de confiabilidade, devido ao rigor dos processos científicos.
Do paciente ao laboratório
As amostras são coletadas da nasofaringe e da orofaringe dos pacientes – pelo nariz e pela garganta, respectivamente – com um cotonete estéril. Em seguida, os profissionais capacitados executam os protocolos necessários de conservação e transporte do material. Ao chegar no laboratório, as amostras são inspecionadas, cadastradas no sistema com os dados de cada paciente e seguem para processamento. A extração de RNA é realizada manualmente e, posteriormente, são utilizados insumos específicos para detecção do vírus, ampliando o material genético alvo em análise: o SARS-CoV-2. O processo de detecção do vírus utiliza reagentes para a inativação (fazer com que o vírus não seja contagioso), a extração do material genético e a realização das reações de amplificação (aumento do número de cópias do RNA viral). Ao fim do procedimento, os laudos são liberados.
Inativação das amostras
Após a inspeção inicial e o cadastro, as amostras são preparadas para prosseguimento da análise laboratorial. “Após esta primeira checagem, separamos uma pequena quantidade da amostra e adicionamos a ela um reagente chamado trizol. Ele atuará na ruptura das membranas das células presentes na amostra, como as células do hospedeiro e as partículas virais, liberando seu conteúdo genético e ajudando na sua preservação para as próximas etapas”, esclarece a técnica-administrativa em educação (TAE), Suzane Fernandes, da equipe de diagnóstico do CEMIC.
Extração do RNA
Dando sequência à inativação do material, há o processo de separação dos restos celulares e de partículas virais (debris) para que todo o RNA presente na amostra fique solubilizado em álcool. De acordo com professor e membro da equipe do CEMIC, Rodrigo Hohl, para separar o RNA são realizadas três centrifugações até que os debris fiquem precipitados ao fundo do tubo. Durante esta etapa, a intenção é de purificar e isolar o RNA de qualquer outro material que a amostra original possa conter. No fim, esse precipitado com RNA é solubilizado em água ultra-pura, livre de qualquer contaminante. Essa solução, então, segue para análise no equipamento de PCR em tempo real.
Análise de detecção PCR
Na última etapa do processo, é realizada a transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (a RT-PCR), considerada o padrão-ouro no diagnóstico da Covid-19, de acordo com a pesquisadora também atuante no CEMIC, Michele Munk. Por meio dela, é possível detectar o material genético (RNA) do novo coronavírus na amostra analisada.
“Em suma, é um método baseado na transcrição reversa do RNA do vírus, transformando-o em DNA complementar, conhecido como cDNA, na linguagem técnica”, elucida Munk. “Na sequência à transformação, são inseridos primers, ou seja, fitas simples de DNA, e o material é amplificado. As fitas complementares hibridizam com a sequência alvo que, nesse caso, é o material genético viral do novo coronavírus, o SARS-CoV-2. Por fim, as sondas específicas emitirão um sinal que será captado pelo equipamento e confirmará a presença do coronavírus na amostra.”
O método faz uso de insumos específicos e de custo elevado. O tempo de montagem da placa e corrida das amostras no PCR em tempo real é de aproximadamente duas horas e meia. Somada, a capacidade dos dois laboratórios da universidade é de cem testes diários, com liberação de resultados em até 48 horas após o recebimento das amostras. O Laboratório de Biologia Molecular da Faculdade de Farmácia da UFJF tem como coordenadores Olavo dos Santos e Frederico Pittella Silva e responsável técnico José Otávio do Amaral. No CEMIC, Laboratório localizado no ICB, essas funções são exercidas pelos professores Aripuanã Watanabe e Cláudio Galuppo Diniz.
Distinção entre o teste PCR e o teste rápido
A diferença entre os testes PCR, realizados na UFJF, e os testes rápidos, disponíveis no mercado, encontra-se no material (espécime clínico) e na forma de análise. As amostras analisadas via PCR baseiam-se na pesquisa do RNA do novo coronavírus (genoma viral) durante o curso da doença. Já os testes rápidos consistem na pesquisa de anticorpos desenvolvidos contra o vírus, feitos a partir do soro em amostras de sangue que tornam-se detectáveis após a doença, ou mais ou menos de duas a três semanas da infecção.