Embora não seja a primeira pandemia que os seres humanos enfrentam, a Covid-19 acontece em uma época que possui uma singularidade inédita em relação às outras: em tempos de internet, as redes sociais tornaram-se escapes ainda maiores para lidar com o distanciamento social. Além de utilizá-las para socialização, os usuários também comentam suas experiências na pandemia, relatando comportamentos e sentimentos decorrentes da nova rotina.
Um tipo específico de compartilhamento nas redes despertou a atenção de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A professora e o mestrando do Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional, Priscila Capriles e Thallys Nogueira, observaram a possibilidade do mapeamento e da análise de informações compartilhadas a respeito da saúde mental dos usuários durante a pandemia. Para desenvolver a pesquisa, estabeleceram uma parceria com a professora Laisa Sartes, atuante no Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Em conjunto, o grupo de pesquisadores coleta, interpreta e acompanha os dados sobre depressão e ansiedade relatados em redes sociais.
Aumento de relatos
A pesquisadora Priscila Capriles explica que a análise sobre saúde mental nasceu devido a um projeto já em andamento, desenvolvido em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação da UFJF e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais (IFSudeste-MG), voltado para a análise do uso de derivados de leite feito pela população.
“Percebemos que, desde o começo do alarme a respeito do coronavírus no mundo, especialmente no Brasil, aconteceu um aumento do consumo de alimentos indulgentes – ou seja, mais calóricos e menos nutritivos, mas que servem justamente para causar aquela sensação de melhora da ansiedade. Diante desse cenário, eu e o Thallys despertamos a atenção para entender como estaria o estado emocional das pessoas durante esse período.”
Usando a técnica de mineração de dados de mídias sociais e de análise de sentimentos, os pesquisadores iniciaram a análise coletando informações, principalmente no Twitter e no Google Trends. “Nossos resultados começaram a mostrar que, realmente, um número crescente de pessoas estava relatando ansiedade, depressão e fobias. Então, resolvemos procurar parcerias com profissionais da Psicologia.”
Como é feita a coleta e a análise de dados
“As análises são feitas a partir dos comentários das pessoas e, então, ajudamos a identificar palavras-chave mais relevantes, relacionadas às principais teorias em psicologia e psiquiatria sobre saúde mental, e a levantar hipóteses sobre a relação entre determinados comportamentos e a pandemia”, explica a psicóloga e pesquisadora Laisa Sartes. “O método de mineração de dados das redes sociais traz a possibilidade de avaliar dados em larga escala e saber o que está acontecendo agora, a cada momento. Portanto, é uma possibilidade de obter informações muito rica, principalmente se considerarmos que, nessa pandemia, muitos estão utilizando as redes sociais para falar, serem ouvidos, trocar informações e desabafar.”
O mestrando em Modelagem Computacional, Thallys Nogueira, explica como é o processo de mineração de dados. Primeiramente, foi criada uma conta de desenvolvedor na rede social Twitter. Para ser liberada, é necessário um processo de análise para que, só após a aprovação, o pesquisador obtenha acesso dos dados. Quando isso aconteceu, Nogueira desenvolveu aplicações na plataforma para que fosse possível realizar a coleta dos dados de forma paralela, agilizando, assim, este processo.
“Com isso, fiz grupos de palavras-chave e algumas hashtags relacionadas ao tema e realizei a mineração dos dados em si. Para a coleta, desenvolvi um script, que é executado uma vez por semana e com horário programado, devido às limitações que a conta padrão possui”, especifica Nogueira. Com os dados em mãos e a análise iniciada, o mestrando adianta alguns dos próximos passos: o mapeamento das localizações de onde surgiram os relatos coletados e a apresentação de algoritmos para auxiliar na visualização dos termos mais recorrentes. Por meio de um modelo de machine learning (em português, “aprendizado de máquina”; trata-se de uma área de pesquisa em inteligência artificial), o mestrando explica que será possível classificar o conteúdo coletado de acordo com critérios estabelecidos por Paul Ekman, psicólogo norte-americano pioneiro no estudo das emoções.
“Estamos desenvolvendo um estudo para avaliar a porcentagem significativa da população brasileira que vem expressando isso; tentar quantificar, por região, o quanto isso está sendo manifestado; e georreferenciar os dados, para que possamos gerar alguns mapas que mostram a densidade dessas manifestações”, complementa Priscila Capriles. “De semana a semana, também poderemos acompanhar como as ações do Ministério da Saúde e do Governo Federal ressoam na população.”
“O que pudemos identificar até o momento é que grande parte dos comentários sobre problemas de saúde mental estão relacionados a quarentena em si, e não ao coronavírus propriamente, e que esses comentários parecem sofrer impacto de determinadas notícias nacionais”, completa Laisa Sartes. “Mas ainda estamos no início da quarentena, e estamos muito interessados em saber como será ao longo do tempo.”