A Frente Preta da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), composta pelos coletivos negros Descolônia, Griot, Resistência Viva e por estudantes independentes, convida calouras e calouros para integrar o grupo. O objetivo é contribuir para os processos de adaptação e permanência no novo ambiente acadêmico, promovendo reflexões acerca do racismo estrutural da sociedade brasileira. 

Jussara Melo: “As universidades não estão totalmente preparadas para nos receber e isso pode favorecer o sentimento de isolamento.”(Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

“Nós estamos começando. Precisamos que os calouros conheçam a Frente Preta, para podermos nos fortalecer cada vez mais. A UFJF é uma Universidade muito grande. Com o sistema de cotas, chegam cada vez mais pessoas negras. As universidades não estão totalmente preparadas para nos receber e, por causa disso, podem acontecer vários problemas que favorecem o sentimento de isolamento, de estar sozinho”, aponta a integrante da Frente Preta e estudante  do 6° período do curso de Licenciatura em História, Jussara Cristiane Euzébio de Melo, 27 anos.

A avaliação é compartilhada pelo integrante da Frente Preta e aluno do 5° período do curso de Bacharelado em Jornalismo, Samuel Fontainha do Nascimento, 20 anos, que ressalta as possibilidades decorrentes da troca de ideias e experiências numa organização coletiva.

“Quando fazemos parte de um coletivo, temos a dimensão de que muita gente vê o racismo pelo senso comum. E isso é errado. Até algumas pessoas negras também têm essa visão. É importante fazer parte de coletivos porque percebemos que precisamos nos unir, criar mais forças. Precisamos que as universidades nos vejam não apenas como alunos, mas como alunos capazes.”

Quantos autores negros você lê?

Jussara explica que a Frente Preta foi criada em 2019 com o objetivo de reunir estudantes negros de todos os cursos da UFJF. “Nós fizemos este grupo, nos ‘aquilombamos’, justamente para termos esse apoio e para conseguirmos abranger a Universidade com o maior número possível de pessoas.” 

A estudante de História acrescenta que, de modo geral, os grupos de apoio e militância são mais frequentes apenas nos cursos das Ciências Humanas. “Nos lugares nos quais o número de negros é menor, nas ciências Exatas e Biológicas, na Saúde, por exemplo, não têm esses grupos. Queremos que as informações sobre os coletivos e a Frente Preta cheguem a esses lugares.” 

Uma dificuldade elencada pelos estudantes no processo de adaptação e permanência no meio acadêmico é a baixa presença de pesquisadoras e pesquisadores negros nas bibliografias das disciplinas.  “Muitos professores discutem racismo em sala de aula, mas as bibliografias das matérias muito raramente, quase nunca, têm autores negros, ou seja, referências que nos ajudem a ver que podemos chegar lá, que podemos ser um dia um desses autores”, afirma Samuel. 

Samuel Nascimento: “As bibliografias das matérias muito raramente, quase nunca, têm autores negros.” (Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

Outro aspecto salientado como necessário para favorecer a democratização do espaço universitário é o reconhecimento das desigualdades que permeiam a sociedade brasileira. “Não é questão de tratar a gente de modo diferente ou segregar, ‘você é branco eu vou te tratar de um jeito, você é preto vou te tratar de outro’. É ter noção de que público está chegando à Universidade. Ter noção social mesmo de que a maioria das pessoas pretas não têm acesso a uma educação básica de qualidade. Quando chegamos aqui, na Universidade, a maioria de nós não teve uma rotina de estudos, oportunidade de ter uma mesa, chegar da escola, sentar, estudar e se preparar para o outro dia de aula. Muitas vezes os professores não percebem isso.” 

Fortalecer vínculos

Para ambos os estudantes, a participação na Frente Preta favorece, sobretudo, a criação de vínculos, novas amizades e perspectivas. “Sem dúvida a Frente Preta é um apoio psicológico. Fazemos amizades e ter amigos que comungam conosco da questão racial, das vivências sociais, é outra coisa. Eu e Samuel, por exemplo. Se sentarmos para conversar, vamos ver que temos várias coisas em comum, tanto na nossa vida antes daqui quanto na nossa vida aqui dentro. Isso é uma coisa maravilhosa, sabe? Por isso, é tão importante!”, conta Jussara. 

Samuel Nascimento: “Tinha essa visão do senso comum de que racismo era só a pessoa ser xingada de macaca ou algo parecido. Esses coletivos me fizeram abrir os olhos e identificar questões que eu passei e eles também passaram. Eu não estou sozinho.”

Integrar a Frente Preta também potencializou o processo de autoconhecimento de Samuel.  “Psicologicamente foi muito importante. Eu falei que tem muita visão de senso comum sobre o racismo, porque eu também tinha essa visão. A Frente Preta e o Coletivo Griot, do qual faço parte, me fizeram ver que muita coisa que sofri, antes de estar aqui, eu também não percebi. Eu tinha essa visão do senso comum de que racismo era só a pessoa ser xingada de macaca ou algo parecido. Esses coletivos me fizeram abrir os olhos e identificar questões que eu passei e eles também passaram. Eu não estou sozinho.”

Os integrantes da Frente Preta planejam organizar a partir deste ano encontros presenciais periódicos. As atividades serão realizadas com a retomada do calendário acadêmico da UFJF em março, e divulgadas nas redes sociais dos coletivos e nos canais oficiais de comunicação da Universidade.

Outras  informações: siga os coletivos no Instagram: Descolônia, Griot e Resistência Viva.