A percepção sobre o “corpo perfeito” não é fixa; como a atual está impactando, física e mentalmente, os brasileiros? (Foto: Ankit Paul/Instagram)

Os músculos meticulosamente esculpidos da estátua de Davi. Os traços voluptuosos das mulheres retratadas em pinturas renascentistas. O corpo sempre foi cultuado. Representações artísticas da figura humana datam até cerca de 40 mil anos atrás. Historicamente, o significado de “corpo perfeito” é alterado de acordo com a moral, costumes e concepções da sociedade na qual o indivíduo está inserido. Na Grécia Antiga, por exemplo, para ser respeitado como guerreiro, os homens tinham que ter o corpo definido. Já na Idade Moderna, os nobres, demonstrando que tinham fartura na mesa, exibiam um corpo mais voluptuoso.

Segundo o pesquisador Pedro Carvelho, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde da UFJF-GV, atualmente, de forma geral, as mulheres preocupam-se com um corpo magro, com baixo percentual de gordura e algum grau de definição muscular, com atenção especial ao glúteos, seios, pernas e abdômen. Já os homens direcionam sua atenção a um corpo musculoso, com baixo percentual de gordura, em que se destacam as preocupações com os peitorais, ombros, braços e abdômen. Com o final do ano e o início da estação mais quente, espalham-se pelas redes sociais os projetos para obter o corpo perfeito para exibir na praia. Essa é uma das promessas de ano novo mais comuns. No Brasil, durante o verão, o número de cirurgias plásticas cresce, em média, 20% ao ano. O país também conta com a maior receita da América Latina, e a terceira maior das Américas, quando se trata da indústria de atividades físicas, responsável por movimentar 2,1 bilhões de dólares nacionalmente. 

“Nosso corpo é um elemento essencial muito importante para a construção da identidade do indivíduo”, afirma o pesquisador Pedro Carvalho (Foto: Amir Geshani)

O impacto mental da imagem corporal
“A cobrança por um padrão específico de corpo passa a ideia de que só serão valorizados socialmente aqueles que conseguem atingir esses modelos corporais idealizados. Como se a felicidade só fosse possível caso esteja dentro deste padrão”, aponta Pedro Carvalho. Segundo o pesquisador, o modelo de corpo preconizado é muito difícil de se atingir – por vezes, impossível. No entanto, para atingi-los, pessoas acabam por desenvolver distúrbios graves ou adotam comportamentos deletérios à saúde. As consequências mais comuns incluem o desenvolvimento de uma baixa autoestima, isolamento social, aparecimento de distúrbios de imagem corporal, adoção de comportamentos alimentares desordenados e, em casos mais graves, o desenvolvimento de depressão, transtornos alimentares e tentativa de suicídio.

“Nosso corpo é um elemento essencial muito importante para a construção da identidade do indivíduo. Há estudos que indicam que o corpo é um dos elementos primordiais para a construção da identidade do brasileiro”, esclarece Carvalho. Como consequência disso, o país figura como o segundo colocado no número total de procedimentos de cirurgias plásticas. De acordo com o professor, como seres sociais, temos a necessidade de fazer parte de um grupo. Queremos nos sentir incluídos, pertencentes a uma sociedade. Assim, temos a tendência de nos comparar com outros indivíduos, adotando comportamentos similares a eles, internalizando conceitos, ideias e tendências. 

A necessidade de produzir o consumo de produtos variados, bens e serviços também influencia esse cenário. “Vale lembrar dos agentes culturais, como pais, amigos(as), parceiros(as) e a mídia, que são fontes de influência primárias, pois é por meio delas que as informações sobre corpo, alimentação, saúde e felicidade transitam, são difundidas, (re)significadas e internalizadas”, explica. 

Body positivity versus a pressão para ter o “corpo perfeito”
A queda da tendência dos corpetes na Era Vitoriana, com o movimento “Victorian dress reform”, estimulou o nascimento do “body positivity” – traduzindo literalmente a expressão, trata-se de um movimento social de “positividade corporal”. O padrão corporal da época era de mulheres com cinturas finas e marcadas. Para atingir essa figura, muitas usavam corpetes apertados e extremamente desconfortáveis. Quando não se adequavam a esse padrão, mulheres eram criticadas, sendo chamadas, por exemplo, de egoístas; assim, começaram a usar calças e a deixar os corpetes de lado. 

O movimento “body positivity” foi reforçado com as redes sociais (Foto: Piqsels)

A partir de 2012, o movimento do “body positivity” voltou com o advento de redes sociais como o Instagram. Várias mulheres influenciadoras de opinião  começaram a usar a plataforma para mostrar seus verdadeiros corpos, sem manipulação gráfica ou edição de imagem, evidenciando celulites, estrias e gordura na região do abdômen. Muitas marcas, famosas por contratarem modelos que encaixavam-se no padrão de magreza, perceberam o potencial do movimento e passaram a contar com parcerias com mulheres mais curvilíneas, classificando-as como “plus size” (ou seja, “tamanho maior”, uma expressão utilizada para classificar roupas que atendiam a corpos gordos). Esse tipo de classificação levantou questões dentro do próprio movimento “body positivity” – por que mulheres que não são extremamente magras, como era o padrão exigido para as modelos, já são consideradas “plus size”?

Segundo o pesquisador Pedro Carvalho, essa incongruência é resultado de uma sociedade em modificação, mas ainda presa ao padrão de “corpo perfeito”. Cerca de 2% da população mundial sofre de transtorno dismórfico corporal, afetando igualmente homens e mulheres. Segundo estudo publicado na revista Dialogues in clinical neuroscience, esse transtorno é mais comum do que anorexia nervosa e esquizofrenia. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, alguns dos sintomas são: preocupação com um ou mais defeitos ou falhas percebidas na aparência física que não são observáveis ou que parecem leves para os outros; comportamentos repetitivos (verificar-se no espelho, arrumar-se excessivamente, beliscar a pele, buscar tranquilização) ou atos mentais (comparando sua aparência com a de outros) em resposta às preocupações com a aparência. 

É preciso investir em políticas públicas efetivas para a correta avaliação e prevenção desses transtornos, bem como propor estratégias de promoção de saúde. A insatisfação corporal, por exemplo, é importante fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, uma psicopatologia com maior taxa de mortalidade de todas as doenças mentais. Se somarmos a isso as diversas patologias associadas aos distúrbios de imagem corporal, teremos clareza sobre a importância do desenvolvimento de políticas específicas”, propõe Carvalho.

Medicamentos usados para emagrecer só devem ser utilizados sob prescrição de um médico especialista (Foto: Rawpixel/Nappy)

Perigos da automedicação
Como o padrão corporal atual gira em torno da magreza, muitas pessoas procuram várias formas de obter o “corpo perfeito”, muitas vezes utilizando remédios “para emagrecer”. Porém, esses medicamentos só são indicados em casos específicos de obesidade, e é necessário acompanhamento médico para que sejam utilizados. “De acordo com o estudo que eu realizei, pessoas com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 25kg/m2 e que apresentam alguma comorbidade, ou pessoas com IMC acima de 30kg/m2, podem receber a indicação do uso de medicamentos para contribuir com a perda de peso”, revela Nathália Magalhães, doutoranda em Físico-Química na UFJF. 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possui quatro medicamentos registrados para o tratamento da obesidade. São eles: Cloridrato de Sibutramina, Orlistat, Cloridrato de Lorcasserina e Liraglutida. Nathalia explica que a sibutramina é um medicamento inibidor do apetite e estimulador do sistema nervoso central dos pacientes, atuando ao diminuir a fome e acelerar seu metabolismo. Já o Orlistat atua diminuindo a absorção de gordura pelo intestino; dessa forma, até 30% da gordura ingerida é eliminada nas fezes, sem ser absorvida pelo intestino. A Lorcasserina age de forma semelhante à Sibutramina, porém, atua no centro de saciedade do cérebro, inibindo o apetite e diminuindo a ingestão de alimentos. Por último, a Liraglutida retarda o esvaziamento do estômago e age sobre o centro de saciedade, atuando através do mecanismo de absorção de glicose, informando ao cérebro que os níveis de energia estão adequados.

“É sabido que o uso de medicamentos sem prescrição médica pode ser prejudicial à saúde, devido aos efeitos colaterais que podem ocorrer”, aponta Nathália. O Cloridrato de Sibutramina pode causar aumento da pressão arterial,  constipação, boca seca, alteração de humor, insônia, tontura, cefaléia, náuseas e palpitação. Já o Orlistat tem como efeitos colaterais esteatorréia (presença excessiva de gordura nas fezes), urgência fecal, aumento no número de evacuações por dia, incontinência fecal, flatos com descarga oleosa, náusea, vômito, dores abdominais, redução nos níveis séricos de vitaminas. A Lorcasserina pode ocasionar aumento da incidência de visão turva, tontura, sonolência, dor de cabeça, distúrbios gastrointestinais, náusea. Além disso, é contraindicada na gravidez devido ao risco de teratogenicidade (formação e desenvolvimento de anomalias no útero), que pode levar a malformações do feto. Por fim, a Liraglutida pode causar dor de cabeça, náusea, hipoglicemia sintomática, diarréia, aumento na frequência cardíaca e, a longo prazo, pode causar o desenvolvimento de pancreatite no organismo do paciente.

“Os medicamentos só devem ser utilizados sob prescrição de um médico especialista, que avaliará as condições físicas do paciente e se esse se enquadra no perfil de cada medicamento, de forma a evitar danos colaterais”, reforça a doutoranda.