O congresso inclui palestras e grupos de trabalho sobre temas relacionados a constituição e democracia. (Foto: Sebastião Junior)

“A democracia está em crise”. É o que defende a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora em Governador Valadares (UFJF-GV), Tayara Talita Lemos. O momento político-jurídico pelo qual passam o Brasil e o mundo motivou um grupo de pesquisa do qual a docente faz parte, o Politeia, a promover um espaço de reflexão sobre o tema. Assim surgiu o 1º Congresso Crises da Democracia, que começou na última terça-feira, 5, e vai até quinta, 7, com uma programação que inclui palestras e grupos de trabalho.

Além de Lemos, pesquisadores de outras quatro universidades – as federais de Uberlância (UFU), de Viçosa (UFV), de São João del-Rei (UFSJ) e do Semi-Árido (Ufersa) – integram o Politeia, desenvolvendo produções nas áreas de cultura política, teoria e identidade constitucional. No caso da UFJF-GV, a maioria desses trabalhos são desenvolvidos junto ao projeto de extensão Centro de Referência em Direitos Humanos.

Características da crise democrática
Se a democracia está em crise, como afirma Lemos, como então identificar os elementos que demonstram que esse sistema anda mal das pernas? “Podemos dizer que está em crise quando os direitos e garantias fundamentais parecem ser colocados em xeque, quando liberdades e igualdades parecem se diluir com alguma normalidade por parte das instituições, quando a participação política diminui ao lado de um aumento do autoritarismo das instituições, de manipulação e falseamento da informação, sob a máscara de bandeiras supostamente nacionalistas e de valores”, explica Lemos.

A professora Tayara Lemos, da UFJF-GV, foi uma das responsáveis pela realização do congresso. (Foto: Sebastião Junior)

Especificamente em relação à democracia brasileira, a docente menciona “a diminuição dos direitos dos trabalhadores, o desmantelamento dos direitos previdenciários, a tentativa de calar manifestações e atos que se dão em claro exercício da liberdade de pensamento, expressão, reunião e associação, a tentativa de combater a autonomia da universidade pública, a ideologização conservadora que se coloca frente a questões de raça e de gênero, o autoritarismo do executivo e a arbitrariedade do legislativo e do judiciário”.

Lemos ainda esclarece que o enfraquecimento de nossas bases democráticas não é um fenômeno recente. “Esse cenário não é uma exclusividade desse tempo, desse ano e desse século, mas parece romper um outro cenário, o de uma crescente democrática que vinha se dando desde o período pós-ditadura e desde a promulgação da Constituição de 1988. Isso nos faz pensar que as crises estão latentes a todo instante, requerendo atenção e luta por uma democracia sem espera, de agora e por vir, como presente e como promessa”, enfatizou.

A experiência alemã
Além de não configurar uma situação exclusiva da atualidade, a ruptura do equilíbrio democrático também não fica restrita a um determinado território, como explica o coordenador do Politeia e professor da UFU, Raoni Macedo Bielschowsky. Ele estuda a República de Weimar – implementada na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial – e afirma que esta forma de governo, embora fosse considerada inovadora para a época, “não foi capaz de sustentar a democracia alemã e é o paradigma de uma democracia que falhou no século XX”.

O coordenador do Politeia, Raoni Bielschowsky, falou sobre a República de Weimar. (Foto: Sebastião Junior)

Sobre as razões de outras nações não terem aprendido com a experiência alemã e ainda apresentarem democracias constantemente colocadas em xeque, Bielschowsky é bastante enfático. “Muitos historiadores dizem que a história não se repete. O Richard Evans, que é um importante historiador britânico e estuda Weimer, disse que ‘aprender com a história é trabalhoso, prega peças’. O que a gente no fundo pode aprender com as expectativas talvez seja como a democracia acaba ou o que acontece mas, sobretudo, entender que o fato de que quando a democracia acaba alguma coisa ruim geralmente vem. Então é muito menos para tentar estabelecer prognósticos, mas para ter atenção aos riscos disso tudo”, afirma.

Democracia baseada na propriedade privada é a raiz da crise
Outra pesquisadora do Politea a participar do congresso é a professora da UFSJ, Maria Clara Oliveira Santos, que acrescenta um ingrediente ao debate. “Tem uma crise, mas que serve a um propósito específico, que é o de fortalecimento desse centro de uma democracia liberal calcada em propriedade privada, que ajuda a processos de acumulação, de segregação e que no Brasil opera muito para a manutenção da desigualdade social”, explica.

Para Maria Clara Santos, a crise serve ao propósito de fortalecimento da democracia liberal calcada na propriedade privada. (Foto: Sebastião Junior)

Na opinião da docente, “a crise acontece no próprio cerne da democracia liberal porque quer aprofundar a importância e a centralidade dessa propriedade privada acumulada na mão de poucos, ainda que para isso tenha que promover um processo de ampliação da desigualdade e venha, inclusive, solapar as regras jurídicas que tentavam diminuir essa força centralizadora e segregadora”. E finaliza afirmando que “todos os ganhos sociais estão ameaçados por causa do ímpeto de radicalização liberal a partir do paradigma da propriedade privada”.

Nesta quinta-feira, 7, uma palestra vai abordar o “projeto político” da Operação Lava Jato, e será ministrada por Felipe de Araújo Castro, professor da Ufersa e também membro do Politeia.