Gabriel Duarte
Bolsista de treinamento profissional*
Em 1969, todos os olhos estavam voltados para cima. A ideia de ir ao espaço não era apenas uma realidade, como também um fenômeno cultural. Enquanto o renomado cineasta Stanley Kubrick ganhava o único Oscar de sua carreira com o filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, o cantor David Bowie alçava seu primeiro voo nas paradas de sucesso com Space Oddity, lançada apenas cinco dias antes do voo da Apollo 11.
Ao contrário do Major Tom de David Bowie, que perde o controle de sua nave e não consegue retornar para casa, os astronautas Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins concluíram sua missão com grande êxito. Entre as últimas horas do dia 20 de julho e as primeiras do dia 21, a humanidade pisou na Lua e as palavras ecoaram pela história: “Este é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”.
Em 2019, o feito completa 50 anos. Convidamos o professor de Física e Astronomia, Cláudio Teixeira, e a astrônoma colaboradora da Nasa, Duília de Mello, para comentar o legado deixado pela alunissagem, assim como avaliar as possibilidades que a Lua ainda oferece.
Guerra nas estrelas
Após eliminarem juntos a ameaça nazista e darem fim à Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) deixaram de ser aliados e mergulharam o mundo em um universo polarizado: a Guerra Fria. A corrida armamentista é um dos aspectos mais marcantes do período. O clima de desconfiança e incerteza culminou em um grande investimento no desenvolvimento tecnológico. No dia 4 de outubro de 1957, a União Soviética lança a primeira missão do programa Sputnik, direcionando o olhar para os céus e dando o pontapé inicial no que ficou conhecido como corrida espacial. A partir de então, as duas superpotências dedicaram esforços estratosféricos para se estabelecer como soberanas na exploração do espaço.
“Tirando toda a questão política da corrida espacial, a ciência desenvolveu-se muito com grande investimento nessas diversas missões”, avalia o professor de Física e Astronomia e colaborador do Centro de Ciências da UFJF, Cláudio Teixeira. “Todo o processo histórico precisa ser valorizado, não apenas a ida à Lua ou as iniciativas por parte dos Estados Unidos e da Nasa.”
Durante grande parte do período, a União Soviética estava ganhando a corrida. A superpotência não apenas lançou o primeiro satélite artificial na órbita terrestre, como também concluiu outros dois grandes feitos: enviar o primeiro homem ao espaço, o cosmonauta Yuri Gagarin, e realizar a primeira atividade extraveicular – ou seja, finalmente mandar um astronauta para fora da nave, em contato direto com o espaço sideral. Perdendo o pioneirismo espacial, a ambição pela Lua passou a reinar os interesses estadunidenses. Ao mesmo tempo que a competição se intensificou, os contratempos aumentaram, resultando até mesmo em fatalidades, como no incêndio da Apollo 1, quando três astronautas morreram.
Na reta final da disputa, a União Soviética enfrentava diversos fracassos no lançamento do foguete N-1, enquanto o irmão norte-americano Saturn V se preparava para entrar para a história. No dia 16 de julho de 1969, o mundo parava para assistir o foguete levantar voo e colocar a Apollo 11 em órbita. Poucos dias depois, o homem estava na Lua.
https://www.instagram.com/p/B0FHqT_J6Qz/
A Lua me disse
A jornada da Apollo 11 foi apenas o primeiro sucesso. Entre novembro de 1969 e dezembro de 1972, o programa Apollo enviou mais seis voos tripulados à Lua. Ao todo, doze astronautas pisaram em solo lunar, trazendo consigo cerca de 300 kg de rochas. “Só isso já representa um avanço científico enorme”, comenta a vice-reitora da Universidade Católica da América e astrônoma colaboradora do Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa, Duília de Mello. Ela explica que, a partir desse material, foi possível fazer uma análise exata da composição química do satélite, possibilitando uma melhor interpretação de sua formação. Os estudos resultaram na teoria que prevalece até hoje sobre o surgimento do sistema Terra-Lua: em tempos remotos, um gigantesco impacto entre a Terra recém-formada e outro corpo celeste resultou na projeção de material para a órbita terrestre. Esse material se aglutinou e formou a Lua.
Outra descoberta importante foi a presença de um elemento químico muito raro: o Hélio-3. Teixeira explica que, devido à filtragem feita pelo campo magnético, esse material não pode ser formado na superfície terrestre. “Como a incidência de radiação solar na superfície da Lua é muito direta, encontramos esse elemento lá. Prevê-se que, no futuro, esse átomo de Hélio possa ser usada para a produção de energia.”
As missões que sucederam a Apollo 11 trouxeram outros avanços, como a instalação de um sistema, com o qual é possível medir a distância Terra-Lua, utilizando apenas um laser, e a criação do Lunar Roving Vehicle, uma espécie de jipe lunar. A missão de número 17 encerrou o programa em grande estilo, rendendo o momento memorável da queda do astronauta Harrison Schmitt em solo lunar. “Estavam programados outros lançamentos até o que seria a Apollo 19, mas é muito caro enviar missões para Lua, especialmente tripuladas”, explica a astrônoma Duília. Além do alto custo, o governo norte-americano considerou que as seis missões já haviam trazido conhecimento suficiente e a agência espacial passou a focar em outros objetivos. “O que veio a substituir a missão Apollo e se tornar o objetivo fundamental da Nasa na ocasião foi a missão do ônibus espacial e, com isso, o telescópio espacial Hubble.”
Uma odisseia no espaço
Até hoje, os altos custos continuam sendo o principal obstáculo. Em entrevista à CNN, o administrador da Nasa, Jim Bridenstine, estimou que o custo de uma nova missão tripulada à Lua pode chegar a cerca de R$ 112 bilhões. “Sair da gravidade da Terra custa muito caro, pois é preciso um foguete possante e, pensando na vida da tripulação, uma segurança muito bem feita. Nós simplesmente não temos os recursos financeiros para voltar à Lua, a não ser que haja uma decisão que concretize esse investimento”, afirma Duília. Recentemente, a Nasa anunciou o projeto Artemis, que pretende chegar a Lua até 2024. A missão leva consigo o nome da deusa grega que é associada ao corpo celeste – além de ser irmã de Apollo. A escolha é simbólica, já que, além da construção de uma estação espacial, o programa objetiva outro feito inédito: levar a primeira mulher à Lua.
Se na década de 1960 a motivação era política, hoje os interesses podem ser outros. Iniciativas privadas como a SpaceX, do bilionário Elon Musk, e a Blue Origin, do fundador da Amazon, Jeff Bezos, já são notórias em suas tentativas de exploração do espaço sideral. “Não são mais interesses apenas políticos ou científicos, mas também econômicos, em termos de lucro”, avalia Teixeira. Um dos principais objetivos é a criação do turismo espacial. A astrônoma Duília é cética em relação ao assunto, pelo menos em um futuro próximo. “As pessoas não se dão conta de como é perigoso sair da Terra. Os foguetes são quase uma bomba. Os riscos são altíssimos”, alerta. Duília acredita que o sucesso de missões futuras reside em fundos federais criados a partir da cooperação entre inúmeros países. Tal colaboração poderia até mesmo levar o ser humano ao nosso planeta vizinho, Marte.
Cláudio Teixeira chama atenção para o papel fundamental que o investimento governamental teve na jornada do homem à Lua. “Tanto nos Estados Unidos quanto na União Soviética, as missões de exploração do espaço foram, em sua grande parte, custeadas pelo dinheiro público.” Ele explica que a pesquisa espacial trouxe grandes benefícios para a sociedade, gerando avanços em diversas áreas, principalmente na medicina. Exemplo disso é o conhecimento desenvolvido sobre o processamento digital de imagens, que, posteriormente, foi aplicado na aprimoramento da tomografia e da ressonância magnética. “Do estudo do comportamento do corpo humano em ambientes sem gravidade até a criação de materiais mais resistentes, utilizados em próteses. Tudo isso veio da tecnologia espacial.”
Muito além do papel transformador tecnológico da astronáutica, Duília acredita que o pouso na Lua mudou, de forma definitiva, a percepção que humanos têm do Universo. A repercussão histórica fez e continuará fazendo a alunissagem ser o passo mais importante do século XX. “Nós – dentro de um sistema solar, de uma galáxia – conseguimos sair da Terra e pousar em um outro objeto celeste. Conseguimos ver nosso planeta lá, sozinho. Isso tem uma significância enorme. Acredito que daqui a 500 anos, quando recordarmos a história da humanidade, o que lembraremos do século XX será o pouso na Lua.”
*As matérias são editadas por jornalistas da
Diretoria de Imagem Institucional